Por Hyader Epaminondas

Antes de tudo, Elio é um filme sobre comunicação. Ou, talvez, sobre a ausência dela. E não poderia ser diferente, vindo de uma aventura espacial que abraça, sem pudor, toda e qualquer referência da cultura pop da ficção científica, de encontros cósmicos a assembleias intergalácticas que parecem ter saído da mente de uma criança que aprendeu a transformar solidão em criatividade.

Mas, ao contrário do que sua estética divertida sugere, Elio não é sobre salvar planetas. É sobre se salvar da dor de não se sentir parte. Daquele incômodo silencioso de acreditar que há algo errado em simplesmente ser quem se é. E, quando a realidade não oferece abrigo, fazemos o quê? Olhamos para cima. Para longe. Para as estrelas. Porque, às vezes, quando não encontramos nosso lugar na Terra, a saída é inventar um no universo.

A própria estrutura da animação reflete essa busca, misturada numa assembleia cósmica onde cada ser é mais excêntrico que o outro. De um lado, Elio e Glorp, duas crianças, ou dois corações, que carregam a sensibilidade, a curiosidade e a potência de imaginar outros mundos possíveis. Do outro, Olga, sua tia que assume o papel de mãe, e Lord Grigon, ambos tropeçando na tentativa de acessar o universo emocional dos seus filhos. O conflito não nasce de vilões, nem de ameaças alienígenas. Mora, na verdade, no ruído entre as intenções e os afetos. Na dificuldade de se fazer entender. No silêncio onde deveria haver tradução afetiva.

A armadura de Grigon, e toda a cerimônia que a envolve, funciona como uma metáfora poderosa para o rito de passagem da puberdade, simbolizando o processo de amadurecimento. Representa como, ao se afastarem da inocência da infância, os adultos acabam se tornando mais endurecidos, defensivos e agressivos. E só abandonam essa armadura protetora quando se deparam com a fragilidade de seus filhos.

Não por acaso, me fez lembrar de Lilo & Stitch. Dois filmes de épocas diferentes que pousam exatamente no mesmo lugar, aquele canto apertado onde ficam as crianças que nunca foram do futebol, nem do FIFA, nem dos moldes padrão. Crianças que preferiam desenhar, criar histórias, colecionar bonecos de heróis, construir universos paralelos, ou simplesmente existir do jeitinho delas. Meio fora de sintonia com o mundo, mas perfeitamente alinhadas com o próprio coração.

Lilo queria um amigo, mesmo que fosse um alienígena desajustado. Elio queria algo mais simples e, paradoxalmente, mais difícil: ser visto. Ser ouvido. Ser entendido. Porque, às vezes, é mais fácil imaginar um planeta inteiro te escutando do que esperar que isso aconteça na sala da sua casa. E é exatamente aí que mora a beleza dos dois, entender que o problema nunca foi ser diferente. O problema é o quanto o mundo insiste em fazer a gente acreditar que ser diferente é o erro.

O protagonista é um garoto sensível, curioso e criativo demais para um mundo que não sabe muito bem o que fazer com isso. E o mais bonito: o filme não tenta consertar Elio. Não quer que ele se adapte, não força que ele se encaixe. Pelo contrário. Quando, por acidente, é confundido com o embaixador da Terra e levado para representar nosso planeta, esse erro vira acerto. Porque é justamente no espaço, onde ninguém sabe direito o que significa ser humano, que Elio finalmente é ouvido. Não por quem esperava, mas por quem ele é.

E talvez não seja coincidência que aquele universo estranho, colorido, cheio de formas improváveis e seres esquisitos pareça uma extensão da própria imaginação de Elio, projetada para fora. Um espelho. Um refúgio. Um lugar onde ser diferente não só é permitido, é necessário. Onde aquilo que parecia estranheza vira ponte. Onde o silêncio vira conversa. Onde ser sensível não é um defeito, é uma linguagem.

A ponte que se constrói no afeto

Tudo isso se torna ainda mais potente quando lembramos que a animação quase não existiu. Desde seu anúncio, em 2022, o filme enfrentou adiamentos, reformulações e até uma troca de direção. Por muito tempo, parecia fadado ao esquecimento, à gaveta, à invisibilidade. E talvez resida exatamente aí a maior beleza da obra, ela carrega, no próprio ato de resistir e existir, a mesma mensagem que projeta na tela.

Sob a condução sensível da produtora Mary Alice Drumm e das diretoras Domee Shi (Red: Crescer é uma Fera) e Madeline Sharafian, Elio sobreviveu e se transformou em um filme que não precisa gritar, nem ser maior do que é. Sua força está no desejo simples e urgente de existir. De ser visto. De ser ouvido. De ser.

Visualmente, é uma experiência quase tátil. Remete a colagens, recortes e traços infantis, como se tivesse sido inspirada nos elementos mais memoráveis do universo criativo de Steven Spielberg. Como se a imaginação de uma criança tivesse transbordado e tomado forma.

A animação traduz um mecanismo psíquico muito real, a busca por pertencimento, por sentido, por conexão diante da dor e da perda. É nesse vazio que o espaço surge como refúgio emocional. A fascinação de Elio pelos alienígenas não é só fantasia infantil, é uma forma de sublimação. Um jeito de preencher ausências, reorganizar medos e sobreviver à constante sensação de não se encaixar.

No centro de tudo está a relação entre Elio e Olga, que, após a morte dos pais do garoto, se vê forçada a ser mãe, porto seguro e mundo, enquanto carrega o próprio luto e se vê pressionada a desistir de seus sonhos para dar um futuro ao sobrinho. E é nesse silêncio, onde um tenta proteger o outro das próprias dores, que a distância cresce. Não por falta de amor, mas pela dificuldade, tão humana, de traduzir amor na linguagem de quem sente diferente.

E essa analogia ao luto funciona tão bem porque o espaço tem aquela característica paradoxal, é ao mesmo tempo infinitamente cheio, de estrelas, galáxias, possibilidades, e infinitamente vazio. Silêncio. Solidão. Distância. Assim como o luto. A pessoa sente o vazio da ausência, mas preenche esse espaço com distrações, novas conexões ou até uma busca por sentido.

Com toda a delicadeza espacial, o filme constrói a ideia de que essa ponte não nasce da cobrança, nem do encaixe forçado. Ela se ergue na escuta. Na empatia. No reconhecimento de que cada um sente, existe e se expressa de um jeito único, seja neste mundo ou em qualquer outro, lá fora, no espaço.

E, se você já se sentiu estranho, sensível, deslocado ou invisível, talvez Elio seja, secretamente, o filme mais certo do universo pra você.