Em Goiás, 212 trabalhadores são resgatados de situação análoga à escravidão em plantio de cana-de-açúcar
Número de resgatados é o maior do ano e supera operação que resgatou 207 trabalhadores de vinícolas da Salton, Garibaldi e Aurora, no RS
Uma operação de combate ao trabalho escravo contemporâneo resgatou 212 trabalhadores do plantio de cana-de-açúcar em Itumbiara e Porteirão, no estado de Goiás, e também em Araporã (MG). Este é o maior resgate de 2023, que supera o resgate dos ‘escravos do vinho’, quando 207 trabalhadores foram resgatados em vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.
Vítimas eram do Piauí, do Maranhão e do Rio Grande do Norte. A mesma empresa terceirizada pela contratação da mão de obra operava nas três cidades e utilizou método ilegal para o transporte dos trabalhadores, de acordo com a investigação.
Entre as muitas irregularidades encontradas pela fiscalização, havia a cobrança pelos aluguéis dos barracos usados como alojamentos, o não fornecimento de alimentação e cobrança pelo fornecimento de ferramentas de trabalho pelos empregadores.
Fora isso, não havia instalações sanitárias nas frentes de trabalho, fornecimento de equipamentos adequados de proteção e a aplicação de agrotóxicos ocorria nas áreas onde os trabalhadores estavam laborando.
Após aliciados e chegarem ao local de trabalho, o grupo foi encaminhado para cerca de 30 barracos.
“A maioria desses abrigos eram extremamente precários e não possuía as mínimas condições para serem usados como moradias. Alguns deles eram muito velhos, com as paredes sujas e mofas, goteiras nos telhados e não dispunham de ventilação adequada, sendo que em alguns dos quartos, sequer possuíam janelas. O banho era tomado com água fria, que saia diretamente do cano, mesmo nos dias mais frios e chuvosos”, explica o auditor fiscal do Trabalho, Roberto Mendes.
Mendes coordenou a operação em parceria a com o Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e a Polícia Federal de Jataí.
Indenização e verbas rescisórias
Ao todo foram R$ 2,57 milhões de verbas rescisórias e direitos trabalhistas, mais 50% desse valor em dano moral individual, totalizando R$ 3,85 milhões pagos às vítimas. Lopes explica que mais R$ 5 milhões estão sendo negociados como dano moral coletivo.
“Como a empresa não fornecia alimentação, eles comiam o que tinham, muitas vezes só arroz com salsicha. Estavam em barracos extremamente precários, sem ventilação, mofados, com paredes sujas, goteiras, sem chuveiro. A empresa terceirizada vendia as ferramentas aos trabalhadores, como enxadões, o que, por lei, deveria ser fornecido gratuitamente”, afirma Mendes.
O auditor fiscal Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego, lembra que o perfil das vítimas é semelhante aos resgatados em vinícolas da Salton, Aurora e Garibaldi.
“O perfil das vítimas de tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo é muito parecido com os 207 trabalhadores resgatados na produção de uva no Rio Grande do Sul: nordestinos, negros e com pouca escolaridade”, afirma o auditor fiscal.
Em Bento Gonçalves, 93% eram baianos. Neste caso, eles eram do Piauí, do Maranhão e do Rio Grande do Norte.
À imprensa, a SS Nascimento Serviços e Transporte disse que “se colocou à disposição para colaborar com as investigações e resguardar todos os direitos dos trabalhadores”. E que “todos os fatos alegados serão devidamente esclarecidos no bojo dos processos administrativos e judiciais”.
Já a BP Bunge Bioenergia disse, também em nota, que a empresa “agiu rapidamente em defesa dos trabalhadores para garantir as prioridades sociais e humanas e arcou prontamente com os pagamentos indenizatórios”. Também afirmou que estão colaborando com as autoridades e apurando as responsabilidades. Afirmou que “não compactua com situações que exponham as pessoas à condição degradante de trabalho” e que exige que as empresas de sua cadeia produtiva tratem com seriedade dos direitos trabalhistas. Por fim, lamenta o ocorrido.