
Eleito duas vezes o melhor senador do país, Fabiano Contarato fala sobre adoção tardia e amor à família
Em entrevista exclusiva, Fabiano também fala sobre as estratégias que criou para promover a adoção de crianças mais velhas no Brasil
Por Kaio Phelipe
Fabiano Contarato, nascido em junho de 1966, é senador pelo Espírito Santo, lugar onde nasceu, eleito em 2018 com impressionantes 1.117.036 votos, foi o mais votado para o Senado Federal. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), foi reconhecido duas vezes como o melhor senador do país, escolhido pelo público através do Prêmio Congresso em Foco.
Antes de sua carreira na política, Fabiano se destacou na área da segurança pública, passando em primeiro lugar no concurso para delegado da Polícia Civil em 1992 e atuando como delegado de delitos de trânsito por mais de uma década. Além de sua trajetória profissional, Contarato é casado com Rodrigo Grobério e pai do Gabriel e da Mariana.
Em entrevista exclusiva, Fabiano fala sobre sua trajetória pessoal e profissional, a criação do Prêmio Adoção Tardia, os desafios enfrentados no sistema de acolhimento institucional, a importância do afeto nas políticas públicas voltadas à infância e juventude e as estratégias para promover a adoção de crianças mais velhas no Brasil. Confira abaixo:

O que significa assumir a presidência da Comissão de Meio Ambiente em um momento de grande discussão sobre crise climática e racismo ambiental?
Essa é a segunda vez que ocupo a presidência da Comissão de Meio Ambiente. A primeira vez foi durante o Governo Bolsonaro, em 2019 e 2020, e era um governo que criminalizava ONGs, proliferava agrotóxico, um governo que acabou com o Departamento de Educação Ambiental, que cortou a verba para estudos e projetos de mitigação e adaptação à mudança climática. Então, durante esse período, a minha função era para reduzir os danos desses impactos e entrando com ações até mesmo no Poder Judiciário.
Agora nós estamos em outro momento. Um momento onde assumo uma comissão mais delicada e enfraquecida, e vou precisar dialogar com mais parlamentares da direita e da extrema direita, que não possuem um olhar cuidadoso com a pauta ambiental como direito constitucional. Quando digo que todos nós temos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, isso está na Constituição.
Agora preciso conciliar mais uma atividade. Para assumir a presidência da Comissão de Meio Ambiente, é preciso ocupar a função de forma equidistante para um tratamento igualitário à toda composição, respeitando a decisão da maioria.
No momento em que um país de fundamental importância como os Estados Unidos anuncia a saída do Acordo de Paris, que é uma atitude com impacto em vários aspectos; no momento em que o Brasil vai sediar a COP 30, que também é um desafio. Sempre tento ter uma postura que leve reflexão, mas prevalece sempre a decisão da maioria. Mesmo que, infelizmente, aconteça um projeto de lei que possa ser um ataque à pauta ambiental, eu, como presidente da Comissão, preciso respeitar a decisão da maioria. Então é um desafio que exige equilíbrio, firmeza e construção de diálogo constante.
E é preciso conciliar a preservação ambiental com a geração de emprego e renda, alavancando a economia, fazendo tributação verde, como já foi passado e já é lei a regulação do mercado de carbono.
Como foi a campanha para a sua candidatura em 2018, quando foi eleito com mais de um milhão de votos?
Bom, na verdade, não foi um processo fácil. Sempre relutei à carreira política. Fui delegado durante vinte e sete anos e sou professor, desde 1999, vinculado à cadeira de direito penal e processo penal. Sempre cumpri a lei, doa a quem doer e, como delegado, comecei a ter visibilidade com as apurações dos casos onde estava trabalhando. A população começou a observar a minha postura enquanto delegado de polícia. Sempre fiz questão de ser justo, entrava com pedido de prisão, decreto de prisão preventiva temporária, medida cautelar para cassar carteira de motorista. Assim, comecei a ser reconhecido pelos morados do Espírito Santo e parado em supermercado, na rua e em outros espaços. As pessoas pediam para que eu virasse político.
Cometi um erro grave durante a minha vida: eu criminalizava a política, dizia que isso não era para mim. A delegacia onde eu trabalhava era considerada uma delegacia de bairro, não era especializada e não tinha uma infraestrutura adequada. E a população se sentia protegida com a minha atuação e cumprimento da lei, e sempre vi todos como iguais.
Uma vez, durante o horário de trabalho, recebi um telefonema e a policial que atendeu disse que era uma produtora do programa da Ana Maria Braga querendo falar comigo. Fiquei impressionado, me perguntando como tinham me encontrado, o Espírito Santo, apesar de estar localizado no Sudeste, não está no eixo Rio–São Paulo, que tem mais visibilidade na mídia. Era um convite para dar entrevista sobre leis de trânsito. Um delegado do Espírito Santo estaria em um programa de projeção nacional, gravado no Rio de Janeiro, para falar sobre leis de trânsito. Naquele momento, vi que meu trabalho estava surtindo efeito e entendi a dimensão disso. Depois, saí em matéria no Fantástico, no Jornal da Globo, no Jornal Nacional.
A população continuou pedindo para que eu ingressasse na política e eu continuei relutando, dizendo que não conseguiria. Mas também entendi que eu estava enxugando gelo. Trabalhava como delegado, mas ninguém que eu prendia continuava preso. Comecei a ver que o problema estava na própria lei, então precisava fazer algo para mudar isso e dar a minha contribuição.
Costumo dizer que fui tocado por um discurso do Martin Luther King, quando ele diz que o que mais preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.
Aí comecei a pensar em tentar um cargo eletivo e já que eu queria mudar a lei, vi que precisava estar no Congresso Federal, então seria como deputado federal ou senador. Escolhi disputar um cargo no Senado. Não sei se fui ousado, não sei qual palavra para adjetivar meu comportamento. Na minha cabeça, eu ainda era ingênuo em relação à política, queria concorrer a um cargo onde a largada era igual para todo mundo. Depois entendi que a largada na política é sempre desigual.
Muitas pessoas disseram que eu estava sendo pretensioso a concorrer para o Senado, logo na primeira candidatura. E muitas pessoas tentaram desqualificar a minha competência. Mas sempre consegui manter o foco e não recuar. Fui o senador mais votado do Espírito Santo em 2018 e agradeço a população capixaba por ter me dado essa oportunidade.

Como foi ser eleito pelo público como o melhor senador do país pelo segundo ano consecutivo, através do Prêmio Congresso em Foco?
Olha, é gratificante, mas sempre tento me blindar da vaidade. O prêmio é um reconhecimento pelo trabalho que você faz e é um trabalho feito em equipe, com as pessoas que trabalham comigo no Espírito Santo e com quem está comigo em Brasília. Faço questão de falar isso porque, quando virei senador, fiz processo seletivo para ocupar os cargos de quem trabalha comigo. Não foi por indicação. Fiz processo seletivo e o critério foi a capacitação. Fazer dessa forma foi muito importante para entregar o melhor à população.
Uma das funções do parlamentar é apresentar os Brasis a outros Brasis. A realidade do Espírito Santo é diferente da realidade de Brasília, que é diferente da realidade de Pernambuco, que é diferente da realidade do Rio Grande do Sul. Nós temos um país enorme e com questões socioeconômicas e culturais muito distintas. Isso torna o Brasil um país muito especial, mas também muito injusto. Quando me tornei parlamentar, sabia que precisaria usar a palavra para de alguma forma diminuir o abismo existente. Todo dia eu penso em formas de reduzir a desigualdade, todo dia penso o que eu posso fazer para dar dignidade às populações mais vulneráveis. Eu venho de uma família pobre e não falo isso por vitimismo. Venho de uma família com pai motorista de ônibus, mãe semialfabetizada e com seis filhos – eu sou o mais novo. Então levar dignidade a quem precisa e, depois, receber um prêmio são, sim, combustíveis.
Fico feliz pelo reconhecimento do trabalho que faço com a minha equipe, mas sempre me blindo da vaidade e continuo fazendo por onde para entregar um mandato propositivo, lutando por um Brasil mais justo. Quando olho para esses prêmios, vejo que estou no caminho certo, mas ainda tem muito para ser construído.
Como foi o processo de adoção do Gabriel e da Mariana?
Eu e meu esposo iremos fazer quinze anos juntos. Naquele momento, em 2017, estávamos separados, mas adotar sempre foi um sonho nosso. Eu entrei com o processo de adoção sozinho e, nesse espaço de tempo, surgiu o Gabriel.
Durante o processo de adoção, o assistente social pede para você fazer um perfil do filho. Pergunta se você quer um menino ou uma menina; então, se você quer um menino, vai para uma fila e, se você quer uma menina, vai para outra fila. Eu respondi que tanto faz, então fui para outra fila. Perguntaram se poderia ser uma criança de até oito anos, respondi que sim. Se você prefere que ainda não tenha completado um ano de idade, é outra fila. Por isso, as pessoas falam que o processo de adoção demorou. Mas o meu não demorou e não é porque eu tinha algum tipo de influência. O processo é todo transparente.
O tempo de permanência na fila depende do perfil que você cria para o seu filho. Quando perguntam sobre deficiência e você responde não, você vai para um fila. Se responder sim, a fila é outra. E são muitas perguntas. Eu ficava constrangido tendo que responder essas perguntas, tendo que escolher, falava que eu tinha muito amor e era isso que importava.
Em menos de um ano veio o Gabriel, com dois anos e oito meses. Logo quando ele chegou, perfeito e maravilhoso, a razão da minha vida, no mesmo dia meu esposo Rodrigo ficou sabendo e foi até a minha casa. A partir daí, ele ia todos os dias lá. Costumo falar que foi o Gabriel quem adotou a gente.
Nós chegamos ao consenso que reataríamos e nos casamos civilmente. Eu já havia sido eleito, já era casado e o Gabriel já chamava a gente de pai. Mas na certidão estava apenas o meu nome. Precisamos entrar com o processo de dupla paternidade, que é uma coisa passada. Toda vez que eu vinha para Brasília, precisava fazer uma autorização para o meu marido, porque ele não tinha a guarda.
O juiz viu que a gente estava casado, vivendo bem, com o Gabriel saudável, feliz e chamando a gente de pai, então não tinha o que discutir. Mas o que foi difícil é que o promotor, na manifestação dele, foi contrário à dupla paternidade e disse que filho precisa ter mãe e pai, jamais dois pais e pior ainda se fossem duas mães. Essas foram as palavras exatas dele. Isso me deixou muito mal. Ele era um membro do Ministério Público e a função do MP é, justamente, promover a justiça, garantir o bem-estar da criança e que todos somos iguais perante a lei. A partir daí, foi uma correria e uma briga muito grande. Mas conseguimos. E o Gabriel já vai fazer onze anos, no próximo dia 10 de julho.
Quando você quer adotar outro filho, você vai para o final da fila. Nós passamos pelo perfil mais uma vez, da mesma forma, o que Deus mandasse nós estaríamos de acordo. Na pandemia, fomos pais mais uma vez e chegou a Mariana, com um ano e dez meses. Hoje, ela já está com seis anos de idade.
Depois que o Gabriel e a Mariana me tornaram pai, eu descobri o que é a felicidade. É um amor incondicional.

Quando resolveu idealizar o Prêmio Adoção Tardia?
Quando cheguei no Senado, eu sabia que precisava fazer algo para estimular a adoção de crianças mais velhas. Uma das responsabilidades do processo de adoção é visitar um abrigo. Essa parte, confesso que me doeu muito. Eu sabia que era uma etapa necessária para os pretensos pais entenderem a realidade das crianças, mas para quem cria expectativa é uma experiência muito forte. No abrigo, as crianças pulavam em cima da gente, queriam abraçar a gente. Foi muito difícil sair de lá. Lembro que falei com a psicóloga e com a assistente social que a cada ano que as crianças passam ali, a cada aniversário que elas comemoram e deveria ser motivo de celebração, passa também a ser um motivo de dor. A probabilidade de elas serem adotadas diminui, elas vão crescendo e ficando mais velhas.
Quando me ligaram para falar sobre o Gabriel, eu fiquei muito emocionado. Você não pode falar que não vai, que não quer agora ou que vai levar casa e ver se vai se adaptar. Não é assim. Se você não quer, você volta para o final da fila e dá oportunidade para outra família. Quando me ligaram para buscar o Gabriel, não pude ir naquele mesmo instante porque já era noite e eu estava na faculdade dando aula. Mas eu não consegui dormir. No outro dia, corri até lá. Na hora que peguei o Gabriel nos braços, outro menino falou “tio, você é o pai do Gabriel? Me leva também!” Fiquei pensando o que fazer, nem todas as crianças que estão no abrigo estão aptas a serem adotadas. Algumas ainda estão em processo de destituição familiar.
Então, quando cheguei ao Senado, sabia que algo precisaria ser feito. Daí idealizei o Prêmio Adoção Tardia, que é uma premiação simbólica que acontece todo ano e premia movimentos, políticas e instituições que estimulem a adoção de crianças mais velhas. Tenho orgulho de falar que consegui aprovar esse prêmio.