Existia a Carolina jornalista, mestranda em design.
Agora existe a Carolina, jornalista e Mestra em Design, junto com o Design Ativista.

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Por Carol Ancheita, jornalista, apresentadora, mestra em Design pela Unisinos e editora da revista de arte Corpo Futuro. Feminista e antirracista, ainda integra o coletivo Atinúké – Pensamento de Mulheres Negras.

Desde de criança eu nunca fiz nada que não fizesse sentido para mim. Dancei, patinei, li muito gibi, recebia amor e histórias para dormir e me entregava com todos meus sentidos às artes que meus pais me proporcionaram conviver. Mal sabiam eles que essas imersões criativas me fariam sentir um tanto solitária em sala de aula. Porque a oportunidade de uma educação particular, principalmente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, também era um ambiente de solidão para uma menina como eu. Não de criança ignorada ou que sofria o atualmente chamado bullying, eu sempre tive muitos amigos e era querida na escola. Mas uma solidão que eu só entenderia na vida adulta: a solidão negra.

Aquela solidão de não ver as contribuições históricas dos meus iguais nos livros. A solidão de ver o medo nos olhos das professoras que não sabiam lidar com a minha personalidade e “audácia” de ser uma pretinha orgulhosa já tão cedo, a ponto de chamarem meu pai na escola por conta do “olhar desafiador”, lançado para a professora de inglês. Hoje eu me pergunto se ela esperava algum tipo de ataque toda vez que me tinha em sala de aula… Vai saber.

Uma solidão que eu na época não percebia, afinal estava tudo bem. Eu tinha muitos amigos, praticava esportes e me desenvolvia muito bem, obrigada. Mas lembra toooooda aquela arte que meus pais me proporcionaram? Ela estava toda aqui dentro, sem saber como sair, eu precisava conter isso tudo em sala de aula e por fim, eu acabava me isolando dentro dos meus fones de ouvido. O que não era bom para as notas, lógico! Todo bimestre uma luta, todo fim de ano um aperto. Rodei, rodei de novo… Mas desde de criança eu nunca fiz nada que não fizesse sentido para mim e foi a rua que acabou me trazendo o sentido de novo.

Em seguida vieram os anos 90, aí veio o encontro com o movimento Hip Hop, a cena do skate, o lugar questionador e barulhento da Oswaldo Aranha, centro da contracultura (punk sujão bom mesmo) novos amigos e amigas da música, do teatro, do rap, do skate me trazendo o sentido de novo! O sentido de existir no mundo como uma jovem mulher negra!

Existir na arte! Virei artista? Não, jornalista! Mas foi o skate que me levou para a comunicação, matérias de skate com o mestre JM, renomado cinegrafista do skate, que me ensinou a olhar para a câmera e nunca, jamais ter medo de quem eu era, de como eu olhava, falava e me expressava. Sendo melhor professor do que a profe de inglês da escola.

Durante a graduação em comunicação social, na Unisinos, foram sete anos estudando e entrando todo dia ao vivo na TV Unisinos e no meio disso tudo ainda fui fanzineira (um dia conto mais), colunista de hip hop com colaborações para revistas como Noize, Rap Brasil e Rap News. Depois mudei para o Rio de Janeiro para ser âncora no Canal Futura, passei brevemente como editora na Globo. Muitos freelas depois eu retorno para o Sul encerrando esse ciclo de emissoras (por enquanto) na RBS TV. Mas e cadê a arte, o sentido? Sempre estiveram comigo! Toda minha carreira de jornalista foi direcionada para comunicar através da arte e de todo pertencimento que ela gera. Esse sentido sempre esteve comigo.

E então chegou a oportunidade de mestrado em Design com especialidade em design estratégico para inovação social. “Ai como assiiiiim Carolinaaaa, te decide!” Talvez pense quem me lê neste momento… Calma, lembra do sentido? Ele vai aparecer, péra! Confia.

Então, o mestrado em design, foi um convite feito por um amigo/mestre que sempre viu em mim, desde a graduação, a inquietação, o questionamento (obrigada Gustavo Borba). Ali então me pareceu o lugar, para além da comunicação, onde eu conseguiria refletir caminhos mais inovadores e abertos para a reflexão da decolonialidade e assim projetar um futuro menos solitário e mais potente para os meus. Já que a comunicação ainda não consegue tirar de mim o sentimento de solidão e onde eu vejo poucos e recentes movimentos de transformação dos veículos e que na maioria das vezes partem de onde? Na base de “nós por nós”. Mas essa reflexão fica para uma próxima coluna.

O mestrado em design então seria na mesma universidade da minha graduação, cercada de mestres/amigos e amigas de anos, acolhida, compreendida, mas de novo… sozinha. Só eu. Mas eu fui. Caminhada difícil, confesso. Quase desisti muitas vezes, de ir chorar no banheiro da universidade por não entender nenhuma palavra dita em sala de aula. Sem saber onde relacionar aqueles teóricos na maioria europeus com os meus ideais de inovação para negritude. Mas, diferente de muitas das minhas iguais em suas experiências acadêmicas, pude contar com uma orientadora aberta a trocas, escuta, e que na sua vivência como mulher branca soube me acompanhar de forma genuína (assim como JM nas minhas primeiras reportagens de skate), me permitindo ser quem eu sou, expressando na escrita o que eu acredito e entendo por sustentabilidade, dentro do conceito de inovação social (obrigada Karine Freire).

Mas mesmo com apoio, foi difícil me encontrar nesse novo universo de pensamento, mas como Desde de criança eu nunca fiz nada que não fizesse sentido para mim, segui atenta e num passeio no feed passou um card do Design Ativista. PELA DEUSA!!!! Até então, nenhuma palavra tinha ficado tão linda para mim ao lado de “design”. Lá fui eu com um coração solitário de jornalista e ativista do feminismo negro, ainda meio perdida num mestrado em design. E naquela sala com projeções cheias de propósito a Carolina e design juntos, começaram a fazer sentido para mim.

Eu me senti de volta à primeira reunião do movimento hip hop, na sede do PT em Porto Alegre, dos anos 90. Era isso! A minha essência descoberta no hip hop, no skate, na rua, nos livros, nas imersões de arte com meus pais, na busca pela força genuína que arte proporciona para todes podiam FINALMENTE estar junto aos meus estudos em design!

E esse encontro com o Design Ativista me trouxe a virada de chave para o começo de uma dissertação de mestrado que reuniu os teóricos do design como Ezio Manzini, Anna Meroni e Carlo Franzato, junto com com Abdias Nascimento, Carol Barreto, Sun Ra, Emicida, Fióti, Ruth Carter, e diversas outras mentes pensantes da negritude numa mesma escrita científica que resultou em uma plataforma de imersão em afrofuturismo em uma dissertação de mestrado aprovada com distinção, me tornando a primeira mulher negra mestra em Design Estratégico no país (pelo menos até a minha defesa em 2021), com uma proposta inédita de foco em Afrofuturismo e Moda Sustentável nesta área de estudo.

Viu? Eu disse que o sentido ia aparecer… E agora eu vou de novo! Para esse novo lugar, onde eu posso já começar sem solidão! Junto com esse grande amigo Thiago Scherer (obrigada por essa aproximação Rafael Vilela), com quem eu divido a curadoria desse novo espaço na Mídia Ninja: as colunas do Design Ativista.

Um lugar que irá reunir um time de profissionais do design de diferentes partes do Brasil com olhares únicos, diversos, questionadores, provocadores sobre o aprender, desaprender, pensar, refletir e projetar em design, para além mas também junto do design gráfico e de produtos.

E aqui, nesse espaço de honra e comunicação genuína que é a Mídia Ninja, começamos juntes a refletir, trocar, conversar, discordar, sonhar, projetar e compartilhar projetos, sonhos e ideais de design para um mundo onde todo mundo consiga nunca fazer nada que não faça sentido para si.

Vem junto.

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