Por Eloisa Artuso

Falar sobre moda é falar sobre mulheres, já que elas ocupam, hoje, 60% dos postos de trabalho do setor no Brasil e têm seus direitos constantemente violados devido ao sistema patriarcal que rege nossa sociedade, cultura, política e economia. Falar sobre moda, também é falar sobre ambiente e clima, já que, globalmente, a emissões anuais de gases de efeito estufa do setor correspondem à 4% do total global, o que equivale às emissões anuais da França, Alemanha e Reino Unido juntos, sendo que a maior concentração de CO2 na indústria ocorre no nível de produção de matéria-prima.  

O fato é que a busca da riqueza infinita e da rentabilidade máxima conflita com um planeta finito, que se manifesta não só pela crise climática, mas também por crises culturais, políticas, econômicas e sociais – com sociedades assoladas pela desigualdade e exclusão. 

Recentemente, eu publiquei o artigo Finding Social and Environmental Justice in the Fashion Production Chain in Brazil: When Fashion is Created with Nature by Women in Their Communities (Buscando Justiça Socioambiental na Cadeia Produtiva da Moda no Brasil: Quando a Moda é Criada com a Natureza por mulheres em suas Comunidades), em parceria com a pesquisadora Evelise Anicet. Nossa vontade era a de vontade de explorar alternativas à cadeia de produção convencional da moda, onde matérias-primas e produtos pudessem ser criados com respeito às mulheres e à natureza. 

Nesse estudo, nós olhamos para as relações estabelecidas entre as comunidades e seus territórios; o papel que as mulheres desempenham em suas comunidades; processos de produção; técnicas e cultura locais; distribuição de trabalho e renda nos grupos produtivos; e o diálogo com o design na criação de moda com valor socioambiental agregado.

Vale lembrar que apesar do Brasil ocupar um grande território, apenas 15% da sua população está distribuída em áreas rurais, e que são os habitantes dessas áreas que assumem a principal responsabilidade pela conservação da biodiversidade local. Então, nós tentamos entender como algumas comunidades rurais buscam soluções de subsistência sustentável em seus territórios de origem por meio da produção de matérias-primas e produtos para a cadeia da moda, que ao mesmo tempo garantem segurança alimentar, a manutenção dos biomas locais e a justiça de gênero. 

Nós usamos 4 organizações: Redeiras, Rendeiras de Saubara, Justa Trama e Seringô, como base para a análise de práticas institucionalizadas voltadas à promoção de justiça socioambiental.

A busca por alternativas 

Eu acredito muito na importância de se buscar matrizes socioeconômicas alternativas, que sejam capazes de fortalecer a capacidade de desenvolvimento local sustentável diante do sistema de moda dominante explorador, produtivista e extrativista. Por isso, estudar a forma como grupos produtivos conseguem trabalham fora do sistema industrial e se apresentar como modelos distribuídos e descentralizados de produção local, foi para mim como um verdadeiro fôlego, um sinal de esperança.

Ao longo da pesquisa, fomos descobrindo como é possível produzir moda no Brasil por meio do trabalho artesanal, que valoriza os processos manuais, os saberes tradicionais, as pessoas, as culturas e a natureza e em diálogo com o design para alcançar um modelo de produção regulamentado, com respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. 

É para eles que precisamos olhar, é com eles que precisamos aprender. Essas comunidades e suas lideranças atuam como agentes políticos por meio da promoção de ações de capacitação e desenvolvimento local sustentável, em lugares onde, muitas vezes, as políticas públicas não chegam. O conhecimento das comunidades tradicionais se traduz em conservação da natureza, uma vez que essas populações vêm acumulando aprendizados de vida, geração a geração, sobre os ciclos naturais, a fauna local, a influência da lua e das estações em suas atividades e os sistemas inteligentes de gestão de recursos naturais.  

Falar sobre moda é falar sobre mulheres, já que elas ocupam, hoje, 60% dos postos de trabalho do setor no Brasil e têm seus direitos constantemente violados devido ao sistema patriarcal que rege nossa sociedade, cultura, política e economia. Falar sobre moda, também é falar sobre ambiente e clima, já que, globalmente, a emissões anuais de gases de efeito estufa do setor correspondem à 4% do total global, o que equivale às emissões anuais da França, Alemanha e Reino Unido juntos, sendo que a maior concentração de CO2 na indústria ocorre no nível de produção de matéria-prima.  

O fato é que a busca da riqueza infinita e da rentabilidade máxima conflita com um planeta finito, que se manifesta não só pela crise climática, mas também por crises culturais, políticas, econômicas e sociais – com sociedades assoladas pela desigualdade e exclusão. 

Recentemente, eu publiquei o artigo Finding Social and Environmental Justice in the Fashion Production Chain in Brazil: When Fashion is Created with Nature by Women in Their Communities (Buscando Justiça Socioambiental na Cadeia Produtiva da Moda no Brasil: Quando a Moda é Criada com a Natureza por mulheres em suas Comunidades), em parceria com a pesquisadora Evelise Anicet. Nossa vontade era a de vontade de explorar alternativas à cadeia de produção convencional da moda, onde matérias-primas e produtos pudessem ser criados com respeito às mulheres e à natureza. 

Nesse estudo, nós olhamos para as relações estabelecidas entre as comunidades e seus territórios; o papel que as mulheres desempenham em suas comunidades; processos de produção; técnicas e cultura locais; distribuição de trabalho e renda nos grupos produtivos; e o diálogo com o design na criação de moda com valor socioambiental agregado.

Vale lembrar que apesar do Brasil ocupar um grande território, apenas 15% da sua população está distribuída em áreas rurais, e que são os habitantes dessas áreas que assumem a principal responsabilidade pela conservação da biodiversidade local. Então, nós tentamos entender como algumas comunidades rurais buscam soluções de subsistência sustentável em seus territórios de origem por meio da produção de matérias-primas e produtos para a cadeia da moda, que ao mesmo tempo garantem segurança alimentar, a manutenção dos biomas locais e a justiça de gênero. 

Nós usamos 4 organizações: Redeiras, Rendeiras de Saubara, Justa Trama e Seringô, como base para a análise de práticas institucionalizadas voltadas à promoção de justiça socioambiental.

O papel das mulheres

Olhamos, particularmente, para o papel das mulheres além do cuidado de suas famílias, na garantia de igualdade no trabalho e melhor distribuição de renda. Se, por um lado, observamos que as mulheres agregam atividades domésticas e profissionais, por outro, temos vários exemplos de protagonismo feminino, inclusive na liderança de organizações. São mulheres fortes que lutam pela igualdade de oportunidades na vida, muitas vezes superando os homens. 

Em relação à equidade de gênero, autonomia financeira e envolvimento nos processos de tomada de decisão, vimos que muitas vezes são as mulheres que ganham força e coragem para liderar grandes organizações. Um exemplo é a Nelsa Nespolo, que há quase 20 anos é diretora-presidente da cooperativa Justa Trama. Ela coordena mais de 600 trabalhadores da cadeia de algodão agroecológico em cinco estados brasileiros. 

As mulheres do Redeiras não aceitaram sua condição de moradoras de uma vila esquecida no extremo sul e criaram um negócio sustentável de acessórios que resolve tanto o impacto ambiental causado pelo descarte incorreto das redes de pesca quanto sua própria autonomia financeira, conferindo presença em feiras e lojas no Brasil e no mundo.

As Rendeiras de Saubara são mães com todas as responsabilidades de cuidado da casa e de sustentar a família através da pesca artesanal de frutos do mar. Todos os dias, após cumprirem as condições de trabalho impostas pela sociedade local, elas encontram a coragem, e o prazer, de encontrar suas amigas na sede da associação das rendeiras para desenvolverem juntas as delicadas rendas de bilro. O retorno financeiro e emocional positivo de uma vida de pobreza e sacrifícios vem quando recebem encomendas de vestidos de alta costura (noivas, festas etc.), aumentando assim a sua autoestima.

Na região amazônica, Maria Zélia, da Seringô, se dedica a trabalhar com mulheres e meninas por meio do artesanato a partir de borracha natural. Dizem que, inicialmente, os maridos não gostavam porque isso ocupava as esposas com horas de trabalho, e algumas delas passaram a ganhar mais dinheiro do que seus maridos. Isso incomodou os homens. Mas como todas as questões são trazidas para discussão em assembleias coletivas, o problema foi resolvido. Foi acordado que as mulheres poderiam trabalhar de casa após realizarem os afazeres domésticos. 

O papel do design

Vimos também que o design, nesses cenários, surge como um agente positivo, transformando a cultura e o conhecimento ancestral e artesanal em inovação de produtos com valor agregado para assegurar a viabilidade da produção e, com isso, o bem-estar da comunidade. O design de território, no caso de Redeiras e o design dialógico, no caso das Rendeiras de Saubara, foram algumas das abordagens de design que nos chamaram a atenção.

As práticas de design desempenham dois papéis importantes, primeiro na determinação dos métodos e sistemas de produção e, segundo, ao trazer maior valor estético aos produtos que, por sua vez, adquirem maior valor de mercado. Essas regiões que normalmente cultivam ou extraem matéria-prima para grandes indústrias para vender commodities agrícolas a preços baixos, conseguiram, principalmente no caso de Seringô e Justa Trama, manter todos os processos de design em suas próprias mãos. Eles próprios produzem, processam e fabricam, tecidos e vestuário de algodão orgânico, biojóias, acessórios e calçados. 

Cada grupo é constituído por uma identidade sociocultural e política própria. Eles constroem suas próprias formas de sobrevivência e relações produtivas utilizando conhecimentos e técnicas aprendidas na vida para suprir suas necessidades. O padrão organizacional de produção e gestão dos recursos naturais, os esforços para garantir o acesso a bens e serviços sociais e as atividades profissionais são realizadas de acordo com suas necessidades e os recursos naturais disponíveis. 

Sabemos que a conservação da biodiversidade é crucial para combater as mudanças climáticas e garantir que os sistemas alimentares, os recursos naturais e os meios de subsistência saudáveis e decentes sejam sustentados.

E esses 4 exemplos provam que é isso é possível dentro da moda. 

O artigo completo está disponível para download aberto e gratuito aqui.

Por Eloisa Artuso, pesquisadora, designer estratégica e educadora com foco em justiça socioambiental na intersecção entre clima, gênero e moda. É cofundadora da Febre, professora de design sustentável do IED-SP e cofundadora do Fashion Revolution Brasil. @eloartuso / eloisaartuso.com

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