“A Parada vai ser essa: ficar em casa, mas não ficar quieta”, afirma presidenta da ANTRA

Por Luciana G. Console para Mídia NINJA

Dia 28 de junho é o Dia do Orgulho LGBTI+. A data, comemorada todo ano com as Paradas do Orgulho LGBT que acontecem em cidades de vários países, marca o levante dos frequentadores do bar Stonewall Inn em Nova Iorque em 1969 contra as frequentes batidas policiais ocorridas no local.

O bar, conhecido por ser ponto de encontro de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex, enfrentou mais de duas noites de conflito, que resultou na 1° Parada do Orgulho LGBT, em 1970, como forma de representar a resistência do ano anterior e a luta.

No entanto, apesar de décadas terem se passado, o Dia do Orgulho LGBTI+ se faz cada vez mais necessário, tendo em vista os dados de violência recentes. De acordo com o último Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras, o Brasil continuar sendo o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Em 2019, foram 124 mortes.

Para Keila Simpson, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Congresso Nacional não se debruça sobre as questões que são colocadas em pauta em torno das políticas públicas e direitos da população LGBTI+. “Desde o governo Lula e Dilma já tinha esse debate ideológico dos parlamentares mais fanáticos, como a bancada BBB (bala, boi e bíblia), dos agentes de segurança, agropecuária e os religiosos, que são as mais inflamadas com relação a essas proposições que versam sobre direitos ou qualquer pauta mais atual, como o aborto e a questão das drogas.”

Já Carlos Alves, do setorial nacional LGBT da Central de Movimentos Populares destaca que os retrocessos, perdas de direitos e avanço do fascismo são resultado direto do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016. “Essa conjuntura com ataques, reforma trabalhista, perda da soberania, prisão do presidente Lula, perseguição aos movimentos sociais, cerco às favelas, tudo atinge diretamente a comunidade LGBT, porque ela está na favela, ela é preta, ela está desempregada ou são trabalhadoras/es do sexo, que vivem em situação de vulnerabilidade social muito grande. E sem direitos, sem política de assistência pública, essa população sofre muito mais”, explica Alves.

Violência contra população LGBTI+

A dificuldade de se enfrentar a questão do preconceito e da violência contra a população LGBTI+ começa na própria identificação destas violências. No Brasil, o fato de não se saber qual é o tamanho da população LGBTI+, devido à, por exemplo, falta de abordagem do tema nas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inviabiliza o cálculo da violência contra esse grupo social. Além disso, a não tipificação nos registros policiais da violência atrelada à questões de gênero e orientação sexual dificulta a elaboração de políticas públicas para que o quadro mude.

No entanto, o Atlas da Violência de 2019 conseguiu um vislumbre da situação no Brasil, baseando-se em denúncias registradas no Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), e nos registros administrativos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. O documento aponta evidências no aumento de casos de violência contra a população LGBTI+ no país no últimos anos. Só entre 2016 e 2017, o número de denúncias de homicídios contra LGBTI+ cresceu 127%.

Além dele, o Grupo Gay da Bahia (GGB), realiza, há anos, relatórios de levantamentos do número de pessoas assassinadas por questões homofóbicas, tem sido uma das poucas fontes. O Grupo reúne dados com base em notícias publicadas na imprensa, na internet e informações pessoais de parentes das vítimas. De acordo com o documento sobre mortes violentas de LGBTI+ no Brasil, 329 ocorreram em 2019.

Keila explica que estamos vivendo um momento de verdadeiro caos nas mãos do governo de Jair Bolsonaro, principalmente em meio à pandemia da COVID-19.

“A gente já estava, antes da pandemia, com a condição absurda do presidente da República de governar apenas para o seu curral eleitoral. Não temos, eu pessoalmente, não tenho nova perspectiva com esse governo. As medidas que ele tomou foram sempre para invisibilizar nossa população.”

Em 2019, o governo federal extinguiu os Conselhos Sociais, entre eles, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT. Os grupos tinham como função integrar a sociedade civil nas discussões do governo e recomendar ações.

No meio do caos, alguns avanços

A presidenta da ANTRA destaca também que as principais conquistas da população LGBTI+ dos últimos anos aconteceram no âmbito Judiciário, que precisou intervir para evitar retrocessos em conquistas civis. “É assim que o Congresso se movimenta. Perceba que quando o Supremo Tribunal Federal decide equiparar a lgbtfobia com o crime de racismo, o Congresso Nacional, logo em seguida, começa a se mexer e a apresentar projetos nesse sentido”, aponta.

Após anos de luta do movimento, no dia 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a criminalização da homofobia e da transfobia no Brasil. Desde então, discriminar uma pessoa por sua orientação sexual e de gênero é crime.

Outro exemplo é o Projeto de Lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, apresentado em 1995 pela deputada Marta Suplicy. Desde então, o PL sofreu diversas idas e vindas, até 2011, quando o STF decide a legalidade desta constituição familiar.

“A partir daí, até hoje, todas as conquistas foram assim. Primeiro, com o casamento civil igualitário, depois com a regulamentação de nome e gênero para pessoas trans, depois com a criminalização da lgbtfobia e agora com a doação de sangue de pessoas LGBT”, relembra Keila.

Dia do Orgulho LGBTI+ em meio à pandemia: a luta não pode parar

Diante do isolamento social por conta do novo coronavírus, as comemorações da semana do Orgulho LGBTQI+ vão tomar as redes na próxima semana. Keila conta que as ações já estão acontecendo desde o início do mês, com diversas Instituições pelo Brasil realizando lives, seminários, debates políticos e atrações culturais nas redes sociais.

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“A Parada vai ser essa: ficar em casa, mas não ficar quieta. É agitar a rede social nessa semana para visibilizar cada vez mais o orgulho de ser quem somos, de sermos pessoas, que apesar das adversidades que enfrentamos no dia a dia, ainda assim temos orgulho de ser como somos”, enfatiza.

A própria ANTRA vai realizar um festival online no dia 26 de junho, com 8 horas de duração e participação de pessoas trans do mundo.

A programação da Semana do Orgulho LGBTQI+, com início no dia 23 de junho, vai contar com webinários temáticos, com projeções em prédios, Marcha Virtual (twittaço nas redes) e uma grande LIVE SHOW, com a participação de artistas de todo o país e está sendo produzida por 26 organizações nacionais para tentar minimizar os impactos negativos do isolamento, denunciar os desmontes e celebrar o ORGULHO de ser LGBTQI+. No dia 28, fechando a semana, acontece o lançamento do Conselho Popular Nacional LGBTI+.

Para além da semana de programação, que se encerra no Dia do Orgulho LGBTI+, 28 de junho, a ativista relembra a importância de se dialogar e pensar na formação no campo da esquerda e nas atuações para o período de pós pandemia. Para ela, é preciso “reacender essa chama da formação política”, principalmente entre a juventude.