Desintegração latino-americana
Num mundo chacoalhado por guerras, fome, migrações massivas e eventos climáticos extremos, povos e países precisam pactuar caminhos, que sejam decisivos para as futuras gerações. A América Latina depende de agendas comuns para enfrentar esses desafios
No sábado (6/4), o México anunciou o rompimento das relações diplomáticas com o Equador. Na véspera, a polícia equatoriana invadiu a embaixada mexicana, em Quito, para prender Jorge Glas, ex-vice-presidente de Rafael Correa, que governou o país entre 2007 e 2017. Glas estava refugiado para evitar um mandato de prisão. Um dia antes, o México concedeu asilo político a ele e o Equador expulsou a embaixadora mexicana do país. Para o Equador, Glas, assim como Corrêa, é criminoso comum, acusado de corrupção e, então, invadiu a embaixada, ao arrepio do direito internacional.
Vale lembrar que, em janeiro passado, o Equador foi vítima de um levante promovido pelo crime organizado, que chegou a ocupar uma rede de televisão e, no ar, anunciou intenções terroristas. O governo equatoriano recebeu, então, apoio político e disposição de envio de efetivos de segurança por parte dos países vizinhos. Agora, é o próprio Estado que age como milícia ao invadir uma embaixada e prender um opositor.
O conflito entre Equador e México está longe de ser isolado. Mesmo sem ir às vias de fato, o presidente argentino, Javier Milei, tem sido pródigo em insultar contrapartes, qualificando o presidente do México, López Obrador, de “ignorante” e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de “assassino terrorista e comunista”.
A violência verbal gratuita de Milei é indicativa da deterioração do clima político na América Latina. Esvaziou o Mercosul, ao ponto de ninguém lamentar, efetivamente, o fracasso do acordo comercial com a União Européia. Esse clima estende-se pela região e pode contaminar as relações entre os países amazônicos.
Sexta-feira (5/4), o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, candidato à reeleição, promulgou a criação da província do Essequibo, formalizando a intenção de anexar mais de dois terços do território da Guiana, inclusive a região de fronteira com o Brasil. O ato atropela o esforço de mediação do Brasil. Na véspera, o presidente Lula havia criticado a exclusão de candidatos da oposição nas eleições venezuelanas.
Também estão em estado crítico as relações entre a Colômbia e o Peru, desde que Dina Boluarte assumiu a presidência do Peru, após a queda de Pedro Castillo, e foi qualificada como “golpista” pelo presidente colombiano. Ambos retiraram os seus embaixadores dos respectivos territórios e as relações estão congeladas.
OTCA e COP-30
A polêmica entre Peru e Colômbia tem causado efeitos negativos até na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que também inclui Brasil, Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname. A secretaria-geral da OTCA é rotativa e, agora, deve ser exercida pela Colômbia. Mas o nome indicado precisa do aval de todos os demais países e o Peru protela a sua manifestação. O Brasil já indicou a secretaria-executiva, mas ela não pode ir além de ações de rotina sem que o secretário-geral esteja efetivado.
A embromação peruana atrapalha a estratégia diplomática do Brasil, pois a OTCA seria um espaço privilegiado para articular ações e propostas comuns para a COP-30, conferência sobre mudanças climáticas da ONU, cuja 30ª edição será em novembro de 2025, em Belém (PA), portal da Amazônia. A reunião vai avaliar o cumprimento das metas de redução de emissões assumidas pelos países no Acordo de Paris, mas também teria tudo para avançar na proteção das florestas e da Amazônia, em particular.
No caso, a postura do Peru é um tiro no próprio pé. Depois do Brasil, ele é o país que detém a maior extensão da Amazônia. Apesar da sua crise política interna, teria muito a ganhar com o avanço dos instrumentos de cooperação amazônica.
Essa pendência tem impacto sobre a estratégia da diplomacia presidencial brasileira. Com a eleição de Milei na Argentina, o Mercosul ficou micado e a OTCA é o espaço disponível de articulação continental para o Brasil liderar a COP-30 e as agendas correlatas.
A articulação entre os países amazônicos também é imprescindível para enfrentar o crime organizado, que aumentou a sua influência política e o controle sobre partes da região. O ocorrido no Equador é mais que um alerta: é um alarme. O fracasso nas negociações de paz na Colômbia e a retomada da guerra civil por uma dissidência das FARCs também não é nada animadora. O mesmo pode ser dito a respeito da atuação do PCC e do Comando Vermelho, em alianças ou disputas com quadrilhas locais. O narcotráfico é internacionalizado e exige uma resposta conjunta dos países.
Fica aqui o recado para a COP-30: não haverá desenvolvimento sustentável na Amazônia com o crescimento do crime organizado, que recruta jovens, camufla-se na exploração predatória de recursos naturais e se infiltra no aparelho de Estado, inclusive elegendo bancadas parlamentares próprias. A comunidade internacional deveria apoiar concretamente uma resposta conjunta dos países amazônicos e a OTCA deveria servir para isso.
Num mundo chacoalhado por guerras, fome, migrações massivas e eventos climáticos extremos, povos e países precisam pactuar caminhos que sejam decisivos para as futuras gerações. A América Latina depende de agendas comuns para enfrentar esses desafios. A polarização política, a opção pelo confronto e a retórica bélica nos jogarão no lixo da história.