Em meio à pandemia, jovens sem estrutura para estudar para o Enem sofrem com a desvalorização
Enquanto estudantes das escolas particulares contam com aulas virtuais e materiais de estudo em plataformas digitais, essa realidade ainda é distante para 33% da população brasileira que sequer possui acesso à internet, dado divulgado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é uma das provas mais aguardadas pelos estudantes brasileiros todos os anos desde a sua primeira realização em 1998. A prova que acontece nos meses de outubro ou novembro possibilita a entrada de diversos estudantes nas universidades públicas e privadas, e, através do desempenho obtido no exame, as opções de cursos e faculdades são vastas para as pessoas que já concluíram o ensino médio.
Com o isolamento social em virtude da pandemia do coronavírus, professores e alunos estão enfrentando uma nova dinâmica de estudo, talvez antes nunca presenciada. Enquanto estudantes das escolas particulares contam com aulas virtuais e materiais de estudo em plataformas digitais, essa realidade ainda é distante para 33% da população brasileira que sequer possui acesso à internet, dado divulgado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Quantos jovens brasileiros que não têm acesso à TV ou à internet serão prejudicados pelo não adiamento do Enem?
A dificuldade de acesso à tecnologia, é o caso da Alice Almeida, de 19 anos, que mora no interior de Beberibe, Ceará. Ela está se preparando para o Enem e pretende cursar Medicina Veterinária. No entanto, está encontrando diversas dificuldades para ter acesso aos aulões. Apesar de ter internet, alguns conteúdos disponibilizados pela Secretaria de Educação (Seduc) só passam na TV, e Alice não tem acesso ao canal em que eles estão sendo transmitidos. Há relatos de estudantes que não têm sequer um celular e um computador, o que dificulta a realização das atividades escolares.
O processo desigual no preparo demonstrou que a universidade não é uma possibilidade comum a todos. Diversos estudantes movimentaram as redes sociais para refutar a continuação da prova deste ano. Durante o dia 04/05 o “Enem” foi um dos temas mais comentados nas redes do Brasil.
A situação afeta diretamente quem está se preparando para o Enem e vivencia o transtorno de buscar formas alternativas para entender os assuntos. Erica Senna, 18 anos, filha de agricultores, mora com os pais em um sítio no interior de Pernambuco e fala sobre a falta de estruturas para a instalação de rede banda larga, o sinal de internet quase não chega na zona rural.
Muitos estudantes, como Érica, temem que a falta de estrutura em suas casas e de material de qualidade possam atrapalhar nos resultados do fim do ano, devido ao “tempo perdido”. As dificuldades se estendem ao lembrarmos que parte expressiva da prova do Enem refere-se a atualidades mundiais, e como a internet é um dos maiores palcos de compartilhamento, muitos conteúdos podem não ser assimilados para quem está sem acesso.
O Inep afirmou garantir a todos uma execução eficiente da elaboração e aplicação da prova, quando na verdade, a discussão principal é sobre como os alunos prejudicados irão ter garantia de uma boa prova quando o básico para os estudos está dificultoso em suas casas.
Não podemos esquecer que um grande número de estudantes que moram nas periferias, favelas e no Brasil profundo não têm acesso à internet. Seria justo que muitos tenham acesso a toda essa tecnologia e outros a nenhuma? O não adiamento do Enem privilegia a quem? As desigualdades estruturais são mais uma vez escancaradas diante dos fatos, porque fica claro que são os jovens moradores das periferias e dos interiores que estão em desvantagem.
De acordo com o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, não há necessidade nenhuma de cancelar o Enem. Nesta quarta feira, o Ministro declarou em reunião virtual com os senadores que a prova é feita para selecionar estudantes e não para corrigir injustiças.
Weintraub ignora a crise que atinge a escola pública, representada por 80% dos estudantes brasileiros, marcada por um sistema de desigualdades e pela falta de subsídios do Estado.
A despeito da propaganda do Exame, estudantes demonstraram sua indignação mais uma vez com os posicionamentos tomados pelo Governo diante do surto de coronavírus e a prova do Enem. Frases como “Estude, de qualquer lugar, de diferentes formas” com todos os atores sentados à mesa com seus computadores e livros transparece o cenário de um Brasil vivenciado por uma pequena parcela da população.
O descuido com a maior prova do país vem acontecendo desde o início do ano com os erros do SISU, FIES e das próprias notas dos alunos, responsabilidades estas do INEP. Sem os recursos possíveis e, muito menos, sem os aparatos essenciais, os estudantes não podem se preparar para uma prova tão importante e decisiva para os seus futuros.
O preparo ainda se torna mais exaustivo e difícil com muitos parentes e familiares próximos dos alunos, morrendo pela Covid-19. A prova ocorrendo no mês de novembro necessitará de muitas medidas sanitárias para uma realização minimamente segura, e as palavras ditas pelo presidente do Inep, Alexandre Ribeiro, são “ Em novembro a gente vê.’’
Os discursos do Presidente do Ministério da Educação e o do Alexandre Ribeiro consolidam a desigualdade no Brasil, e mais uma vez as oportunidades são restritas ao mesmo grupo dominante. Afinal, computador, livros, internet, aulas EAD e outros recursos necessários não fazem parte de todas as casas brasileiras. É dever do governo tomar novas medidas e garantir que a prova seja aplicada em condições igualitárias de recursos e preparo, independente do calendário, tendo em vista que a preocupação mundial é bem maior que essa.