O Dia Internacional das Mulheres não pode ser reduzido a flores e chocolates, a data deve destacar as lutas das mulheres, que são oprimidas e exploradas por nascerem em uma sociedade organizada sob o patriarcado

Neste 8 de março, não queremos presentes. Sim, gostamos de flores, chocolates e produtos de beleza, mas estamos cansadas de ver o Dia Internacional das Mulheres esvaziado e reduzido a estereótipos que reforçam uma construção machista sobre o papel que a mulher ocupa na sociedade. O 8M não é uma data comercial. Nós mulheres, somos uma das classes mais vulneráveis dentro do sistema patriarcal e, portanto, precisamos que nossas lutas sejam visibilizadas e reconhecidas, nesse dia e nos outros 364.

A data existe para que possamos tratar das questões particulares, as quais as mulheres estão submetidas, simplesmente por serem mulheres em uma sociedade hierarquizada e organizada de acordo com interesses e valores dos homens. Isso faz com que mulheres sofram variadas formas de discriminação e violência em todos os âmbitos de suas vidas (trabalho, social, privado e político).

Um relatório recém-lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz dados sobre diferentes formas de violência física, sexual e psicológica sofridas por mulheres em 2022. Em comparação com as pesquisas dos anos anteriores, TODAS as formas de violência contra a mulher apresentaram um crescimento acentuado no último ano. As agressões físicas e os abusos sexuais e psicológicos, de acordo com a pesquisa, se tornaram ainda mais frequentes na vida das brasileiras. O assédio sexual, seja no ambiente de trabalho ou no transporte público, atingiu recordes assustadores. Os dados apontam que 46,7% das brasileiras (30 milhões) afirmam ter sofrido alguma forma de assédio em 2022 e 18,6% (11,9 milhões) receberam cantadas e comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho.

Por falar em ambiente de trabalho, um estudo elaborado pela organização Think Olga indica que a participação das mulheres no mercado de trabalho formal tem o pior cenário em 30 anos: “elas estão desempregadas, sem renda e sem perspectivas de mobilidade social”. Essa situação pode acarretar inúmeras consequências como o aumento de violência doméstica, a falta de perspectivas de futuro e um menor potencial de criação. Ainda, o Instituto de Pesquisa Aplicada – IPEA – mostra que, em 2021, na retomada econômica “pós” pandemia, 230,2 mil vagas formais criadas foram ocupadas por homens ao mesmo tempo em que as mulheres perderam 87,6 mil postos de trabalho.

Na indústria da moda, área onde atuo, e onde mulheres somam pelo menos 60% da força de trabalho no Brasil, isso não é diferente. Aqui, as mulheres, apesar de serem a maioria, também estão em uma posição de maior vulnerabilidade e expostas a diversos tipos de exploração e abusos no ambiente de trabalho ao longo de toda a cadeia de valor. Participei da produção de um material que compila dados sobre os direitos das mulheres no setor que mostra como questões de desigualdade salarial entre os gêneros, dificuldades para chegar a cargos de chefia e violência sexual são, infelizmente, muito comuns.

Ainda, destacamos na publicação que para além dos abusos dos direitos humanos normalmente encontrados na cadeia produtiva da moda (a indústria do vestuário é a segunda que mais coloca as pessoas em risco de trabalho análogo ao escravo no mundo) as mulheres podem sofrer outros tipos de exploração relacionadas à gênero, como assédio e abuso sexual, e estão mais propensas à violência física, psicológica, moral e sexual no trabalho.

A falta de segurança e condições precárias de trabalho também tendem a afetar mais as mulheres no que tange sua saúde, ocasionando desde infecção urinária (ao serem expostas a substâncias químicas tóxicas sem a proteção adequada) até aborto. Um estudo feito com mulheres no sul do Piauí expostas ao glifosato, agrotóxico usado no cultivo do algodão, apurou que uma em cada quatro grávidas sofreu aborto espontâneo e cerca de 83% das mães estavam com o leite materno contaminado.

Além disso, ao olharmos de forma interseccional às condições das mulheres na cadeia da moda, encontramos uma desigualdade salarial entre mulheres de diferentes raças, sendo que as negras e indígenas recebem remunerações menores se comparadas às brancas, como indica o relatório “Mulheres na Confecção: Estudo sobre gênero e condições de trabalho na Indústria da Moda”, publicado no final de 2022. O estudo aponta ainda que, entre as refugiadas e migrantes, que contemplam uma parcela expressiva das trabalhadoras indígenas, há vulnerabilidades específicas que dificultam o acesso delas a condições dignas de trabalho, como a não regularização da situação migratória no país, o medo de deportação, a falta de moradia, a não validação do diploma e as barreiras para acessar serviços bancários e crédito.

Então, nesse 8 de março – e nos outros 364 dias – no lugar de presentes queremos a promoção de debates e reflexões, queremos nossos direitos reconhecidos e garantidos, queremos legislações robustas que contemplem nossas pautas, queremos maior participação nos espaços de poder e tomada de decisão, queremos segurança, queremos igualdade, queremos moradia, educação, saúde e alimentação de qualidade, queremos que nossas vozes sejam ouvidas.

Falo no plural, não porque represento todas as mulheres, mas em respeito a tantas que vieram antes de mim, às que caminham ao meu lado e às que ainda virão e persistirão em reivindicar nossos direitos. As lutas em favor dos direitos das mulheres são antigas, são contínuas, são extremamente necessárias, dizem respeito aos homens também e requerem nosso envolvimento o ano inteiro, todos os anos, até que finalmente a gente consiga autonomia, liberdade, justiça e o fim do patriarcado.

*Por Eloisa Artuso, pesquisadora, designer estratégica e educadora com foco em justiça socioambiental na intersecção entre clima, gênero e moda. É cofundadora do Instituto Febre e do Fashion Revolution Brasil e professora de design sustentável no IED-SP. @eloartuso / eloisaartuso.com

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