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Ditadura teocrática e a luta das mulheres em ‘A Semente do Fruto Sagrado’
Obra política de diretor iraniano que denuncia a repressão policial em meio a protestos a favor do direito das mulheres.
Por João Vitor Madruga
Em A Semente do Fruto Sagrado, o diretor iraniano Mohammad Rasoulof, como uma forma de protesto, mistura fatos reais com ficção. Na trama, o diretor conta a história de uma família que vive na cidade de Teerã em meio a protestos após a morte de uma jovem por uso indevido de seu hijab (vestimenta usada por mulheres muçulmanas). Esse caso aconteceu em 16 de setembro de 2022, em Teerã, quando Mahsa Amini foi morta pelas forças policiais iranianas. Esse fato foi o estopim para mobilizar milhares de homens e mulheres no Irã e ao redor do mundo. Os protestos foram marcados pela violência policial e pela morte de dezenas de manifestantes no Irã.
O filme foi vencedor do prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes. Submetido pela Alemanha para a categoria do Oscar de Melhor Filme Internacional, o longa narra o recém-promovido juiz investigativo Iman e o convívio com sua dedicada esposa Najmeh e suas duas filhas, Rezvan e Sana. Com sua promoção, Iman recebe a missão de cuidar de sua arma, junto com a função de assinar as condenações de morte daqueles que fossem presos por desrespeitar as leis religiosas do governo. Em meio ao desgaste mental ocasionado pelo trabalho, a situação da cidade e a divergência de opiniões com Sana e Rezvan, Iman se vê em uma constante paranoia após a arma sumir em sua casa. Suspeitando de sua esposa e filhas, o juiz estabelece medidas severas no convívio da família, provocando uma grande desavença entre os membros.
A Semente do Fruto Sagrado é um filme com teor político e crítico elevado, uma característica de Mohammad. Devido ao conteúdo de seus trabalhos, o cineasta iraniano já foi preso diversas vezes. Com o anúncio de que seu atual longa teria sido selecionado para o Festival de Cannes, ele foi condenado a oito anos de prisão e flagelação por crimes contra a segurança do país, sendo obrigado a fugir para a Alemanha. Assim como Ainda Estou Aqui, adversário na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar, o filme também é uma crítica à política totalitária. O Irã segue, como forma de governo, uma república islâmica, ou seja, uma mistura de magistratura e teocracia. Apesar de ter eleições para a escolha de seus parlamentares, os partidos que são contrários ao regime imposto pelo líder supremo não possuem representação e candidaturas, além de serem silenciados.
No Irã, a participação de mulheres no ambiente de trabalho é de 12%, sendo o menor índice dentre 146 países pesquisados, segundo o relatório da Global Gender Gap, publicado em 2024. Uma das barreiras para essa disparidade são os inúmeros casos de assédio sexual, as visões extremamente sexistas sobre as mulheres e suas habilidades, e, principalmente, as leis de gênero no país. Barreiras culturais e limitações legais mantêm muitas mulheres fora do ambiente de trabalho. Conforme o artigo 1105 do Código Civil da República Islâmica do Irã, o homem é o chefe da família e possui prioridade na oportunidade de emprego. Além disso, os homens podem, legalmente, impedir que suas esposas trabalhem, tornando-as “submissas” aos homens e suas ações, assunto que Rasoulof retrata de forma extremamente explícita no filme.
Considerando toda a desvalorização da mulher, as leis teocráticas e as repressões policiais, A Semente do Fruto Sagrado usa como base o caso de Mahsa Amini, que morreu enquanto estava sob custódia policial. Ela foi presa por uso indevido do hijab pela Patrulha de Orientação, uma espécie de polícia da moralidade. Quando a notícia de sua morte e fotografias de Amini em coma no hospital circularam, mulheres por todo o país demonstraram indignação. A revolta gerou uma série de protestos em mais de 30 províncias, incluindo o Curdistão, a região que abriga um dos grupos étnicos minoritários e mais oprimidos do Irã, e também o grupo do qual Mahsa fazia parte. Os protestos ficaram marcados pelo slogan “Vida, Mulher, Liberdade”, um grito clamando por dignidade e liberdade, além de uma provocação contra o uso obrigatório do hijab. Os atos ao redor do mundo serviram inclusive para denúncias contra as leis sexistas do país, contra o líder supremo, contra as forças policiais e seus métodos violentos.