Por Doiara Santos, para Cobertura Colaborativa #NECParis2024

O sistema de classificação das categorias de competições paralímpicas é realizado pelo Comitê Paralímpico Internacional (CPI) e pelas federações internacionais de esporte paralímpico, que buscam assegurar competições justas ao nivelar o quanto as diferentes deficiências afetam a performance dos atletas. O processo é complexo e envolve avaliações médicas, funcionais e técnicas, seguindo diversos critérios como potência muscular, amplitude do movimento, deficiência de membros, comprometimento da visão, funcionamento intelectual, etc. Apesar do rigor que envolve o processo de classificação paralímpica, os testes podem ser cansativos e/ou estressantes para os atletas. Além disso, eventualmente acontecem erros de classificações, alguns propositalmente forjados para parecerem ter menor performance.

Nos Jogos Paralímpicos de Sidney 2000, ocorreu a mais emblemática fraude: o time espanhol masculino de basquete com deficiência intelectual ganhou a medalha de ouro e, após uma denúncia feita por um membro infiltrado, revelou-se que 10 jogadores escalados não tinham deficiência alguma. O mais grave ainda é que aquela foi uma escolha deliberada da Federação Espanhola de Desportistas com Deficiência Intelectual para ganhar a medalha de ouro. Em razão disso, o CPI suspendeu as provas para a deficiência intelectual nos Jogos de Atenas 2004 e Pequim 2008, para reformular seu sistema de classificação. As provas só foram retomadas em Londres 2012, com a união de esforços em estudos e pesquisas de universidades, do CPI e da Federação Internacional de Desporto para Atletas Paralímpicos com Deficiência Intelectual, para um sistema de classificação mais confiável.

Em 2022, o Comitê Paralímpico Internacional revisou todo o seu código de classificação e mais de 100 competidores e árbitros, atuais e antigos, de vários esportes e classes de deficiência, detalharam as suas preocupações com a crescente incidência de falsificação. A neozelandesa Ruth McLaren, que atua no sistema de classificação da World Para Swimming, descreveu para a mídia australiana o “sentimento de impotência” diante desse fenômeno. Ela escreveu que atletas, técnicos e equipes estão cientes de que há pouca repercussão destes episódios e, também, sanções leves. Isso acaba impulsionando as falsificações como estratégias para obter vantagens no esporte. Uma reportagem do The Washington Post entrevistou mais de dez atletas paralímpicos, de diferentes esportes, a respeito do “doping de classificação”. Os atletas expressaram a preocupação de que há várias formas de burlar os sistemas de classificação/nivelamento, e que o CPI abre pouco espaço para a formalização de queixas. Na Copa do Mundo de Ciclismo Paralímpico em Maniago, Itália, em abril de 2023, Charles Moreau e outros ciclistas pararam no trajeto da prova para protestar contra trapaças e seguiram a corrida sob aplausos do público. Richard Perot, presidente da Comissão de Atletas de ParaBadminton, escreveu que a prática de falsificação de deficiências é “a maior ameaça e fraqueza” do nosso sistema de competições paralímpicas.

Mas, por que forjar a classificação? Para além dos aspectos simbólicos, os Jogos Paralímpicos tornaram-se o terceiro maior evento esportivo em vendas de ingresso do mundo, atrás apenas dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo. De acordo com dados do All In Sport Consulting, o impacto econômico de eventos paradesportivos nos Estados Unidos atingiu $140 milhões de dólares anuais, com o aumento das receitas publicitárias. Esse crescimento da indústria do esporte paralímpico impulsiona o apoio financeiro, bônus e premiações de atletas – estas são apontados como motivações adicionais para as trapaças. Embora o senso comum vincule a imagem das competições paralímpicas a movimentos de inclusão, há de se ponderar os efeitos do contexto do esporte de alto rendimento sobre a estrutura do evento, seus sujeitos e práticas que comprometem suas mensagens ideológicas.