Cartaz Promocional

Por Carla Luã Eloi

Crítica com spoiler

Uma drag queen vintage montada dos pés a cabeça caminha pelas ruas escuras do Rio de Janeiro, onde muitas pessoas fazem seu lar. Com suas famílias, com suas histórias e sonhos, sozinhas com a companhia do medo, do frio e, principalmente, da fome. Gervásia caminha de salto, levando nos braços marmitas e no rosto uma máscara de proteção contra o Covid-19. O som de seus sapatos estalando no asfalto anuncia aos moradores daquela rua que, pelo menos naquela noite, vão ter um prato de comida para comer e um sorriso no rosto para sonhar.

O documentário Bhoreal reúne imagens de Lorenzo, um homem gay tímido e de humor ríspido, em seus momentos íntimos, em sua casa, com seus gatos, se montando, no closet. Provoca uma série de reflexões ao dialogar as imagens e falas, quando ele revela como sofria ao ver pessoas em situação de vulnerabilidade e se sentia impotente, por isso, para se proteger de suas próprias dores, de sua vergonha e das coisas ruins que aconteciam no mundo, Lorenzo usa seu escudo de proteção: Gervásia Bhoreal, a drag imponente, fofa e querida, que distribui alimentos para pessoas em situação de rua, trazendo não apenas comida, mas alegria por onde passa.

É inevitável pensar como Gervásia funcionou para Lorenzo como uma armadura contra os males e tristeza do mundo, não para escondê-lo do que acontece, mas para lhe dar força para agir e fazer algo a respeito. Em períodos de pandemia, Gervásia seria como a máscara de proteção de Lorenzo, porém mais que um pedaço de tecido, ela é um conjunto completo de carinho, afeto e cílios postiços, uma entidade viva, cheia de personalidade, criada exatamente para dar um pouco de alegria aos que sofrem. Ela seria o protótipo de uma vacina contra a desigualdade social, um sopro de esperança diante da dor.

Em seu processo de montagem, Lorenzo conta sobre a coragem de Gervásia, como a arte drag permite a blindagem dele diante de situações em que Lorenzo não agiria, mas Gervásia é ação, decisão, é atitude, uma presença difícil de se ignorar, que ganha a atenção por onde passa e, por consequência, ganha poder de fala e de transformação.

No curta podemos ver os bastidores da magia e glamour da construção de Gervásia, mas também conhecemos seus valores e sua missão neste mundo. Com produção de Bernardo de Assis, o documentário mostra uma outra perspectiva sobre a arte drag, revelando uma performance artística e social, de vulnerabilidade, carinho e amizade. É mais que a história de uma drag queen, é uma história sobre amor e humanidade.

Carla Luã Eloi escreveu esta crítica em colaboração ao FOdA Fora do Armário, editoria LGBT+ da Mídia NINJA, a partir da exibição do filme no Festival AudioTransVisual

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