Decreto Lei 3.199/41: um retrocesso jurídico e social para o futebol feminino
Promulgado por Getúlio Vargas, o artigo 54 proibiu que as mulheres praticassem qualquer esporte
Por Rodrígo Olivêira
A Copa do Mundo Feminina da FIFA entra em sua nona edição, e pouco se fala sobre o artigo 54 do Decreto-Lei 3.199/41 promulgado por Getúlio Vargas aqui no Brasil e que ainda traz em pleno 2023, consequências históricas, sociais e de incentivo à prática desportiva feminina no país, em especial o futebol feminino brasileiro. Mas para entender o decreto-lei promulgado por Getúlio Vargas, faz-se necessário entender o que é este dispositivo jurídico e o contexto histórico de sua aplicação.
O que é?
No Brasil, o Decreto-Lei foi uma ferramenta jurídica que revestia o seu ato com força de lei, e era assinado e muito utilizado pelo presidente da República em exercício ao longo de dois períodos: de 1937 a 1946 e de 1965 a 1988. Segundo o site do Planalto, no Portal da Legislação sobre Decretos-Leis, apesar de ainda existirem decretos-lei vigorando em nosso país, a nossa atual Constituição de 1988 não prevê mais essa possibilidade.
Sua legalidade
Por conta dessa viabilidade, Getúlio Vargas, durante o seu mandato no Estado Novo (1937-1945), promulgou o Decreto-Lei 3.199/41, cujo artigo 54 teve repercussão em todo o país, pois estava assim redigido:
“Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”
Em virtude da sua legalidade, o artigo 54 proibiu que as mulheres praticassem qualquer esporte, pois a mentalidade da sociedade à época entendia que a mulher não deveria praticá-las, já que “não era coisa de mulher”, em especial: o futebol.
Consequências
O Decreto-Lei promulgado por Vargas durou 38 anos (1941-1979) e, nesse período, a seleção masculina foi Tri-Campeã mundial (58, 62 e 70) da modalidade, enquanto que o futebol feminino foi escanteado e marginalizado pela sociedade brasileira. Após a sua queda em 1979, o futebol feminino somente foi regulamentado em 1983.
De acordo com a advogada baiana Maria Eunice Avelar, o artigo 54 “impactou de maneira significativa a prática de esportes pelas mulheres, (…) já que, na visão da sociedade patriarcal, enquanto os homens socializavam de todas as formas, às mulheres sobravam as tarefas domésticas, os cuidados familiares e o mínimo de integração.”
Em matéria de Denize Thomaz Bastos para o Jornal Nacional, da TV Globo, do dia 17 de julho, a ex-jogadora da Seleção Brasileira, conhecida como Fanta, contou como eram as falas e reações à época para com as atletas: “A gente pegou todo tipo de preconceito: que mulher não podia jogar bola, que mulher não tinha nada a ver, que tinha que lavar louça, lavar roupa. O pouco de torcida que ia pra beirada do campo eles iam justamente para hostilizar a gente”, desabafou a ex-atleta.
Ainda na mesma reportagem do Jornal Nacional, a atacante Roseli conta como eram feitas as logísticas de uniformes na seleção feminina, já que a equipe não tinha uniforme próprio: “Peguei uma camisa do Romário que eu tenho até hoje. A gente usava porque não tinha uniforme feminino, a gente tinha que usar o uniforme e devolver o uniforme, calção.”
Por conta dessa mentalidade socialmente atrasada, o desenvolvimento do futebol feminino foi duramente prejudicado, em especial nos Jogos Olímpicos, onde foram vice-campeãs em duas oportunidades (2004 e 2008).
Nas últimas oito edições oficialmente organizadas pela FIFA, o Brasil só esteve na final em 2007 na China, onde perdeu por 2×0 contra a Alemanha e ganhou o terceiro lugar em 1999 contra a Noruega após cobranças de pênaltis.
Ao se comparar com a seleção masculina, das 22 edições, o Brasil esteve em sete finais, ganhou cinco, foi vice-campeão por duas vezes, e disputou o terceiro lugar em quatro ocasiões. Ou seja, os desempenhos das duas seleções são diametralmente opostas no quesito de conquistas.
Ao falar sobre a importância que o esporte tem também na vida das atletas, Maria Eunice Avelar completa que: “O esporte sempre foi sinônimo de autoestima, de pertencimento, sendo algo que desenvolveria força física e psicológica. E restringir o acesso, através de legislação, de uma parcela da sociedade, é algo muito violento, opressor.”
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube