Lula pede que plataformas sociais defendam a democracia
Lula chamou atenção para o cenário de distribuição desproporcional dos benefícios gerados pelas redes sociais
Luiz Inácio Lula da Silva chamou atenção para o cenário de distribuição desproporcional dos benefícios gerados pelas redes sociais
Por Cley Medeiros
Nessa quarta-feira (22), o evento “Internet for Trust” (Por Uma Internet Confiável), organizado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), iniciou em Paris, França, com o debate acerca do papel das democracias diante do crescimento da desinformação e do discurso de ódio nas redes sociais.
Em uma carta enviada para o evento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também foi um dos convidados, reconheceu a relevância das redes no debate social, mas chamou atenção para o cenário de distribuição desproporcional dos benefícios gerados pelo uso delas.
“Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países”, afirmou o presidente.
A carta foi direcionada para a diretora-Geral da Unesco, Audrey Azoulay, que foi lida na abertura da conferência.
O presidente brasileiro está cumprindo agenda no país, em meio ao cenário de desastres que acontecem, principalmente, no litoral, devido às fortes chuvas.
Defesa da democracia
Em um dos trechos do documento, Lula afirma que as empresas de comunicação precisam estar engajadas no processo de fortalecimento das democracias. A carta cita, ainda, o episódio da invasão da sede dos três poderes em Brasília, organizada por grupos bolsonaristas.
Sem citar a invasão do Capitólio, quando milhares invadiram a sede do Congresso dos Estados Unidos, após um discurso inflamado de Donald Trump, o presidente também afirmou que o movimento de 8 de janeiro, tal qual o que ocorreu nos EUA, foi gestado nas redes sociais.
“O mundo todo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil no último 8 de janeiro. Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo”, afirma.
“O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar”, disse o presidente.
Na mensagem, Lula ressaltou que as plataformas digitais podem representar uma ameaça à democracia e que, por isso, é necessário criar formas de regulação para defendê-la, envolvendo governos, empresas e sociedade civil.
“A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente”, diz trecho do documento.
Desinformação na pandemia de Covid-19
A desinformação durante a pandemia de Covid-19 custou vidas, como afirmam especialistas em diversos estudos publicados pela Nature e no The Lancelet. Para Lula, as plataformas digitais precisam aumentar seus compromissos em diminuir o alcance dessas publicações recheadas de notícias falsas, como a difundida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que afirmava que medicamentos como a cloroquina ou até mesmo a ivermectina eram indicados para casos de Covid-19
“O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.”, diz o documento
Mais de três mil representantes de governos, órgãos regulatórios, empresas digitais, universidades e sociedade civil participam do evento, aponta a entidade. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Roberto Barroso, a jornalista Patrícia Campos Mello e o digital influencer Felipe Neto participam do fórum que também reúne vencedores do prêmio Nobel, como a jornalista filipina Maria Ressa, vencedora do Prémio Nobel da Paz em 2021.
Confira na íntegra a carta de Lula à Unesco:
À Sua Excelência a Senhora
Audrey Azoulay
Diretora-Geral da Unesco
Senhora Diretora-Geral,
Gostaria de agradecê-la pelo convite para participar da Conferência Global da UNESCO que será realizada em Paris entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2023.
As plataformas digitais, em suas diferentes modalidades, são parte fundamental de nosso dia a dia. Elas definem a maneira como nos comunicamos, como nos relacionamos e como consumimos produtos e serviços. O desenvolvimento da internet trouxe resultados extraordinários para a economia global e para nossas sociedades. As plataformas ajudam a promover e difundir o conhecimento. Facilitam o comércio. Aumentam a produtividade. Ampliam a oferta de serviços e a circulação de informações.
Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.
O mundo todo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil no último 8 de janeiro. Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo.
O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar.
A comunidade internacional precisa, desde já, trabalhar para dar respostas efetivas a essa questão desafiadora de nosso tempo. Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.
Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente. O processo lançado na UNESCO, tenho certeza, servirá para construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolva governos, especialistas e sociedade civil.
Ao mesmo tempo, devemos trabalhar para reduzir o fosso digital e promover a autonomia dos países em desenvolvimento nessa área. Precisamos garantir o acesso à internet para todos, fomentar a educação e as habilidades necessárias para uma inserção ativa e consciente de nossos cidadãos no mundo digital. Países em desenvolvimento devem ser capazes de atuar de forma soberana na moderna economia de dados, como agentes e não apenas como exportadores de dados ou consumidores passivos dos conteúdos.
Esta conferência na UNESCO é o início de nosso debate, e não seu ponto final. Estou certo de que o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas.
Aproveito a oportunidade para apresentar os votos de minha mais alta estima e consideração.
Luiz Inácio Lula Da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil