Andressa Santa Cruz, especial para o portal Caros Amigos

“É preciso por um fim nessa ideia de que a Amazônia é a fazenda do mundo”

— Tica Minami, coordenadora da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil

“Florestas para agronegócio, chão para mineração, rios para hidrelétrica”, assim Sônia Guajajara, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), resume a visão do Governo Federal em relação a biodiversidade brasileira. Bastou apenas um ano na presidência, recém completado no dia 31 de agosto, para Michel Temer ficar conhecido como o governante mais nocivo às questões ambientais, roubando o posto de Dilma Rousseff.

Em agradecimento à bancada ruralista pela absolvição nas denúncias de corrupção, Temer tem barganhado nossas terras públicas e recursos naturais. Um reflexo disso é a intensificação do ataque à Amazônia e aos direitos indígenas, como ilustrou a recente tentativa de revogação da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca).

Também com o apoio do Congresso, o governo sancionou a Medida Provisória 759, que anistia grileiros, e está tentando enfraquecer o processo de licenciamento ambiental e passar um Projeto de Lei que reduz a proteção da Floresta e Parque Nacional de Jamanxim, na Amazônia paraense. Fora a política propagandista para atrair investimentos estrangeiros em solo brasileiro, como fez essa semana em viagem à China acompanhado do Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, o mesmo ministro que foi ao Canada em março desse ano para anunciar o leilão da Renca à empresas privadas.

Para Makaratu Wajãpi, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Estado do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), o decreto “foi um susto, como se fosse cair uma bomba”. Ele, assim como a maioria dos brasileiros, só ficou sabendo da extinção da reserva na semana passada. “O governo brasileiro assinou a Convenção 169 que fala que antes de fazer qualquer iniciativa que possa afetar os direitos dos povos indígenas, deve consultar os povos indígenas. E na verdade não aconteceu isso”, relata Makaratu se referindo ao texto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificado pelo Brasil que garante um parecer prévio às comunidades nativas. Atualmente, o Território Indígena Wajãpi está localizado dentro da Renca e há a preocupação com possíveis impactos da mineração em mais de 90 aldeias da região. Mas a política anti-indigenista do governo já não é novidade.

Em julho, Michel Temer assinou a decisão da Advocacia Geral da União (AGU) de só demarcar as terras indígenas ocupadas até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A medida paralisa mais de 700 processos de demarcação e fere diretamente o artigo 231 da própria CF que garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. As violações e retrocessos aos direitos indígenas são uma preocupação para todo o Brasil. Quando Michel Temer extinguiu o território dos Guarani Mbya, no Pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo, seu objetivo era possibilitar futuros empreendimentos privados no local. Em pouco tempo, os 500 hectares da área indígena podem ser substituídos por mais desmatamento e concreto.

O pior é que a Amazônia corre o mesmo risco. Se o governo continuar nesse ritmo, o mapa da maior floresta tropical do mundo será bem diferente daqui 50 anos. O Coordenador da Estratégia Indígena do Programa Amazônia da ONG The Nature Conservancy, Helcio Marcelo de Souza, defende que “as áreas mais bem protegidas do ponto de vista ambiental são as terras indígenas” e dados do Projeto Prodes e do Instituto Imazon comprovam isso. Os territórios indígenas da Amazônia Legal estão mais bem preservados do que outras unidades de conservação, sendo responsável pelo resguardo de 57% da floresta. “Qualquer política que promova respeito aos direitos indígenas, automaticamente terá uma repercussão ambiental positiva. E o contrario, naturalmente, leva a mais desmatamento e perda dos recursos hídricos, ou seja, não é bom para sociedade brasileira e não é bom para o Planeta”, destaca de Souza, que trabalha com povos nativos do Brasil há mais de 20 anos. Especialistas da Plataforma para Biodiversidade e Serviços do Ecossistema da ONU (Ibpbes) acreditam, inclusive, que os conhecimentos tribais são aplicáveis para conter danos socioambientais como as mudanças climáticas e extinção de espécies.

A coordenadora da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Tica Minami, também trabalha há quase duas décadas com a temática e acredita que se deve por um fim a ideia da Floresta Amazônica como fazenda do mundo. “O atual modelo de desenvolvimento econômico não tem esse nome por acaso. Desenvolver é você deixar de se envolver. De olhar a natureza como se fosse um lugar que você pode pegar os recursos. O que a gente quer e esta buscando é uma nova forma de se envolver com a Amazônia”, aponta a ambientalista.

A proposta é de alimentar um envolvimento com a biodiversidade ambiental e cultural amazônica, preservando não só a floresta como também os povos tradicionais que ali vivem há séculos, em uma relação sustentável com o meio ambiente. É pensando nisso que Kutanan Wayana enfatiza: “Mesmo que o governo não queira revogar, nós vamos lutar”. Ele é da etnia Wayana, cujo território, assim como dos Wajãpi, também encontra-se dentro da Renca. “E se for preciso, nós vamos lutar com nosso sangue pela garantia de nossos direitos, cultura e para defender a nossa Amazônia brasileira”.