Djonga mostra que ainda tem muita munição poética e crítica em novo álbum “Histórias da Minha Área”
O dia 13 de março ganhou novo significado para a música brasileira. Após o hat-trick de álbuns que elevou Djonga ao primeiro escalão do RAP Nacional, o mineiro nascido na Favela do Índio e cria da Zona Leste de Belo Horizonte lançou na sexta seu quarto disco “Histórias da Minha Área” com exclusividade pelo Youtube, acumulando […]
O dia 13 de março ganhou novo significado para a música brasileira. Após o hat-trick de álbuns que elevou Djonga ao primeiro escalão do RAP Nacional, o mineiro nascido na Favela do Índio e cria da Zona Leste de Belo Horizonte lançou na sexta seu quarto disco “Histórias da Minha Área” com exclusividade pelo Youtube, acumulando milhões de plays em cada faixa. Nesta segunda (16) as músicas já estão disponíveis nos streamings.
A obra chama atenção por estampar de forma crua a realidade das ruas, particularmente nas comunidades periféricas. Fala de morte, mas também de como a juventude preta no Brasil pode e está contrariando as estatísticas permanecendo viva. Acumulando os relatos, testemunhos e ensinamentos da trajetória que começou nos saraus de poesia da capital mineira.
Na capa os quatro elementos que se observam baleados no chão de um beco em São Lucas, região do Aglomerado da Serra bem próxima da Savassi, são Pedrinho, Pedro Marques, Marcola e Luiz Felipe, amigos que Djonga em seus 25 anos fez questão de levar para a vida. Acompanhando a tracklist na contracapa está Coyote, o produtor responsável pelos beats. A ironia contida em todo o trabalho do rapper se expressa aqui pela ostentação dos kits da Nike, como afirmação e superação, mais uma vez confrontando o racismo que mata um avião lotado de jovens de 15 a 29 anos a cada dois dias, como revelam os dados da Anistia Internacional.
Junto da mixtape veio o clipe de Hoje Não representando uma história que infelizmente ainda é cotidiana no Brasil. O vídeo traz a reconstituição de um crime que chocou o país, a morte da menina Ágatha por um policial na comunidade da Fazendinha, Rio de Janeiro.
Ao passo que canta “É que enquanto o doutor capota os de raça no soco/ Ela tá falando que ama ver o preto no topo/ Imagina seu moço neto com esse biotipo/ O mais fácil é eliminar todos esses garoto” Djonga passeia em um carro de luxo com Coyote até que é pego em mais uma dessas abordagens de rotina. O final é diferente e como deveria, no lugar de uma vida inocente, os verdadeiros culpados por toda essa situação eliminados. Arte explícita em parceria com os estúdios Caverna e 176 trazendo o desfecho que todos queriam.
A postura de Djonga inspira, desde a “sensação sensacional”, jovens como o produtor Licinio Januário que comentou:
“Você é o sonho e esperança de nossos ancestrais. Gratidão pela coragem, pelas mensagens. Se todo preto que venceu na vida se posicionasse em prol da quebrada e levasse de volta grana e empoderamento intelectual para a quebrada, esse país seria outro. Benção meu mano!!”
Desde 2017 todos os álbuns foram entregues em 13 de março, uma data “de sorte” que coincidentemente ou não, forma o 133 do artigo do Código Penal que trata sobre o abandono. Suas letras denunciam a negligência, a segregação e a indiferença. O que está longe de ser realidade para o rapper que já é considerado por grandes nomes da música, de Mano Brown a Marília Mendonça.
A mixtape conta com participações de peso na cena contemporânea e carrega crônicas, funks e lovesongs com a caligrafia rabiscada do autor. Fica por conta de Bia Nogueira, atriz de Madame Satã com quem Djonga contracenou, a introdução cantando Filhos da Seca “Nem é cedo demais pra saber que a vida é desgraçada aqui/ Meu filho, amor tem dessas coisas rudes”.
Não Sei Rezar é uma homenagem cheia de ódio e saudade aos amigos que perderam a vida, confirmando seu talento autodeclarado em fazer refrões. Oto Patamá transborda as mágoas, recobra toda a poética desde Olho de Tigre “Já que eu ilumino geral/ Quantos curte brilhar sozim?”.
Todo Errado é a primeira de amor e cafagestagem, aquela tentativa contínua do cantor de se libertar do machismo, o que repete com o funk que marca presença em Mania com Mc Don Juan. Procuro Alguém também fala de sentimentos, dessa vez dedicados à nova filha Iolanda, a exemplo do que fez nos outros álbuns para Jorge. É a caçula quem chora ao fim da faixa.
NGC Borges e FBC, o Padrin, em Gelo celebram o Hip Hop clássico ao estilo B2K cantando “Nós aprendeu a dividir quando não tinha nada/não vai sofrer pra dividir que agora que tem tudo”. Fechando a lista ainda tem a presença potente da rapper Cristal rimando sua ancestralidade e críticas ao egoísmo em Deus Dará, por fim a produção de Renan Samam em Amr Sinto Falta da Nssa Ksa com samples jazzísticos quase lo-fi, se não fosse a grandeza dos envolvidos.
OUÇA COMPLETO:
Felipe Qualquer / [email protected]