Por Rafael Bittencourt

Pode parecer um grande devaneio. Mas imagina comigo: é sua noite de estreia. Auditório lotado, cortinas fechadas que, quando se abrirem, o canhão de luz vai se direcionar para você. Aí tudo o que você é, é o que você tem, seja lá qual for seu talento ou especialidade. A única certeza que eu tenho é que, apesar de tudo, essa atmosfera faz você sentir uma coisa muito particular: um frio na barriga.

Esse frio na barriga é típico de estreia. É o que eu tô sentindo desde o convite para ser um colunista do Design Ativista e continua na escrita desse texto. Essa sensação é o que me desperta responsabilidade por cada palavra que eu coloco aqui. Mas o que raios o Design tem a ver com isso? Pra mim muita coisa.

Eu vim de um lugar que me despertou vários frios na barriga. Eu sou nascido e criado num bairro periférico de Porto Alegre, onde fui exposto a muitas situações de violência e escassez desde muito menino. Ao mesmo tempo, foi o lugar onde eu fui exposto à criatividade. Foi lá onde eu aprendi a lidar com os frios na barriga. O que me salvou foi a arte: a fotografia, o Hip Hop e a poesia.

Eu estreei muita coisa. Já tive vários primeiros dias em várias funções. Já fui garçom, trabalhei com telemarketing e até entreguei materiais de construção no bairro. Já fiz um documentário em realidade virtual, uma escola de fotografia itinerante e até palestrei em inglês sobre design centrado em comunidades. Quando me experimentei como criativo, trabalhei com várias coisas, mas nunca quis ser artista, eu me encontrei quando me entendi como designer. Tenho pra mim que eu coleciono experiências, mas que só estão fazendo sentido agora, já que me fizeram chegar até aqui, escrevendo esse texto.

Essas estreias me fizeram mais resiliente, me ajudaram a lidar melhor com o frio na barriga, que foi o que me ajudou a ser mais consciente sobre meu trabalho. Minha missão hoje é gerar esse frio na barriga das pessoas que usam os produtos e serviços que eu crio. Porque a gente tá sempre criando futuros e esse é um trabalho que exige consciência. Já imaginou se mais pessoas soubessem que podem fazer Design e projetar um amanhã mais justo? Mas isso é ideia para outro texto.

Apesar de tudo espero que você volte, para sentir esse frio na barriga junto comigo. Aqui, nesta coluna, quero que seja um convite pra você imaginar futuros melhores. E, mais do que isso, te provocar a criá-los, através de um Design menos casual de luxo e mais pé-no-barro.

Rafael Bittencourt atua como Head of Discovery em projetos de inovação na Round Pegs. Tem uma jornada transversal: começando na periferia de Porto Alegre, passando pela sede da ONU em Nova York, onde exibiu o mini documentário em realidade virtual Cipó de Jabuti, e atualmente tangibiliza projetos disruptivos para grandes empresas nacionais, como Locaweb, Sicredi e Conasems. Acredita que o Design, orientado para inovação social, pode ser um vetor para criação de futuros mais justos e prósperos