por Gustavo de Sousa

Durante a COP30, no Tribunal dos Povos realizado no Ministério Público Federal (MPF), em Belém (PA), no dia 13, os avá-guarani, do Paraná, denunciaram a redução de seu território diante do avanço do agronegócio local e afirmaram que a produção agrícola em larga escala causa impactos severos em sua vida, como insegurança alimentar e precarização da saúde.

O Tribunal dos Povos é uma iniciativa popular que expõe e julga infrações socioambientais e violações de direitos contra comunidades tradicionais e indígenas de todo o mundo, cobrando atuação efetiva do poder público.

Os indígenas declararam que a contaminação das águas, a destruição da vegetação e a pulverização deliberada de agrotóxicos, como o glifosato, estão causando adoecimento coletivo. “A gente respira veneno”, ressaltou a representante do povo no tribunal, que terá sua identidade preservada por motivo de segurança.

Lideranças presentes acusaram o setor produtivo local de praticar ecocídio, entendendo que há uma destruição em larga escala do ecossistema que afeta de forma profunda as populações que dependem diretamente dos recursos naturais para sua subsistência.

“A terra que a gente plantava milho, mandioca, tudo que a gente plantava, agora não tem mais”, afirma outra representante avá-guarani — que também não será identificada — ao relatar a perda gradual de sua terra indígena.

O caso, intitulado Efeitos da Expansão da Soja e do Uso de Agrotóxicos na Vida Avá-Guarani, se sustenta em um estudo da Comissão Guarani Yvyrupa, que analisa a produção de soja no território Tekoha Guasu Guavirá. Segundo os dados, mais de 60% do território indígena está tomado por monoculturas de soja e milho.

A ocupação dessas terras é realizada por cooperativas agroindustriais, reforçadas por empresas transnacionais, como a Bayer, que fornece pesticidas e sementes transgênicas aos produtores.

A representante do caso aponta que o povo vive sob ataque direto devido à pulverização de agrotóxicos pelos empreendimentos agrícolas, o que, segundo ela, tem transformado a região em um “deserto químico”.

“O agronegócio em si é uma violência. Ele é o chamado progresso, mas, para progredir, matou culturas, matou povos inteiros.”

Necessidade de demarcação das terras indígenas

A Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá abrange 24 mil hectares distribuídos entre os municípios paranaenses de Guaíra e Terra Roxa. Entre as demandas do povo avá-guarani ao tribunal popular estão a reparação e a demarcação de seus territórios.

Segundo os testemunhos, os órgãos de fiscalização da União e do Governo do Paraná falham no controle e no monitoramento dessas áreas, permitindo o avanço do agronegócio sobre as terras avá-guarani, enquanto políticas públicas deixam de alcançar as comunidades indígenas.

O processo de reconhecimento do território começou em 2009, foi oficializado apenas em 2018 — nove anos depois — e até hoje, 2025, permanece inconcluso. Para a representação judicial no Tribunal dos Povos, a demora perpetua as violências sofridas pelo povo.

“Nós perdemos muitos parentes nessa luta. A gente derramou sangue para continuar nesse território”, declarou uma liderança avá-guarani, relatando traumas e conflitos vividos na defesa da própria terra. O povo vive sob tensão constante: “Hoje a gente não dorme direito, não come direito, porque os traumas que ficaram fazem com que a gente fique em estado de alerta constante.”

“A gente vive todos os dias como se fosse o último, porque talvez seja.”

O júri do Tribunal dos Povos concluiu o julgamento declarando o Estado brasileiro, agentes governamentais e empresas públicas e privadas responsáveis e culpados pelas violações relatadas.

A sentença final evidencia que as injustiças sofridas pelos avá-guarani são “decorrentes de um projeto colonial, racista e patriarcal, pautado na patrimonialização da natureza, favorecendo empresas públicas e privadas, nacionais e não nacionais, em detrimento dos direitos dos povos e comunidades tradicionais que demandaram este Tribunal”.

O documento exige ações de reparação, como reconhecimento dos direitos territoriais, realização de consulta prévia e informada, reforma agrária popular, fortalecimento de mecanismos de proteção a defensores de direitos humanos e demarcação imediata das terras indígenas.

A sentença foi encaminhada a um representante do MPF para que as medidas sejam efetivamente implementadas. Além disso, foi criado o Tribunal Autônomo e Permanente dos Povos Contra o Ecogenocídio, que já planeja futuros julgamentos populares.