Dos 21 parlamentares presentes na sessão desta quarta-feira (15), apenas dois foram contrários à proposta que ameaça proteção ambiental

Lúdio Cabral, que aqui aparece na tribuna, apresentou requerimento para audiência pública e emenda, que foi rejeitada (JL Siqueira/ALMT)

Com uma tramitação acelerada desde que foi apresentada pelo governador Mauro Mendes no final do ano passado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 12/2022 foi aprovada em primeira sessão na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), nesta quarta-feira (15).

Ela condiciona a criação de novas unidades de conservação (UCs) à regularização fundiária de 80% das unidades já existentes. O Estado teria um prazo de no mínimo dez anos para implementação do programa.  

Dos 21 parlamentares presentes, apenas dois votaram contra: os deputados Lúdio Cabral e Valdir Barranco, ambos do PT. 

A PEC surgiu de surpresa na Ordem do Dia desta quarta-feira (15). Ela não constava entre os assuntos da sessão anunciada na terça-feira (14), dia oficial de divulgação das pautas. Os nomes dos novos parlamentares membros da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), incluindo deputados em primeiro mandato, foram definidos e divulgados ontem e, no início da manhã desta quarta-feira, já estavam convocados para a reunião de instauração da comissão. 

Na sequência, os deputados “reciclaram” o mesmo parecer da legislatura anterior, sem que houvesse qualquer discussão ou debate aprofundado. Organizações da sociedade civil questionam se os deputados teriam tido tempo hábil para analisar o parecer, a ponto de já levar a PEC à sua primeira votação.  

Com a sessão ordinária em curso, os deputados votaram um requerimento de audiência pública do deputado Lúdio Cabral (PT) que também previa a suspensão da tramitação da PEC até a realização da audiência. 

Depois de perceberem que a aprovação do requerimento estava vinculada à suspensão da tramitação, rapidamente cancelaram seus votos e votaram novamente. Desta vez, contra a realização da audiência que garantiria o direito da população mato-grossense de participar e refletir sobre a proposta.  

Em outra iniciativa para provocar o debate, na semana passada, o deputado Lúcio Cabral já havia apresentado uma emenda sugerindo a exclusão do artigo 1º, que vincula a criação de novas unidades à regularização fundiária a 80% das unidades já existentes, e mantivesse apenas o 2º, para que o Estado tivesse um prazo mínimo para regularizar as unidades de conservação já existentes. Mas a emenda foi rejeitada. 

O secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira, lamentou que a sociedade tenha sido excluída do processo.  

“Mais uma vez a Assembleia Legislativa demonstra que não tem nenhuma autonomia e que não vota segundo os preceitos de proteção socioambiental e os interesses da sociedade, que sequer foi convidada para debater a proposta. A ALMT vota a favor apenas de um grupo econômico, a quem a maioria dos parlamentares tem vinculação e estão legislando praticamente em causa própria”, apontou.

Para Herman a influência direta do governo se mostrou patente. “A visita do governador aos parlamentares da nova legislatura e o pedido de urgência de uma matéria que não tem realmente urgência demonstra que ele quer anular os aspectos de proteção inerentes ao zoneamento, a exemplo da criação do Parque das Águas, na região do Araguaia; a proteção no Guaporé e no Pantanal”, disse. 

Inconstitucionalidades

Em uma ação conjunta, o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad-MT) e o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) já haviam emitido alerta sobre a inconstitucionalidade da proposta, aos deputados da legislatura anterior. 

Foi protocolada na ALMT uma nota jurídica com pontos inconstitucionais que divergem da legislação ambiental e da Constituição Federal. As organizações demandaram a rejeição da proposta.

O Formad e o Observa-MT alertam também sobre a postura da ALMT em negar o envolvimento da sociedade na discussão de pautas que, como esta, estão intrinsecamente ligadas à vida da população mato-grossense, que ameaçam a biodiversidade do Estado e defendem que os membros da CCJR discutam com rigor seus pareceres nos termos da Constituição. 

A consultora jurídica e de articulação do Observa-MT, Edilene Fernandes do Amaral relembra que o que se viu hoje na ALMT vai na contramão do prometido pelo governador Mauro Mendes quando participou presencialmente da primeira sessão desta legislatura. 

“Ele declarou que haveria debate mais aprofundado de projetos do Executivo, mas o que vimos hoje foi justamente o contrário. Ao que parece, muito coordenados, os deputados ignoraram todos os apelos por mais discussão sobre os impactos futuros da PEC. Foi uma ‘tramitação-relâmpago’”, observou. 

“Se a PEC for aprovada estará sepultada a possibilidade do estado criar novas unidades de conservação por pelo menos dez anos. É um retrocesso sem tamanho, enquanto o mundo pensa iniciativas de enfrentamento à crise climática. Não se pode querer só aumentar produção sem levar em conta que sem florestas e sem as águas ela se tornará inviável no futuro. Perde Mato Grosso, perde o Brasil, perde o mundo todo.” 

As Unidades de Conservação no Estado de Mato Grosso somam um território que abrange cerca de 5,2% do Estado e são essenciais à manutenção da água e recursos hídricos, da biodiversidade e dos padrões climáticos. Além disso, muitas dessas áreas, juntamente com terras Indígenas e outros territórios de povos e comunidades tradicionais, são essenciais para a manutenção da sociobiodiversidade encontrada no Brasil.

A PEC segue para análise da Comissão Especial que precisa emitir um parecer em até dez dias.