Dororidade é a ‘dor que se transforma em potência’, diz Vilma Piedade
No quarto dia do Festival de Conhecimento, foi proposto o debate sobre o conceito cunhado por Vilma Piedade, professora docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre “Dororidade: Feminismo, racismo e branquitude”.
Andressa Mattos / Estudantes NINJA
No quarto dia do Festival de Conhecimento, foi proposto o debate sobre o conceito cunhado por Vilma Piedade, professora docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre “Dororidade: Feminismo, racismo e branquitude”.
Vilma é uma intelectual brasileira, ativista, colunista do canal Pensar Africanamente e também do Coletivo Pretaria, escritora e autora do livro Dororidade, ao qual foi proposto o tema. Conta com a mediação de Rute Costa, professora do curso de nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenadora do núcleo de estudos afrobrasileiros indígenas e vice coordenadora de extensão.
Vilma Piedade foi aluna da UFRJ no curso de Letras, também havendo pós-graduação na mesma instituição. Sendo uma intelectual antirracista e feminista, fala sobre a sua luta dentro da Universidade e como a sua trajetória como mulher negra e acadêmica a levou a pensar o conceito de “Dororidade”. Ela conta em sua participação na live como a UFRJ nos anos 70 era composta mais do que majoritariamente por brancos e como nos dias atuais, ainda que veja um campus mais heterogêneo e mais democrático, reconhece que essa vitória é somente viável pela Lei de Cotas, fazendo necessário o reconhecimento desta. A UFRJ ainda há de progredir.
Visto a sua história, Vilma conta com orgulho sobre a sua contribuição ao movimento negro feminista. Dororidade, como esta conta, “é a dor que se transforma em potência e, também, a dor e nem sempre delícia de se saber quem é”.
Não se propõe a ser um conceito oposto de Sororidade, mas sim seu complementar através da dor da população feminina negra, já que para a autora “o feminismo existe pra mulher negra já há muito tempo, desde que fomos escravizadas”, se relacionando a irmandade necessária à sobrevivência destas mulheres.
Vilma cunhou seu conceito a partir da inquietude de não se identificar com a palavra Sororidade, necessitando de algo que contemplasse mais a sua existência de mulher negra. Dororidade é a empatia das mulheres negras ligada pela dor comum. Dor comum que advém de se reconhecer como negra e dos racismos vigentes. Para ela, somente a proposição de um novo conceito que inclusive advém de uma nova palavra é um ato contra o machismo presente na vida e, também, nas Universidades.
É necessário ressaltar que assim como o conceito proposto por Vilma nasce de sua inquietude diante de suas raízes, os direitos dos negros em uma sociedade racista só foram oriundos de reivindicações e luta. A inquietude é um estado que abarca as classes oprimidas, ainda que necessitemos alertar que o machismo é necessariamente uma discussão de raça, visto que este é racista classista. Como é dito na live, “dor não é maior ou menor, é dor”.
Ainda que mulheres negras liderem as estatísticas de feminicídio e também o menor salário em comparação a homens e mulheres brancos e também homens negros.
“Ocupar poder é muito difícil para mulher, agora, ver uma mulher negra ocupar poder é quase ausente” frase de Sueli Carneiro, pensadora negra citada pela escritora durante a conversa.
Para Vilma, o problema do feminismo é ter sido pensado como um movimento mulheres brancas, instruídas e de classe média, tendo somente após a década de 80 os relativismos do movimento.
Também foram discutidos outros assuntos na live que tem seus desmembramentos do racismos e suas resoluções. Rute Costa e Vilma Piedade debatem sobre a necessidade da educação antirracista, ideia também proposta por Djamila Ribeiro, para a criação de uma geração para se opor ao racismo estrutural que coordena nossa sociedade, visto que é na escola o primeiro contato através do bullying de crianças com o racismo. Como intelectual da area de letras, Vilma ressalta a necessidade de decolonizar nossa língua, já que usamos a língua de nosso colonizador (portugueses) e ainda se faz presente inúmeras palavras notoriamente racistas no dicionário. A autora quase com uma risada propõe uma “reforma linguística” e também reivindicação do “pretoguês”, de Lélia Gonzalez.
O debate proposto, além de acrescentar para o feminismo negro conceitos que expliquem sua vivência e dá nome ao que às suas inquietações, diz também para os brancos qual o seu lugar na luta. Que o racismo é um problema que os brancos têm que reconhecer e resolver. E que para o machismo perder seu protagonismo, é necessária a conscientização de homens no movimento feminista. O Brasil não nos dá a calma de pensar em resolver esses problemas depois, visto que são de muitos séculos passados. O país que ainda mata crianças como Miguel e João Pedro somente durante a pandemia. País em que uma mulher negra é agredida em São Paulo durante uma batida policial e diz “não consigo respirar”.
Como Vilma disse, “não respiramos há muitos séculos”.