Em MT, coletivo de cinema amplia protagonismo negro na frente e por trás das câmeras
Entre 2022 e 2024, o coletivo cresceu a ponto de reunir mais de 50 profissionais pretos, pardos e indígenas em atuação em Mato Grosso
O setor do audiovisual em Mato Grosso tem avançado significativamente ao ampliar a representatividade de pessoas pretas em atuação no mercado. Esse fator tem responsabilidade, em especial, do Coletivo Quariterê, que tem feito crescer a presença de artistas negros como protagonistas de histórias permeadas por narrativas antirracistas.
Com guinada expressiva entre os anos de 2022 e 2024, o coletivo cresceu a ponto de reunir na atualidade, mais de 50 profissionais autodeclarados pretos, pardos e indígenas em atuação no estado, nas mais diversas áreas do audiovisual. Celebra ainda 25 premiações e milhares de expectadores por festivais brasileiros por onde suas produções circularam. Entre elas, Caso de Geraldo Henrique Costa e o Devir Preto; Mansos e A Velhice Ilumina o Vento, de Juliana Segóvia e Aqui Jaz a Melodia, de Wuldson Marcelo.
Na busca por autonomia e consolidação no mercado, o foco em 2025 é o empreendedorismo e autossuficiência. Por isso, inicia processo de formatação enquanto produtora audiovisual, estimulado principalmente, por sua participação em ciclo de formação em economia criativa, gestão e captação de recursos viabilizada pelo Move_MT, um programa de mentoria da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Secel-MT), em parceria com o Instituto Ekloss e o Instituto Oi Futuro. Além de premiação em dinheiro, teve a oportunidade de participação em ciclo de formação em economia criativa, gestão e captação de recursos.
“Investimos na compra de equipamentos, câmera, lentes e outros itens para que não dependêssemos tanto de outras produtoras em nossos trabalhos, além da garantia de uma fonte de renda que fique dentro do Quariterê. Também começamos as discussões internas para formalizar o coletivo como uma produtora, buscando consultorias de empreendedorismo, estudando editais e acesso a outros financiamentos”, explica Pedro Brites, membro do Quariterê.
Outra fonte de recursos que seguem buscando como produtora independente, são os possíveis graças a políticas públicas, como destaca Maurício Pinto, membro do Quariterê e também conselheiro de audiovisual do estado. Ele explica que o coletivo tem uma visão bem crítica sobre o uso de editais, principalmente sobre como e a quem realmente eles beneficiam, em um estado onde a população é de maioria negra.
“Os números estão aí para provar o quanto o uso de políticas públicas fez aumentar o protagonismo de pessoas racializadas no audiovisual, mas é importante lutar para que se amplie cada vez mais e que a aplicação de recursos seja mais justa e de fato promova a igualdade e representatividade”, salienta.
Monitoramento de políticas públicas
Ainda sobre essa questão, o Quariterê vem desenvolvendo nos últimos anos um papel de monitoramento das políticas públicas com foco na equidade de raça e gênero, discussão e manutenção de políticas públicas no setor do audiovisual mato-grossense, justamente por entender a importância desses incentivos para a produção cultural no estado.
“Se pensarmos que a política pública vem para equilibrar isso, é impossível em um estado onde a população autodeclarada preta é de 60%, ou pouco mais, que essa população seja incluída em uma cota de 10%, nem uma cota de 25%. Em Mato Grosso não conseguimos chegar nem perto disso dentro das cotas para a cultura. É preciso ampliar e ir na contramão do debate, que diz que as cotas já estão aplicadas. E nós sabemos e defendemos que não”, acrescenta Maurício Pinto.
Entre os projetos para 2025, figuram também, a realização da 8ª edição da Mostra de Cinema negro – outra importante frente de atuação do coletivo – e ainda, a estreia do Cineclube Encruzilhada, que tem como proposta ser uma janela de exibição de filmes com a temática negra e indígena com objetivo de letramento social.
Produções recentes
Em 2024 o Quariterê celebrou o lançamento de três produções que trazem personagens negros como protagonistas. O primeiro curta documentário, Geraldo Henrique Costa e o Devir Preto tem a direção assinada por Juliana Segóvia, e traz ao público a vida de um dos mais importantes líderes do movimento negro em Mato Grosso, em meio à organização de um grande encontro nacional de militantes no estado, no final da decáda de 80. A produção foi idealizada por Antonieta Luisa Costa (filha de Geraldo) e líder do IMUNE MT, com parceria do Quariterê.
Já o curta-metragem Mansos, conta a história do apagamento da população negra da região de Manso, personificado na figura de uma líder comunitária, Teresa, e os impactos de uma usina hidrelétrica em sua comunidade. A ficção também é dirigida por Juliana Segóvia e iniciou a circulação em setembro de 2024, já sendo premiada em quatro mostras e festivais do Brasil.
Para a cineasta, além da recepção positiva do público, as produções também têm provocado discussões e debates sobre questões raciais e políticas, levando ainda a premiações importantes como o Itaú Rumos Cultural, o que revela a qualidade e relevância dos filmes.
“Eu penso que o maior prêmio é essa conexão do filme que parte da identificação do público com aquilo que está sendo contado e representado na tela e tivemos muito disso neste ano, e uma conexão de provocação também. São obras diferentes entre si, mas que têm sido utilizadas numa construção de debates, reflexões críticas e também em uma dimensão pedagógica, como instrumento de discussão dentro de salas de aula, o que é muito legal. Tive a oportunidade de viajar por alguns lugares do Brasil com o curta A Velhice Ilumina o Vento e também com o curta Mansos levar essa discussão socioambiental, da perda de nossos territórios, em debates muito intensos e ricos por todo o país”, conta a cineasta Juliana Segóvia.
Também lançado em 2024, Aqui jaz a melodia, é um curta metragem ficcional (gênero drama) gravado em 2021 e conta com o protagonismo de Justino Astrevo e também a atuação de Benedita Cândida da Silveira, de 66 anos, uma mulher negra do interior de Mato Grosso que caiu nas graças do público e já coleciona prêmios e fãs pelo sorriso largo e talento. Entre suas atuações de destaque está o papel em “A velhice ilumina o vento (2022), curta metragem mais premiado do audiovisual mato-grossense. Mais um ganho do Quariterê que prioriza a narrativa de pessoas pretas, pardas e indígenas.