Temperaturas históricas e insegurança hídrica sinalizam que a crise climática é uma realidade para quem vive na Amazônia Legal. Mas o poder público parece ignorar os sinais. Iniciativas que visam a invasão de áreas de conservação e derrubada de florestas para dar lugar a grandes empreendimentos, áreas de pastagem e mais monocultura se sobrepõem às de recuperação de áreas degradadas e mitigação de efeitos da mudança do clima – que, por vezes, nem aparecem nos planejamentos orçamentários e políticas públicas socioambientais. Sem contar os projetos de expansão de garimpo e hidrelétricas que se avolumam, ameaçando vidas.

Em Mato Grosso, as ameaças são constantes, mas chama atenção o panorama atual, marcado por um pacote de iniciativas anti-ambientais que só agravarão a situação e, como “um tiro no pé”, colocarão em risco a produtividade do agronegócio, que tanto defendem. É claro, muitos desses políticos mantêm negócios no setor ou tiveram suas campanhas negociadas por grandes empresários do agronegócio.

Durante seminário que debateu políticas públicas para mudanças climáticas, realizado pelo Programa REM MT, o cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, reforçou que as mudanças climáticas irão influenciar o agronegócio, visto que a falta de água e chuva vão impactar diretamente na produção da agricultura e pecuária. Ou seja, a preservação vai além de uma questão ambiental, se tornando um problema econômico que os produtores precisam enxergar.

“Estamos vendo a queda de produtividade em alguns lugares, especialmente em anos como esse, onde você tem um problema sério de, além da questão da mudança que o El niño e outros grandes eventos trazem, você não conseguir manter a água, porque a paisagem é desmatada. As áreas de preservação permanente estão desmatadas, então essa questão da saúde hídrica e da atmosfera é fundamental para a produção. Não existe país que vai manter a produção de alimentos se não entender agora que ele precisa conciliar as duas coisas, e quiçá a gente tenha no Mato Grosso fontes de exemplo para isso”, alerta Paulo.

Como forma de alerta – e em um exercício de monitoramento com apoio de organizações socioambientais de Mato Grosso,  listamos algumas das diversas propostas em tramitação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso e no Congresso, além de ações do Executivo estadual, que colocam em risco unidades de conservação, flexibilizam o regramento dificultando o trabalho da fiscalização e que, para atender uma pequena parcela da população, dos gigantes do agro, propõem até mesmo a retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal. Por vezes até mesmo com o apoio indireto do Judiciário, por meio de acordos questionáveis ou decisões contraditórias que comprometem ações de proteção ambiental.

  1. Extinção do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade [PDL 02/17]

Idealizado por lideranças partidárias, o Projeto de Decreto Legislativo visa sustar os efeitos do decreto de criação do Parque. A medida foi proposta em 2017, na tentativa de paralisar as ações judiciais e administrativas que foram adotadas para combater as atividades não licenciadas exercidas na área e outras proposições que visavam a conservação do parque.

Situação atual: Após audiência pública realizada em setembro em Vila Bela da Santíssima Trindade, atendendo a uma demanda de ruralistas, o deputado Gilberto Cattani (PL-MT) retomou a tramitação do projeto. Ele requereu Urgência Urgentíssima, mas por falta de quórum qualificado na sessão da ALMT, não alcançou seu objetivo. No dia 11 de outubro, em nova sessão, o deputado anunciou que, mediante acordo com o MP, haveria a possibilidade da apresentação de um novo projeto. Desta vez, retirando as propriedades rurais do perímetro do parque, tendo como critério aquelas que desmataram suas áreas até 2008. Dessa forma, visando a redução dos limites da unidade de conservação estadual. Em breve, esse projeto deve ser apresentado. O deputado Gilberto Cattani anunciou que, caso isso não ocorra, será votado o Projeto de Decreto Legislativo que visa extinção do parque. O discurso da nova proposta também é reiterado nas falas da tribuna por Janaina Riva (MDB), Max Russi (PSB), Valmir Moretto (Republicanos) e até mesmo pelo presidente da casa, Eduardo Botelho (União). Em Nota o Ministério Público sinaliza que pode haver concordância com uma eventual proposta de redução das áreas do Parque.

  1. Lei do Pantanal [11.861/22] – impacta sobre o território pantaneiro em Mato Grosso

Libera a criação de gado em áreas protegidas do Pantanal (Bacia do Alto Paraguai), atendendo, especialmente, fazendeiros e grandes empresários do turismo em Barão de Melgaço e Poconé.

Situação atual: MP ingressou com pedido de suspensão da lei no Tribunal de Justiça de MT. Depois de decisão favorável ao governo – autor da lei -, processo foi redistribuído e um desembargador pediu vista. Organizações socioambientais de MT ingressaram com pedido de amicus curiae. Aguardam deferimento para ingresso no processo.

  1. PEC das UCs [PEC 12/22]

A PEC 12/22 propõe dois novos requisitos para a criação de UCs em Mato Grosso: que haja prioritariamente orçamento para indenizar os donos de propriedades sobrepostas – o que não está previsto pela Constituição Federal – e que novas unidades só serão criadas depois que pelo menos 80% estejam regularizadas. Além disso, a PEC aumenta para dez anos o prazo que o Estado tem para implementar as UCs já existentes. Ou seja, pode ser que no período de dez anos – imposto pela PEC -, nenhuma nova UC seja criada. Mato Grosso tem hoje 47 unidades de conservação estaduais, mas há pouca dedicação do governo em geri-las.

Situação atual: o projeto está apto para apreciação em plenário. Assim, pode surgir na ordem do dia a qualquer momento.

  1. Estadualização do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães [PL 3.649/23]

De outro lado, o governo está de olho na Chapada dos Guimarães. Mauro Mendes faz uma verdadeira cruzada no Congresso e Executivo Federal para tentar tomar para si [o governo estadual] a gestão e administração do parque. Uma de suas aliadas, a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) apresentou o projeto de lei 3.649/23, que foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado. O relator, o senador Mauro Carvalho (União), deu parecer favorável e, então, o projeto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente.

Situação atual: Estrategicamente, da forma com que foi apresentado, o PL precisava ser aprovado apenas pela Comissão de Meio Ambiente, pois tramitou em regime terminativo. Dessa forma, o projeto, que é juridicamente inviável, não teve sua constitucionalidade analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Por ter como objetivo a exploração turística, precisava ter sido analisado também, pela Comissão de Desenvolvimento Econômico. Caso nove senadores apresentem requerimento, ainda é possível conseguir que o projeto seja votado em plenário. Caso não, segue para a Câmara dos Deputados.

  1. MT Fora da Amazônia Legal [PL 337/2022]

O deputado Juarez Costa (MDB) propõe que seja reduzida a área de reserva legal a ser mantida, diminuindo de 80% para 20%. Com a proposta do PL 337/2022, a obrigação de preservar a vegetação nativa em áreas de cultivo no Mato Grosso cai para apenas 20%, dos 80% (em áreas de Floresta Amazônica) e 35% (em áreas de Cerrado). Fome por mais terra é um tiro no pé do agronegócio dada a possibilidade de cair o número de recursos internacionais.

Situação atual: O dep. Coronel Chrisóstomo (PL/RO) foi designado relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). Encerrado o prazo de cinco sessões para apresentação de emendas ao projeto (de 28/09/2023 a 17/10/2023), não foram apresentadas emendas.

  1. PL da Pesca [Lei 12.197/23] – chamado por populações tradicionais de Lei Cota Zero

Em ritmo de Urgência Urgentíssima, sem consulta às populações tradicionais e estudos científicos e de viabilidade econômica, por exemplo, que comprovassem declínio de peixes nos rios de MT, argumentando que não tem mais peixe no rio de MT, o governo conseguiu tornar lei a proibição ao transporte, armazenamento e comercialização de peixes em MT. Ele diz que a pesca predatória é culpada pelo suposto declínio de peixes, colocando a prática ilegal na conta dos pescadores artesanais. Defende o turismo da pesca esportiva e, claro, quem se beneficiará da proposta são os empresários do turismo do tipo pesque e solte e psicultores.

Pescadores não sabem como ficarão as questões trabalhistas, dada a extinção da profissão.

Situação atual: O MDB entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pedindo uma decisão liminar do STF para suspender a lei que entra em vigor em 1º de janeiro de 2024. O partido aponta que a lei viola princípios e dispositivos constitucionais, como a dignidade humana e a liberdade do exercício profissional. O ministro responsável pela relatoria da ação, André Mendonça, intimou a Assembleia Legislativa e o governador Mauro Mendes a prestarem informações sobre a lei.

Atualização desta sexta-feira (20): A Defensoria Pública da União (DPU), por intermédio da Defensoria Regional de Direitos Humanos em Mato Grosso (DRDH/MT), emitiu Nota Técnica apontando inconstitucionalidade patente e grave violação de Direitos Humanos no texto legislativo. “É evidente a incompatibilidade da Lei nº 12.197/2023 com a Constituição Federal de 1988, com diversas leis federais e Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Além disso, verifica-se que a Lei nº 12.197/2023 gera uma grave violação de direitos humanos”, destaca o documento.

  1. Impedimentos a benefícios para ocupantes e invasores de propriedade privada [PL 883/2023]

Estabelece sanções aos ocupantes comprovadamente ilegais e invasores de propriedades privadas rurais e urbanas em MT. Idêntico ao substitutivo apresentado por Gilberto Cattani (PL), inviabiliza a manutenção financeira e limita o exercício da cidadania daqueles que buscarem seu direito constitucional por moradia impedindo-os de acessar benefícios. Assim, invade competência legislativa federal e viola inclusive a garantia de um devido processo legal.

Situação atual: Em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

  1. Lei impõe regras destruição de maquinários [Lei 12.295/23]

O projeto de lei nº 1244/2023 de autoria do deputado Diego Guimarães (Rep) virou lei. Sob o número 12.295/23, ela “disciplina procedimentos para a aplicação da medida cautelar de destruição ou inutilização de produtos, subprodutos ou instrumentos utilizados na prática da infração ambiental, no âmbito das ações de fiscalização ambiental estadual”.

Na prática, a lei inviabiliza a destruição de equipamentos utilizados em infração ambiental, além de conflitar com a Lei Federal de Crimes Ambientais n° 9605/1998, regulamentada pelos Decretos Federal nº 6.514/2008, e com a Lei Complementar do Estado de Mato Grosso nº 38/1995, regulamentada pelo Decreto Estadual nº1436/2022. Apesar da inconstitucionalidade, o projeto passou pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).

A lei pode também sobrecarregar a Secretaria de Meio Ambiente (Sema-MT), pois impõe a criação de um procedimento que não está previsto nas normas atuais. O mais grave é que pode culminar na perseguição aos servidores que estão no regular exercício de seu poder de polícia. Na prática, inviabiliza as ações necessárias à proteção ambiental.

Situação atual: Lei em vigência.

  1. Judiciário também atua para evitar destruição de maquinários

Um juiz de Sinop, em decisão liminar em favor de um fazendeiro pego por seis vezes cometendo crime ambiental, proibiu a destruição de maquinários utilizados em crimes ambientais. Na ação, chegou a citar que Sinop e região era a nova Suíça brasileira. Nos autos da mesma ação, o Ministério Público Estadual, via Promotoria de Justiça de Sinop, apresentou um recurso de Agravo de Instrumento contra a Decisão Liminar. Em outra linha de atuação judicial contra a mesma Decisão Liminar, a Procuradoria de Justiça do Estado de Mato Grosso ingressou com um Pedido de Suspensão de Liminar.

Situação atual: ainda está em fase de julgamento, mas a destruição de maquinários segue permitida por esta decisão.

  1. Mais um projeto para dificultar destruição de maquinários [PL 1358/23]

Outro Projeto de Lei que tramita na Assembleia Legislativa e que pode regular sobre a destinação e destruição de maquinários, é o PL 1358/2023 de autoria do deputado Dilmar Dal Bosco. O projeto “veda a destruição sumária de bens móveis ou imóveis, no âmbito das operações realizadas por órgãos da Administração Pública Estadual de Mato Grosso, direta ou indireta, sem a existência do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, prescritos pelo artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal do Brasil, e dá outras providências”.

Este novo projeto possui o mesmo intuito do projeto do deputado Diego Guimarães, mas usam outro modo de exprimir. A intenção de ambos é impedir a destruição de bens e responsabilizar o servidor, usando mais uma vez a questão da penalidade e coação.

Situação atual: Em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

  1. Áreas Úmidas [Pantanal do Guaporé e Araguaia]

Uma decisão da Justiça estadual, que acolheu pedido liminar efetuado pela 15ª Promotoria de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso, determinou a suspensão dos processos de licenciamento ambiental em tramitação na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) para realização de obras, atividades e empreendimentos localizados em áreas úmidas do Estado de Mato Grosso. A liminar estende ainda os efeitos da Lei Estadual 8.830/2008 às planícies pantaneiras do Araguaia e do Guaporé e seus afluentes.

Ainda conforme a decisão, o Estado deveria realizar, no prazo de 120 dias, diagnóstico para identificar todas as áreas úmidas e consolidar uma base de dados para os processos do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e licenciamento ambiental. Possuidores e proprietários de imóveis rurais localizados em áreas úmidas, especialmente aqueles localizados nas planícies pantaneiras do Araguaia e Guaporé, deveriam ser notificados da necessidade de observarem os dispositivos da Lei Estadual nº 8.830/2008, notadamente quanto às restrições de uso impostas no art. 9º.

Situação atual: No entanto, com pressão do setor ruralista, um grupo de deputados estaduais que defende o setor e a Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso, a Justiça estadual suspendeu a decisão e tenta fazer mesa de conciliação entre o Governo de Mato Grosso e o Ministério Público. Enquanto isso, deputados prometeram apresentar uma lei para disciplinar de maneira diferente o Guaporé e o Araguaia, flexibilizando os processos de licenciamento e autorizações.

  1. Mineração em Reserva Legal [antigo PLC 58/20 e agora, PLC nº 64/2023]

A Mineração em Reserva Legal foi objeto de análise e aprovação pela mesma casa legislativa. À época, tratava-se do PLC nº 58/2020, do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB). Este admitia a exploração da Reserva Legal “para fins de utilidade pública, interesse social, exploração mineral, pesquisa científica e outros requisitos previstos em lei, bem como a realização da compensação ou regeneração da área utilizada, mediante o Licenciamento Ambiental do órgão Estadual competente”. A Reserva Legal é um dispositivo que garante que uma porção da propriedade rural permanecerá com vegetação nativa.

O projeto virou lei publicada sob nº 717/2022 e logo depois suspensa pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1001295-09.2022.8.11.000.

Situação atual: De acordo com os autos da ADI, a mesma foi suspensa por uma tratativa entre o Estado de Mato Grosso e o Ministério Público do Estado de Mato Grosso para a edição de novo ato normativo para alteração da LC nº 38/95, cujo objeto é exatamente a matéria discutida na presente ADI, vindo assim o novo texto apresentado pelo PLC nº 64/2023, desta vez de autoria do Governo do Estado.

O que muda: quanto à essência do projeto, nada muda. Continua-se a permitir, ao arrepio do Código Florestal e da própria Constituição Federal, que se fragilize o instituto de proteção da Reserva Legal para extração de minério.

Foram feitas apenas pequenas alterações para que se caracterize uma alteração que justifique a aprovação desta lei e com isso se perca o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Entre essas alterações estão:

  • não permitir que a compensação seja em outro estado e que seja no mesmo bioma;
  • com base no projeto anterior, retira-se a possibilidade de se compensar dentro de Unidades de Conservação para que sejam priorizadas áreas do entorno dessas;
  • alteração do percentual do tamanho da área que deveria ser compensada que estava fixado em no mínimo 5% para um texto que permite que a área possa ser igual ou superior a 10% (dez por cento) da área de reserva legal a ser realocada.