Demissão de professora por vestir camiseta com poema “Seja Marginal, Seja Herói” gera indignação
Professora tentava ajudar amigo que confecciona camisetas em Aparecida de Goiânia, Goiás
Uma professora foi demitida de uma escola particular de Aparecida de Goiânia, em Goiás, por postar uma foto vestindo uma camiseta com o poema “Seja Marginal, Seja Herói”, uma reprodução da obra de 1968 do artista Hélio Oiticica.
A demissão ocorreu após divulgação feita pelo deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO). A atitude do deputado em expor a professora nas redes sociais, além de representar uma intromissão em assuntos internos da escola, também atenta contra a liberdade de expressão e os direitos trabalhistas dos professores. O sindicato da categoria classificou o caso como uma “distorção absurda”.
Em uma sociedade democrática, a liberdade de expressão é um direito fundamental que deve ser respeitado. Opiniões e ideias devem ser acolhidas e debatidas, desde que não violem os direitos de outras pessoas. Além disso, a demissão discriminatória ou injusta de professores é uma afronta aos seus direitos trabalhistas e pode gerar consequências graves para a educação e a sociedade como um todo.
A demissão da professora foi concluída uma semana após o caso vir à tona. Segundo a professora, ela costuma usar camisetas de obras de arte nas aulas como forma de incentivar o interesse dos alunos, e a postagem da foto com a camiseta fazia parte da divulgação do trabalho de um amigo que as confecciona. No entanto, a atitude dos donos da escola em demiti-la sem justificativa plausível é preocupante e demonstra um desrespeito com a educação e a cultura.
O Colégio Expressão, onde a professora trabalhava, não quis comentar a demissão. Em uma nota divulgada na rede social direcionada aos pais e responsáveis, a escola afirmou que “a escola não é lugar de propagar ideologias políticas, religiosas ou preconceituosas”, sem se referir diretamente ao fato. No entanto, é importante ressaltar que o uso de camisetas com obras de arte nas aulas pode ser uma forma de aproximação dos alunos e estimular o interesse pela cultura.
Entidades educacionais pedem punição de deputado
Quatro entidades da Educação pediram na Justiça indenização por danos morais e a exclusão de publicações de Gustavo Gayer sobre a professora.
As ações protocoladas pedem:
- Pagamento de indenização por danos morais à professora no valor mínimo de R$ 30 mil, em razão da perda do emprego após perseguição ideológica e ofensa à sua honra e imagem;
- Intimação de plataformas digitais para que excluam as publicações que expõem a professora ou mencionem as escola em que ela trabalha;
- Suspensão da página do Instituto Nossos Filhos, na qual o deputado aparece pedindo que pais denunciem os professores por “doutrinação”;
- Que Gustavo Gayer não publique mais qualquer vídeo, texto ou imagem de professores, que possam colocá-los em risco quanto à integridade física, moral ou econômica;
- Que o deputado seja proibido no que se refere à realização de eventos ou incitação à perseguição a professores que, em sua opinião, estejam realizando “doutrinação de esquerda”;
- O envio da denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) para inserir este processo no Inquérito das Fake News e nos inquéritos que apuram a conduta antiética do deputado;
- Cancelamentos das contas de Gayer nas redes sociais;
- Publicação de um vídeo de retratação para a professora.
As entidades que entraram com as ações foram: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sindipro), Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Brasil Central (Fitrae-BC) e Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego).
Sobre a obra
Nascido no Rio de Janeiro, em 26 julho de 1937, Oiticica manteve durante sua vida uma postura inovadora e crítica, em que rompeu com normas, estigmas e classificações da tradição moderna, criando categorias inéditas para agrupar seu próprio trabalho: as chamadas Ordens, como aponta Annelise Estrella Galeazzi, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Anos depois, na ditadura militar brasileira, ele formata o conceito ‘anti-arte’. No mesmo ano da primeira exposição de “Seja Marginal/Seja Herói”, em 1968, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes utilizaram a arte como parte integrante do cenário de um show na boate carioca Sucata, em meio a ascensão do Ato Institucional Número 5, que autorizou a tortura e a censura no Brasil.