
Em ‘F1’, Brad Pitt acelera no carisma e Joseph Kosinski assina a nova era das corridas no cinema
Do céu ao asfalto, o diretor de “Top Gun: Maverick” troca os jatos por carros de Fórmula 1 e transforma o protagonista em um cowboy das pistas
Por Hyader Epaminondas
F1, dirigido por Joseph Kosinski, é antes de tudo um drama que não abre mão do espetáculo técnico da velocidade. A experiência é sensorial, turbinada pelo carisma do elenco e pela precisão milimétrica da direção. É uma sinfonia de curvas desenhadas com elegância, motores que rugem em harmonia com corações à beira do colapso e câmeras que rasgam o ar como asas em pleno voo.
Aqui, o diretor não apenas filma um carro de Fórmula 1, ele o exalta como uma criatura de desejo, onde cada ronco do motor pulsa como se fosse carne e eletricidade. A sensualidade da engrenagem se derrama pela tela em ondas sonoras, compondo um balé hipnótico entre máquina e velocidade.
E se a imagem acelera, o som freia a razão. A sonoplastia das corridas é impecavelmente calibrada, especialmente nas salas de cinema. O rugido dos motores, o atrito dos pneus, o impacto seco no concreto, tudo é amplificado de forma quase tátil. É como estar dentro de um estádio vibrando junto ao traçado, sentindo no peito as ondas de choque causadas por cada ultrapassagem. O áudio não acompanha a ação, ele mergulha numa imersão crescente que nos tira o fôlego, sempre em um tom abafado, quase como se estivéssemos ouvindo diretamente do cockpit.
As cenas em primeira pessoa são impressionantes, a forma como a produção nos insere na cabine do carro provoca uma imersão tão intensa que beira o vertiginoso. Em cortes de alta velocidade, a câmera se comporta como um mastro de locomoção, atravessando o espaço com precisão e impacto. Mesmo quem não acompanha a Fórmula 1, como eu, pode sair da sala apaixonado pelo esporte apresentado.
Luz Vermelha, Motor Ligado
Kosinski captura a velocidade como uma dança íntima, onde o vento sussurra e o veículo responde com elegância e fúria. Seus planos dão ênfase a freadas suaves e acelerações brutas, alternando entre a intimidade de um cockpit e a imensidão de uma reta opressiva. A câmera mergulha nas curvas como se soubesse que é ali, e não na vitória, que está o verdadeiro drama. A forma como o diretor conduz a montagem lembra uma corrida estratégica: às vezes ele recua, segura no pit stop do silêncio, para depois disparar em um esplendor visual de tirar o fôlego.
Brad Pitt entra nessa pista como quem já conhece cada curva de olhos fechados. Seu Sonny Hayes é um piloto veterano, um ex-corredor promissor cujo futuro brilhante nunca se realizou por completo. Ele não retorna em busca de glória, mas por algo mais íntimo e indecifrável, talvez redenção, talvez paz, ou talvez apenas para provar, de uma vez por todas, que é o melhor piloto do mundo, independente da máquina sob seu controle. Sonny é um personagem silencioso e seco, que fala pouco, mas carrega um mundo de traumas, arrependimentos e reflexões comprimidas em sua linguagem corporal.
Cada olhar, cada gesto contido, revela mais do que qualquer discurso. Ele é um homem que corre como se só ali, no limite da velocidade, conseguisse respirar de verdade ou, como nos grandes circuitos, apenas pela sensação do asfalto vibrando sob os pneus. Com aquele charme inconfundível de cowboy moderno, Pitt carrega o filme como um carro que domina o vácuo, sempre à frente, sem fazer esforço aparente.
E tudo isso se intensifica quando o restante do elenco entra em cena nesse jogo de velocidade e precisão. Kerry Condon e Javier Bardem atuam como forças de equilíbrio ao redor de Pitt, ajustando, temperando e sustentando sua performance em momentos cruciais. São presenças essenciais na construção da aura que emana de Sonny. Ambos orbitam o protagonista sob prismas afetivos distintos, mas igualmente intensos.
Condon, como Kate, a diretora técnica da equipe APXGP, expressa um amor respeitoso, construído a partir do reflexo da imagem que Sonny projeta nela, compondo o arco romântico com uma mistura madura de desejo contido e cumplicidade física. Já Bardem, como Ruben, o dono da equipe APXGP, representa um afeto fraterno, quase espiritual, sustentado por lealdade e uma admiração silenciosa. Juntos, os dois moldam o contorno emocional de Sonny e ajudam a revelar, camada por camada, o homem oculto por trás do capacete.
Bandeira Quadriculada: O Som da Vitória e a Elegância da Chegada
Na reta final, Kosinski ultrapassa a barreira entre o fictício e o real. Sua última corrida é cinematograficamente arrebatadora, um clímax em que tudo se alinha: a emoção da pista, o suor dos pilotos, o som que corta como faca e o personagem de Pitt tão imerso quanto a plateia. É o tipo de sequência que prova que, nas mãos certas, o cinema tem o poder de fazer a realidade parecer mais viva do que o próprio mundo.
No centro da pista emocional do filme está a relação entre Sonny e Joshua Pearce, vivido com o vigor jovem de Damson Idris. Eles não são apenas mentor e aprendiz. São dois tempos da mesma corrida, dois extremos do mesmo volante. Joshua chega com a fome de quem ainda quer provar, enquanto Sonny carrega o peso de quem já viu a bandeira quadriculada de perto. E é justamente nesse contraste que o filme encontra sua linha ideal de trajetória. Idris entende que não pode igualar a força magnética de Pitt, então escolhe deslizar suavemente ao redor da aura intensa do veterano, destacando-se com delicadeza e ritmo próprio, como uma sombra que acompanha a luz, encontrando seu espaço paralelo na narrativa para se tornar a melhor surpresa do filme.
F1 é um filme sobre saber quando acelerar e quando tirar o pé. Sobre entender que não se vence apenas com força, mas com sensibilidade, tanto no volante quanto no olhar. E Brad Pitt, como um bom piloto, sabe exatamente onde colocar sua presença. Ele não atua, ele ocupa. Como um carro que ronca bonito só quando necessário, sua performance é medida, elegante, e ainda assim impactante.
Kosinski não importa se você é fã de automobilismo, ele entrega com total convicção uma produção que vibra com o ritmo dos grandes circuitos e com a delicadeza dos pilotos que sabem que, às vezes, a maior vitória é cruzar a linha de chegada em paz. E Brad Pitt já venceu antes mesmo da largada.