Na última sexta-feira, 01 de setembro, alunos e profissionais de duas escolas estaduais de Pernambuco foram hospitalizados devido a sintomas de intoxicação alimentar causada pela merenda escolar. Os casos ocorreram nos municípios de Paulista, onde o número de alunos internados não foi divulgado, e em Jaqueira, onde 30 pessoas, entre alunos e profissionais, foram atendidas após apresentarem vômito, diarreia e desidratação.

Em Paulista, o Sindicato dos Professores da cidade e o Conselho de Alimentação Escolar denunciaram irregularidades na merenda, apresentando casos em que foram encontradas larvas nas refeições e denunciando a má higienização dos utensílios de cozinha, além da falta de alimentos na Escola Estadual Professora Maria Alves Machado. Também há queixas sobre cozinhas depredadas, pia improvisada e alimentos mal acondicionados, além da precariedade nutricional.

Pernambuco tem enfrentado uma série de casos de irregularidades na alimentação escolar. Em março deste ano, em Jaboatão dos Guararapes, pais denunciaram que, por mais de duas semanas, seus filhos foram liberados 2 horas mais cedo da Escola Estadual de Referência Monte Verde devido à falta de alimentos para os alunos. A escola, que deveria funcionar das 7h às 14h, estava liberando mais de 600 alunos ao meio dia, justamente na hora do almoço.

“A escola está sem merenda há mais de semanas, desde antes do Carnaval”, relatou a mãe de uma aluna.

A direção da escola informou em uma entrevista ao UOL que os alunos estavam sendo liberados mais cedo porque a unidade escolar estava racionando a merenda para atender aos alunos dos três turnos. Na época, as merendeiras contratadas de forma terceirizada pelo estado de Pernambuco estavam em greve devido ao atraso de três meses no pagamento dos salários e das passagens de ônibus para se locomoverem até o trabalho. No entanto, o UOL não conseguiu estabelecer uma ligação direta entre a paralisação e a falta de merenda.

Em abril, as denúncias sobre a má qualidade da merenda e a escassez de alimentos suficientes para a alimentação escolar chegaram à Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, através das alunas Roberta Pontes, representante da União Metropolitana de Estudantes Secundaristas (UMES), e Ingrid Vitória, aluna da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) João Bezerra, ambos na capital pernambucana. Os relatos das alunas foram apresentados à Comissão Especial (CE) de Combate à Fome.

“Há escolas que liberam os alunos mais cedo por não terem como garantir o almoço, por exemplo, mas que deram a merenda da manhã. Já outras liberam os alunos sem oferecer um único lanche. E tem também a questão da qualidade: tem estudante comendo só sardinha a semana inteira, só bolacha com suco”, relatou Roberta.

Após uma série de denúncias sobre a merenda escolar no estado, a governadora Raquel Lyra (PSDB), que tomou posse no início deste ano, se pronunciou após o lançamento do programa “Juntos pela Educação”, uma iniciativa do governo estadual que, segundo ela, aumentará a compra de alimentos da agricultura familiar. O governo estadual também informou que intensificou as vistorias no estoque, produção e distribuição dos alimentos.

“Nós vamos investir muito mais na regionalização e nos recursos da agricultura familiar. No ano passado, foram gastos R$ 17 milhões. Neste ano, vamos para além de R$ 35 milhões”, disse a governadora.

Raquel Lyra chegou a ser vaiada e cobrada sobre a merenda escolar em dois eventos públicos em Pernambuco. No primeiro, em março, durante a posse da nova presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Márcia Aguiar, estudantes, incluindo Inaldo Lucas, vice-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas de Pernambuco (UBES-PE), cobraram a governadora sobre o pagamento da merenda das escolas da rede estadual. À pergunta “Governadora, cadê a merenda dos estudantes?”, feita por Inaldo, Raquel respondeu de forma vaga e pouco esclarecedora: “É sobre isso”. Na ocasião, o ministro da Educação, Camilo Santana, estava presente.

Em junho, em uma agenda com o presidente Lula no município de Paulista, onde ocorreram as intoxicações alimentares pela merenda escolar na última semana, Raquel Lyra foi novamente vaiada. Dessa vez, a governadora abriu um parêntese em sua fala para responder ao público.

“[…] Vou fazer apenas um parêntese, para aqueles que estão perguntando sobre a merenda. Vocês acabaram de pedir ao presidente que construísse um refeitório, ou seja, não está tudo pronto. A gente lançou na última sexta-feira, com todos os prefeitos de Pernambuco, o maior programa de investimento na educação pública do nosso estado, são R$ 5 bilhões”, declarou a governadora, se referindo aos investimentos no programa “Juntos pela educação”.

Com os aumentos nos repasses do Ministério da Educação para a alimentação escolar, Pernambuco recebeu R$ 111,3 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a merenda escolar no primeiro semestre de 2023. Entre as cidades, a capital Recife recebeu o maior volume de investimentos, com R$ 6,1 milhões. Na sequência dos três primeiros municípios que mais receberam repasses para custear a alimentação dos estudantes estão Petrolina, com R$ 3,8 milhões para 56,5 mil alunos, e Jaboatão dos Guararapes, com R$ 3,59 milhões para 64,6 mil estudantes. O repasse representa um aumento de 34,1% em relação a 2022.

Durante sua campanha, a governadora, apelidada por seus apoiadores de “Racreche”, prometeu a abertura de 60 mil vagas em creches do Estado em parceria com os municípios. A educação foi uma das principais pautas da então candidata, que estabeleceu metas de ampliação do regime de ensino integral a partir do fundamental 2, requalificação da estrutura física das escolas estaduais e formação continuada e valorização para os professores.

No entanto, logo após tomar posse, Raquel indicou Ivaneide Dantas, uma bolsonarista, para a Secretaria de Educação. Isso surpreendeu estudantes, professores e profissionais da educação, que esperavam a nomeação de alguém com experiência na área de educação, como um pedagogo ou professor.

Nos primeiros três meses de governo, a avaliação da educação no estado como um todo levantou questionamentos. Desde a não convocação dos 2.907 docentes aprovados no concurso da Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE) até as irregularidades na merenda e no pagamento das merendeiras contratadas de forma terceirizada. Sobre a falta de alimentos nas escolas em março, uma das gestoras confirmou ao site Leia Já os problemas de abastecimento que vinham comprometendo a merenda.

“Realmente, Raquel [Lyra] não mandou mais merenda, né? A gente está trabalhando com o que tem de insumo, feijão, arroz, que aqui a merenda da escola é escolarizada, feita na escola. A gente está trabalhando com o que tem ainda. O que está sendo mandado é leite, pão, que são coisas que vêm para a semana”, relatou.

Entre 2017 e 2022, Raquel Lyra foi prefeita de Caruaru, na região nordeste do estado de Pernambuco. Nesse período, também foram encontradas irregularidades na merenda escolar das escolas municipais e federais da cidade. Em 2018 e 2019, mães de alunos relataram que foram encontradas larvas na merenda do Colégio Municipal Álvaro Lins, em Caruaru. Suspeita-se que os insetos tenham aparecido nos alimentos devido à má preservação. Também foram relatados casos em que o feijão estava fora da validade e carnes que seriam reaproveitadas no ano seguinte.

No ano de 2017, o Ministério Público Federal (MPF) iniciou uma investigação sobre contratos fechados com empresas para o fornecimento de merenda para a Rede Municipal de Ensino de Caruaru. De acordo com um relatório da Controladoria Geral da União (CGU), duas empresas se revezavam na participação da titularidade e do certame dos contratos com a cidade. As investigações apontavam uma possível irregularidade na contratação das empresas, que foi feita sem licitação. Na época, a prefeitura informou através de uma nota que os processos de dispensa de licitação tramitaram sem irregularidades e que não tinha como saber se as empresas estavam ligadas uma à outra.