O El Niño é um dos fatores que pode influenciar na previsão de recordes de temperaturas nos próximos quatro anos. De acordo com a Organização Mundial Meteorológica (OMM), há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar 1,5°C entre 2023 e 2027.  “Acabamos de ter os oito anos mais quentes já registrados, embora tenhamos tido um resfriamento de La Niña nos últimos três anos e isso funcionou como um freio temporário no aumento da temperatura global. O desenvolvimento de um El Niño provavelmente levará a um novo pico no aquecimento global e aumentará a chance de quebrar recordes de temperatura”, disse o Secretário-Geral da OMM, Prof. Petteri Taalas.

Além disso, ainda de acordo com a OMM, chama a atenção a pesquisa publicada na revista Science que mostra danos econômicos de US$ 84 trilhões neste século, o equivalente a R$ 413 trilhões, mesmo que as promessas de corte de emissões de gases do efeito estufa sejam cumpridas. Esses prejuízos seriam oriundos da perda de safras motivada por secas extraordinárias e pela escalada de doenças tropicais, logo, a perspectiva ainda é pior para países tropicais, como o Brasil.

Durante o El Niño são esperadas secas no Norte e Nordeste do país (chuvas abaixo da média), principalmente nas regiões mais equatoriais; além disso o fenômeno também provoca chuvas excessivas no Sul do país e no Sudeste.

“O El Niño e as mudanças climáticas são tratados como elementos separados, mas um reforça o outro. Num contexto de aquecimento global, os efeitos do El Niño serão amplificados, e é por isso que a gente espera impactos sobre toda a sociedade brasileira”, explica o professor do Instituto de Economia da UFRJ Cadu Young, em entrevista ao Estadão. Ainda segundo o professor, “a gente precisa tratar com muito mais seriedade e urgência as questões ambientais e climáticas. A gente não pode se dar o luxo de o Congresso Nacional decretar que não existe mudança climática e que não existe El Niño. É preciso aumentar a nossa capacidade de lidar com eventos extremos por meio de soluções baseadas na natureza. É fundamental entender que a política ambiental é uma política de defesa para a nossa sociedade e para a nossa economia.”

Amazônia em risco?

O desmatamento na Amazônia atingiu números recordes nos últimos meses do governo de Jair Bolsonaro e, mesmo com a mudança da política ambiental com a chegada de Lula à presidência, a taxa de destruição do bioma continua alta. Entre agosto de 2022 – quando começa o chamado calendário do desmatamento – até abril deste ano, foram derrubados cerca de 6 mil km² de floresta e degradados outros 15 mil km², segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“No El Niño, a Amazônia se torna ainda mais quente e mais seca do que ela já está por causa das mudanças climáticas, ou seja, o El Niño tem um efeito mais forte, porque está agindo em cima de uma floresta que já está modificada em termos de clima. Além disso, é um ano que a gente sabe que está com muito desmatamento, muita derrubada que não foi queimada, o que significa que vai ter muita fonte de ignição, muito fogo de desmatamento que pode escapar para dentro das florestas”, explica Erika Berenguer, pesquisadora das Universidades de Oxford e Lancaster (Reino Unido) que estuda degradação florestal, fogo e desmatamento.

Em entrevista para a agência O Eco, a pesquisadora acredita que a Amazônia se tornará altamente “inflamável” durante o verão “Tivemos um final de ano com muito desmatamento. Só que não dá para queimar esse desmatamento no final do ano, quando ainda é muito úmido. Os desmatadores estão esperando o verão amazônico, a estação seca. Acredito que a gente vai ter muito, mas muito fogo “, alerta. 

Para Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam, o Brasil precisa reduzir o desmatamento e o uso de fogo, principalmente na agropecuária, apontada como maior vetor de desmate. “Reduzir o desmatamento é o número um. O passo número dois é reduzir a queima de pastagens, e isso é uma questão de manejo e política pública.” Ela explica que o principal problema na criação de gado é a sobrepastagem. O processo sobrecarrega o solo quando há uma concentração de cabeças de gado em uma determinada região, sem rotatividade. Com o solo exposto, brotam as chamadas plantas pioneiras, arbustos e espécies com espinhos, que formam o que é conhecido como “pasto sujo”. Para limpá-lo e dar lugar ao capim, os produtores usam o fogo.