Por Ana Carolina Lima Gomes, doutoranda em Estudos Latino-americanos pela Unam

Sob fortes signos de continuísmo, a batalha eleitoral deste domingo apresenta como favorito o partido do atual presidente Andrés Manuel López Obrador, Movimiento de Regeneración Nacional (Morena), líder da coalisão “Sigamos Haciendo História” ao lado do Partido del Trabajo (PT) e do Verde Ecologista (PVEM). Estão em disputa mais de 25.000 cargos em âmbito federal, governamental, municipal e distrital nos 31 estados da república mexicana e na Cidade do México, neste que já é considerado o maior pleito da história do país.

O cenário mais provável é a eleição da primeira presidenta do México. Isso porque, segundo apontam as principais pesquisas, a disputa está centrada entre o oficialismo operário e a oposição abertamente neoliberal, representada pelas candidaturas de Claudia Sheinbaum (Morena) e Xóchitl Gálvez (PAN), respectivamente.

Foto: Morena

Encarnando uma espécie de síntese entre o cardenismo e o proletariado, Sheinbaum se apresenta como a sucessora de AMLO ao reivindicar as agendas feminista e ecológica junto a seu progressismo democrático. Outrora membra do Consejo Estudiantil Universitario (CEU) da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e destacada dirigente na greve universitária de 1986, Sheinbaum galgou posições cada vez mais importantes no PRD até a fundação do Morena. Estando à frente do governo da Cidade do México entre 2018 e 2023, um cargo praxe entre os mandatários mexicanos, apresentou resultados importantes no que tange à redução de feminicídios e à implementação de programas sociais. Se eleita Sheinbaum, a estratégia do Morena consistirá em alcançar uma maioria parlamentar que leve a cabo reformas constitucionais que AMLO não logrou implementar (mesmo gozando de uma popularidade até então inédita – cerca de 60%), especialmente centradas no poder judiciário mexicano.

Por sua vez, encabeçam a oposição os tradicionais Partido Acción Nacional (PAN) e Partido Revolucionario Institucional (PRI), que, conjuntamente ao Partido de la Revolución Democrática (PRD), constituem a coalisão “Fuerza y Corazón por México”. Tendo hegemonizado a política mexicana por quase um século, PRI e PAN atualmente amargam os efeitos de uma crise política derivada da descredibilidade social de que gozam os projetos abertamente inclinados ao neoliberalismo, que conduziram o país à bancarrota em 1994/1995 e a uma onda de violência sem precedentes desde a militarização sancionada como “Guerra às drogas”, à exemplo do que ocorreu em Colômbia e, mais recentemente, Equador. Mesmo assim, conseguiram emplacar a candidatura de Gálvez, uma empresária fielmente alinhada aos interesses imperialistas, tendo se comprometido, por exemplo, com a privatização dos recursos naturais sob o eufemismo de “modernização” da Petróleos Mexicanos (PEMEX).

Uma questão muito recorrente é que tipo de transformação propõe a Cuarta Transformación (4T), mote da fundação do Morena, equiparada à acontecimentos da envergadura da Independência Mexicana (1810), Guerra de Reforma (1858-1861) e da Revolução Mexicana de 1910. De acordo com sua própria militância, trata-se da continuação de uma agenda social histórica que busca consolidar o aparato estatal como fiador do bem-estar coletivo, ou, em termos práticos, o combate ao neoliberalismo centrado na consigna “por el bien de todos, primero los pobres”.

À primeira vista, seus logros parecem corroborar o dito. Segundo dados do CONEVAL, a porcentagem da população que recebe ingressos inferiores ao custo da cesta básica alcançou os menores níveis registrados em décadas (35.8%). O salário-mínimo conheceu um incremento histórico (no acumulado, 110%), passando a ser ajustado à inflação e, além disso, foram registrados avanços em termos de remunerações previdenciárias. É comum atribuir às reformas laborais implementadas no sexênio de AMLO um estado de asseguramento de direitos através do incremento da formalização em cerca de 60%, em grande medida motivado pelo combate a triangulação de contratações via outsourcing.

Contudo, convém definir o que se entende por neoliberalismo. O ‘desenvolvimentismo’ de AMLO conviveu muito bem com os acordos de livre comércio assinados com Estados Unidos e Canadá, abandonando pretensões de reformas estruturais profundas e ratificando elementos centrais da etapa histórica neoliberal na medida de sua conivência com a subordinação do país aos ditames da especialização produtiva. Um exemplo muito representativo é a controversa construção do “Tren Maya” que, aludindo ao desenvolvimento de projetos imobiliários e turísticos no sudeste mexicano, atravessa as demandas de comunidades camponesas e indígenas da região. Limitações reproduzidas por boa parte dos ‘progressismos’ latino-americanos na década anterior, mas retardadas no contexto mexicano em função da grande hegemonia panista/priista.

Tais contradições inspiraram a criação de um “Bloque de Izquierda Independiente”, uma coalisão de organizações que busca oferecer uma alternativa radicalizada às massas trabalhadoras diante das frustrações legadas pelo Morena, dentre as quais se destaca a não resolução do caso Ayotzinapa. Defendem que os mecanismos de justiça laboral implementados não contemplam a totalidade das e dos trabalhadores mexicanos, senão sua fração mais precarizada, restando intocados os determinantes estruturais da superexploração, motor do capitalismo dependente. Fatos que explicam, por exemplo, a emergência das paralisações organizadas pela Coordinadora Nacional de Trabajadores de la Educación (CNTE), acampada no Zócalo da Cidade do México às vésperas das eleições em aberto descontentamento à manutenção da reforma educativa liberalizante de Peña Nieto (PRI).

Seja como for, o cenário que se descortina não é nada amistoso, haja vista a onda de violência que permeou todo o período eleitoral e que se reflete nos mais de 30 assassinatos de aspirantes a distintos cargos em todo o país. Dentre vários desafios, a próxima presidenta mexicana enfrentará a agudização das crises migratória e de segurança pública, um contexto de crise hídrica produzida pelo sucateamento da Comisión Nacional del Água (Conagua), ademais dos efeitos da brutal dependência comercial para com o mercado estadunidense, cujas repercussões econômicas certamente serão expressivas perante seu potencial declínio hegemônico.