Dona Onete na COP30: a voz ancestral da Amazônia
A mestra da cultura popular paraense fala sobre natureza, arte, educação e o papel das mulheres que sustentam a floresta
Sarah Mascarenhas, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
Belém vive a COP30 como quem abre as portas de casa para o mundo. Entre negociações diplomáticas, corredores apressados e discursos oficiais, existe um território que nunca precisou de tradução: o território sustentado pelas mulheres amazônidas. É justamente desta camada profunda, cotidiana e ancestral que surge Dona Onete, professora aposentada, compositora e guardiã de ervas, ritmos e memórias que formam a pedagogia silenciosa da floresta.
Entrevistar Dona Onete na COP30 é uma lição de que a Amazônia não se explica com a lógica de dados. Se expressa por nuances da subjetividade. Sua presença na conferência devolve humanidade ao debate climático e lembra ao mundo algo essencial: a floresta é feita de gente. De mulheres que plantam cura, de professoras que formam gerações, de juventudes que despertam, de ritmos que narram o território por dentro. Assim, diante de uma cúpula global que tantas vezes se distancia da vida real, a voz dela se torna imprescindível.
A artista inspiradora enxerga a COP 30 com uma esperança serena e firme. Ela vê a juventude despertando, professores engajados e o mundo finalmente olhando para a Amazônia com mais atenção. Mas lembra que nenhuma decisão terá efeito se a educação não voltar a abraçar o território e se as mulheres que sustentam a floresta não forem ouvidas. Para ela, a COP é um movimento importante, mas o futuro real continua sendo plantado todos os dias nas margens do rio, nos quintais das erveiras, nas salas de aula improvisadas e nos ritmos que atravessam gerações. A Amazônia fala e Dona Onete é uma de suas vozes mais cristalinas.
Confira como foi nossa conversa com a rainha do carimbó, que canta o Ver o Peso e exalta a sabedoria da floresta, a educação e a juventude.
Como a natureza molda o seu canto e o seu modo de estar no mundo?
“A natureza, agora que eu já estou aposentada, deixei de lecionar, de muitas coisas assim, a natureza é que me move. Eu achei que eu deveria falar de tudo aquilo que eu aprendi muito criança e agora está de novo. Somos um produto, principalmente, do meio ambiente, porque a Amazônia é um ambiente que era desconhecido, agora está sendo conhecido. Mas eu já venho falando há muito tempo de muitas coisas que as pessoas agora estão pesquisando. É isso que me move, é mesmo que dizer assim, vamos fazer um rebujo. E aí vem tudo à tona e eu vou cantando, eu vou dizendo em versos e prosas e cantando nas minhas músicas.”
De que forma a arte ajuda a dar visibilidade à Amazônia?
“É através da arte que a gente está conseguindo mostrar, dar mais visibilidade à nossa Amazônia, porque a gente fala de tudo que nós temos aqui, da alimentação, do clima, de tudo que a gente está falando. E, por prova, veja o que está acontecendo. Todas as pessoas vieram ver de perto o que a Amazônia tem. Se o homem devastou quando cortava madeira pela sobrevivência – antigamente, era pela sobrevivência -, agora é pela ganância.”
Qual o papel das mulheres na preservação dos saberes amazônicos?
“As mulheres foram as que mais plantaram, são as que mais plantam ervas. Aqui no Pará, na beira de rio, você encontra tudo que é erva medicinal. Quem planta essas ervas não são homens, quem planta essas ervas são mulheres. O homem planta verdura, repolho… mas nós aqui plantamos perfumes, plantamos remédios caseiros. E quem sabe, daqui a um tempo, não vai salvar muitas doenças do mundo.”
O que a senhora gostaria que o mundo escutasse das mulheres amazônicas na COP 30?
“Eu estou achando legal, porque a nossa juventude se interessou. Eu, como professorinha de antigamente, fico feliz de ver professores engajados junto com os alunos. Eles falam coisas que eu nunca imaginei. Talvez agora ainda não, mas daqui a um tempo essa juventude vai tomar conta do planeta com mais carinho. É isso que estamos precisando: educá-los para cuidar desse legado que a COP está deixando.”
Como a senhora vê a juventude reinventando e carregando os ritmos da Amazônia?
“Constantemente, essa sabedoria vem de professorinhas de interior, de mulheres que lutam na sua cidade. O carimbó é a música mais famosa dos interiores, depois vem a guitarrada, a lambada… Aqui no Pará temos muitos ritmos. Eu, como mulher e professora, levo a Amazônia comigo: falo de rio, de água, de movimentos ancestrais. É isso que agora está sendo reconhecido.”
A música pode ser uma ferramenta de cuidado com o planeta?
“Eu acredito, sim. Pelo menos eu estou fazendo a minha parte. E muitos cantores do Pará também. A gente está falando do meio ambiente, a gente está falando do clima, de tantas coisas que muita gente nem pensava. Mas veio à tona. Se a gente não cuidar, o que será das nossas crianças? Vão dizer que a gente não cuidou por eles, que a gente não fez nada por eles.”
Que legado a senhora deseja deixar para as novas gerações?
“Eu já ouvi muita gente dizendo que eu falo muito das mulheres. Por que eu canto falando muito das mulheres? Porque eu procuro valorizar a nossa espécie. Por que eu não vou falar sobre nós? Se eu não falar, outras pessoas não falam. Eu valorizo, eu coloco lá para cima. Não é confeito de bolo, não. Eu falo do recheio até o confeito, sobre a mulher. A mulher ser mais respeitada, a família se respeitar mais, e a escola também participar, falar sobre família, sobre a cidade, sobre como o Pará começou e de quantas raças se misturam para formar este povo maravilhoso.”



