
Do intimista ao épico: Como o cinema brasileiro transforma histórias políticas em narrativas poderosas
A resposta não está apenas nos fatos históricos que retratam, mas na maneira como essas histórias são contadas
Por Juliana Gomes
O cinema brasileiro sempre foi um espaço de resistência e reflexão, mas o que torna essas narrativas políticas tão impactantes? A resposta não está apenas nos fatos históricos que retratam, mas na maneira como essas histórias são contadas. O diferencial das produções nacionais está na escolha de perspectivas humanas e na forma como cada filme transforma eventos políticos em narrativas emocionantes e próximas do público.
Enquanto alguns filmes apostam em um tom intimista e pessoal, outros adotam uma abordagem mais épica e expansiva. “Ainda Estou Aqui”, por exemplo, se destaca ao focar na história de Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, e sua luta silenciosa e cotidiana após o desaparecimento do marido, Rubens Paiva, durante a ditadura militar. A escolha por uma narrativa mais introspectiva faz com que o espectador experimente a dor e a resiliência dessa mulher, criando uma conexão emocional profunda.
Essa abordagem também aparece em “Zuzu Angel” (2006), onde a história da estilista Zuzu Angel (Patrícia Pillar) não se resume apenas à perseguição política, mas ao drama de uma mãe que desafia o regime para descobrir a verdade sobre seu filho, Stuart Angel. Assim como Eunice, Zuzu não era uma militante ativa antes da tragédia, mas sua dor e indignação a transformaram em uma voz contra a repressão. O filme usa a moda e o ambiente da alta sociedade para contrastar a brutalidade da ditadura, ampliando a força da narrativa.
Se por um lado esses filmes apostam em um drama mais pessoal, por outro, produções como “Marighella” (2019) assumem um tom de thriller político e ação. Dirigido por Wagner Moura, o filme retrata a resistência armada e a perseguição implacável contra Carlos Marighella (Seu Jorge), abordando o enfrentamento direto contra o regime. O ritmo acelerado e as cenas de embate transformam a narrativa em um filme de guerra urbana, criando uma tensão constante no espectador.

O formato documental também se tornou uma ferramenta poderosa no cinema brasileiro para abordar a repressão política. “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho, começou como um filme de ficção sobre a vida do líder camponês João Pedro Teixeira, mas foi interrompido pela ditadura. Anos depois, Coutinho retomou o projeto em formato documental, entrevistando personagens reais e mostrando os impactos diretos da repressão. Esse híbrido entre ficção e realidade faz com que o filme seja um dos testemunhos mais importantes sobre o Brasil do período.
Outra abordagem inovadora aparece em “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), de Cao Hamburguer, que usa os olhos de uma criança, Mauro (Michel Joelsas), para narrar os impactos da ditadura de forma indireta. O filme não foca nas prisões ou perseguições, mas no deslocamento emocional de um menino que, sem entender o que está acontecendo, precisa se adaptar a uma nova realidade. Esse olhar mais sensível e sutil aproxima o público de uma maneira diferente, mostrando como o contexto político reverbera mesmo naqueles que não estão diretamente envolvidos.
Seja pelo drama intimista, pelo documentário ou pela ação intensa, o cinema brasileiro continua provando que a história política do país não se limita aos livros ou discursos oficiais – ela vive nas experiências das pessoas, nos sentimentos que carregam e nas lutas que enfrentam. Essas produções transformam os eventos históricos em narrativas humanas e cinematográficas, mantendo viva a memória, mas também criando novas formas de conexão com o público.
Ao final, essas histórias não são apenas sobre o passado – são lembretes de que cada escolha narrativa molda nossa percepção da história e de como ela continua reverberando no presente.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.