Por Yasmin Henrique

Maceió, a capital alagoana, conta com uma população de 957.916 habitantes, conforme os dados iniciais do Censo 2022. Esse total representa um crescimento de 2,71% em relação aos 932.608 moradores registrados pelo IBGE em 2010. No entanto, apesar desse aumento populacional, a cidade enfrenta significativas transformações socioespaciais, decorrentes da subsidência provocada pela extração de sal-gema. Esse processo tem causado impactos severos em bairros centrais, como Pinheiro, Bom Parto, Bebedouro, Farol e Mutange.

Em 2018, um tremor de terra de 2,5 pontos na escala Richter, combinado com chuvas intensas, revelou os prejuízos causados pela exploração irresponsável do sal-gema, matéria-prima usada na produção de cloro e soda cáustica. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) identificou que a mineradora Braskem foi a responsável pela abertura de minas subterrâneas sem os devidos protocolos de segurança e pelo fechamento inadequado dos poços. Desde então, a área afetada, que ocupa cerca de 250 hectares, tem passado por processos de desocupação, demolição e análise sísmica, enquanto a população removida sofre com a perda de seus lares e a migração desordenada.

O deslocamento forçado de mais de 60 mil pessoas gerou vazios urbanos em uma região que, antes, era densamente povoada e tinha um papel crucial na organização da cidade. O professor Sinval Autran, especialista em geografia e análise ambiental, destaca:

“A criação desses vazios urbanos em Maceió tem repercussões significativas para a geografia e a dinâmica social da cidade. Esses espaços desabitados geram rupturas no tecido urbano, fragmentam comunidades e acentuam as desigualdades socioespaciais.”

Ele adverte que, na ausência de um planejamento eficaz, esses vazios urbanos podem se tornar áreas de degradação e insegurança. No entanto, com medidas coordenadas, há potencial para revitalizá-los e adaptá-los às necessidades sociais, econômicas e ambientais da cidade. O professor também enfatiza a importância de um monitoramento contínuo do plano diretor, ajustando-o conforme as transformações da cidade: “A cidade está em constante mudança, e as políticas públicas devem acompanhar esse ritmo. Sem um acompanhamento adequado, corremos o risco de retroceder e agravar os problemas existentes.

Alterações da paisagem no bairro Mutange entre 2018 e 2023 (Vídeo: Agência Tatu)

A nova rota do mercado imobiliário

Os efeitos da subsidência em Maceió ultrapassam as áreas desocupadas, afetando diversos setores da cidade. O deslocamento forçado de milhares de pessoas intensificou questões como o adensamento descontrolado em outras regiões, a sobrecarga da infraestrutura urbana e o aumento nos custos de habitação. Após a injeção de R$ 2,27 bilhões na economia local, direcionados para indenizações, auxílios financeiros e honorários advocatícios às famílias afetadas, os preços dos imóveis dispararam. 

De acordo com informações do FipeZap, os preços dos imóveis em Maceió tiveram um aumento de 76% desde 2019, o maior entre as capitais do Brasil. O valor do metro quadrado alcançou R$ 8.200, registrando uma alta de 15,44% no último ano. Entre 2020 e 2024, a cidade experimentou uma valorização de 16%, enquanto a média nacional foi de 5,13%.

Gustavo Pereira, corretor de imóveis com seis anos de experiência, observou de perto as transformações no mercado imobiliário local. Ele explicou: “A mudança foi imediata; assim que surgiram as primeiras notícias sobre as interdições nas ruas, as pessoas começaram a buscar os bancos. Quando a situação foi oficialmente confirmada, o mercado na área praticamente parou.” 

Pereira destacou ainda que a região do Farol foi uma das mais impactadas:

“Não houve novos lançamentos imobiliários; apenas os projetos que já estavam em andamento seguiram. Muitos compradores e investidores passaram a procurar imóveis em regiões mais distantes, como Marechal Deodoro, ou em áreas mais elevadas, como Santa Amélia e Benedito Bentes, onde os preços eram mais acessíveis.”

Especialistas do setor imobiliário, como Nilo Zampieri, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis de Alagoas (Secovi-AL), e Alfredo Brêda, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Alagoas (Sinduscon-AL), destacam que a área afetada pela subsidência não fazia parte das regiões em expansão do mercado imobiliário. 

Contudo, o colapso dessa área interrompeu seu desenvolvimento, redirecionando a atenção do mercado para outras localidades, como as áreas altas e o litoral sul de Maceió, beneficiando principalmente a classe média. Segundo dados do FipeZap, em dezembro de 2023, bairros como Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca estavam entre os mais caros da região Nordeste.

O professor Dilson Ferreira, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), destaca que o aumento dos preços foi resultado da ausência de um planejamento público eficaz. Ele aponta que Maceió possui diversas áreas subutilizadas, como terrenos e edifícios abandonados, além de deficiências em infraestrutura, incluindo vias de mobilidade e espaços urbanos mal aproveitados. Ferreira sugere que, ao invés de permitir essa valorização descontrolada, seria mais sensato utilizar terrenos próximos às áreas de risco para realocar a população, especialmente em regiões como o Centro, onde há imóveis desocupados.

Gustavo Pereira acredita que o governo poderia ter adotado estratégias mais eficazes para garantir um crescimento urbano mais equilibrado. Ele sugere: “O governo poderia agir de forma mais proativa, com incentivos, políticas sociais e medidas que aproveitem melhor as potencialidades da cidade.” Pereira observa que, embora haja investimentos em áreas turísticas, como a orla, outras regiões, como praças mais distantes, estão sendo negligenciadas, sem receber revitalizações ou novos projetos. Ele enfatiza que, para as áreas não turísticas, o suporte do poder público é crucial: “Essas áreas dependem fortemente das políticas públicas municipais, estaduais e até federais.” 

Levantamento do FipeZap de Maceió, com dados atualizados até outubro de 2024 (Foto: reprodução/FipeZap)

E o seguro, como fica?

A subsidência causada pela exploração de sal-gema em Maceió teve um impacto significativo nas áreas afetadas, resultando em uma desvalorização de até 50% nos imóveis situados nas zonas mais próximas aos focos de risco. Por outro lado, os bairros mais distantes da área de exclusão experimentaram um aumento na demanda. Nos imóveis das regiões afetadas, o mercado estagnou, com seguradoras se recusando a cobrir danos e a suspensão de créditos imobiliários. Esse cenário gerou um impasse no setor, com diversas transações sendo paralisadas.

Em janeiro de 2024, a Defensoria Pública da União (DPU) moveu uma ação judicial que resultou em uma decisão do juiz Felini de Oliveira Wanderley, da 1ª Vara Federal de Alagoas. O juiz determinou que as seguradoras credenciadas pela Caixa Econômica Federal não poderiam recusar a cobertura de imóveis situados em áreas de risco em Maceió. A sentença afetou a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a Caixa e diversas outras seguradoras. A decisão foi tomada após uma série de recusas de contratação de seguros para imóveis em regiões afetadas pela subsidência do solo.

Em encontros com a Caixa Econômica Federal e a Caixa Residencial, a DPU constatou que as seguradoras estavam estabelecendo uma margem de segurança de um quilômetro a partir da área de risco identificada pela Defesa Civil. De acordo com a Defensoria, essa prática estava impedindo a concessão de financiamentos, pois o seguro é uma exigência para os contratos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Diego Alves, defensor regional de direitos humanos em Alagoas, criticou essa margem de segurança, argumentando que ela “não se fundamenta em critérios técnicos e, por isso, é abusiva e irracional, violando direitos fundamentais dos consumidores e o direito social à moradia“.

A decisão judicial concluiu que as recusas das seguradoras, sem fundamento técnico, eram consideradas abusivas. O juiz declarou nulas as negativas de cobertura baseadas na margem de segurança e ordenou que as seguradoras reanalisassem todos os pedidos de seguro habitacional. A sentença esclareceu que “não se trata de negar a autonomia das seguradoras, mas de estabelecer limites razoáveis para evitar recusas infundadas“. Além disso, foi imposta a proibição de práticas de preços excessivos ou aumentos abusivos nas tarifas, que visavam desestimular a contratação de seguros residenciais nas áreas adjacentes à subsidência.

Em síntese, a crise provocada pela subsidência em Maceió revela fragilidades tanto no mercado imobiliário quanto na administração pública, destacando a urgência de um planejamento urbano mais estratégico e de políticas públicas que promovam a justiça social, melhorem a infraestrutura e garantam a proteção dos direitos fundamentais, como o direito à moradia digna. A crise de subsidência deve ser vista como um alerta para que a gestão urbana e pública vá além da construção de infraestrutura física, incorporando uma perspectiva mais ampla e socialmente inclusiva.