Da guerra ao futebol: Copa terá EUA x Vietnã 50 anos após retirada das tropas norte-americanas do território asiático
Nesta sexta (21), ocorrerá um dos confrontos mais esperados do Mundial Feminino em história que resgata o contexto da Guerra Fria e a amarga derrota de uma potência mundial
Por Rachel Motta Cardoso
A nona edição da Copa do Mundo FIFA de futebol feminino já começou repleta de destaques. Pela primeira vez, uma Copa feminina traria 32 seleções divididas em 8 grupos. Quis o destino que dois países com uma história em particular se encontrassem no Grupo E: Estados Unidos, a seleção quatro vezes campeã e em busca de seu quinto título, e o Vietnã, a equipe asiática que conseguiu sua primeira classificação para uma Copa do Mundo. As estreantes foram sorteadas logo para uma chave considerada difícil, pois ainda conta com Portugal, outra equipe que joga a competição pela primeira vez, e Holanda. Aliás, estas duas equipes também têm muita história fora do campo para contar, mas isso já é tema para outro texto.
Enfim, podemos até dizer que é um grupo de “confrontos históricos”, mas o melhor seria dizer que é um grupo que tem uma história bélica que vai além do futebol. A relação conflituosa entre Estados Unidos e Vietnã é uma das marcas de um período que conhecemos como Guerra Fria, quando o mundo foi dividido entre as grandes potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética. Um mundo dividido entre os sistemas capitalista e socialista, que conheceu diversos tipos de lutas de países que buscavam se libertar das amarras dos seus antigos países coloniais. Um desses exemplos é justamente o Vietnã, que viveu em sucessivas guerras buscando a sua unificação.
A relação conflituosa com os Estados Unidos surge justamente ao longo desse processo, quando um país dividido após uma guerra busca sua unificação, mas se vê dividido pela lógica da Guerra Fria. Esse confronto ganhou inúmeros filmes em Hollywood e ficou conhecido como Guerra do Vietnã, tendo seu início em 1959 e seu fim em 1975.
A partida entre Estados Unidos e Vietnã ocorrerã nesta sexta-feira (21), às 22h (horário de Brasília), no Eden Park, em Auckland, Nova Zelândia. O jogo pode ser conferido na SporTV, Cazé TV (Youtube e Twitch), Globoplay ou plataforma de streaming Fifa+.
Os antecedentes
Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a vitória dos Aliados (inicialmente com França, Reino Unido e Polônia), contra o Eixo (a aliança militar composta por Alemanha, Itália e Japão), dois países se destacaram: Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O mais interessante é que ambos não figuravam entre os países beligerantes no início. Os EUA passaram a compor a aliança militar dos Aliados apenas em 1941, após o ataque sofrido em Pearl Harbor.
Naquele mesmo ano, no mês de dezembro, a União Soviética também faria parte desta aliança após ter seu território invadido pelos alemães. Após o longo período em guerra, o continente europeu se via enfraquecido, o que favoreceu as guerras de libertação de suas antigas colônias a partir de 1945/46. Era a ruína dos velhos sistemas coloniais, como diria Eric Hobsbawn e uma região em particular despertava a atenção: o sudeste asiático.
Era ali, na Indochina francesa, que teríamos uma guerra que durou quase 10 anos e a independência de três regiões: Laos, Camboja e Vietnã. Entre 1946 e 1954, a Guerra da Indochina representou a resistência destes três países ao colonialismo francês. Durante o conflito, a França recebeu o apoio dos britânicos e, posteriormente dos Estados Unidos, mas foi derrotada e obrigada a se retirar daqueles territórios. No entanto, os norte-americanos impediram a unificação do Vietnã, mantendo o país dividido: o Vietnã do Norte era liderado por Ho Chi Min e apoiado pela União Soviética e China; enquanto o Vietnã do Sul contava com o apoio dos EUA e era governado por Bao Dai, que mantinha um governo monárquico e com capital em Saigon.
O fim da guerra da Indochina e a retirada das tropas francesas não significaram o fim dos conflitos internos no Vietnã. Agora, tínhamos um país dividido em que uma região tentava dominar e fazer com que o seu sistema econômico e ideológico superasse o da outra. Enquanto isso, os Estados Unidos temiam o avanço das tropas do norte e a vitória dos comunistas. Era o início da Guerra do Vietnã.
A Guerra do Vietnã ou A Guerra de Resistência contra a América
Enquanto o Vietnã do Norte via a unificação de seu país como mais um passo para a vitória contra o sistema colonial, os Estados Unidos apoiavam o Vietnã do Sul baseados na ideia de que uma derrota local levaria ao avanço do comunismo. No entanto, a presença dos norte-americanos já se dava desde a década de 1950, quando conselheiros militares foram enviados a fim de auxiliar a resistência francesa contra os revoltosos. As tropas americanas permaneciam no local, mesmo com o fim da Guerra da Indochina.
No entanto, foi apenas em 1964, quando o contratorpedeiro USS Maddox (DD-731), que também operou na Guerra da Coréia (1950-1953), foi supostamente atacado pelo Vietnã do Norte na ocasião que ficou conhecida como Incidente do Golfo de Tonkin, em 1964. Era o pretexto para que o Congresso dos EUA aprovasse a autorização do presidente Lyndon Johnson, aumentando o efetivo militar na região e levando o conflito a maiores proporções. A partir de 1965, as unidades de combate começam a chegar na região. Era o início de um dos conflitos mais violentos da história das guerras após a Segunda Guerra Mundial.
Foram anos de confrontos entre as tropas do sul, com o apoio dos Estados Unidos, contra a resistência de rebeldes no Vietnã do Sul, que eram conhecidos como vietcongues, um apelido da Frente de Libertação Nacional do Vietnã do Sul. O conflito se estendeu às outras regiões que haviam se libertado do colonialismo francês. Laos e Camboja também sofriam com os ataques aéreos da Força Aérea norte-americana. As bombas de Napalm, altamente incendiária, e agente laranja, um herbicida com efeito ambiental devastador, marcariam gerações após gerações dos habitantes dos três países.
No auge do confronto, os EUA tinham aproximadamente meio milhão de soldados no Vietnã. Até 1968, o governo norte-americano estava convencido de que a guerra seria vencida pelo seu país. As tropas do Vietnã do Norte haviam sido contidas pelo General William Westmoreland, que era o responsável pelas ações dos EUA no Vietnã, em função da forte presença de blindados e de sua força aérea. Seu objetivo era terminar o conflito até 1967 e com a autorização do presidente Johnson. Diante desse cenário, os norte-americanos entendiam que a vitória era apenas uma questão de tempo. Mas a Ofensiva do Tet, em 30 de janeiro, mudou tudo.
Para a população local o Tet é o feriado mais importante do país e foi justamente essa data a escolhida para um levante das tropas do Exército do Vietnã do Norte com o apoio dos vietcongues. Um dos principais alvos da investida era a Embaixada dos EUA. O motivo? Atingir a opinião pública daquele país. A ação durou quase uma semana e resultou em quase 80 mil baixas dentre os norte-vietnamitas. Do ponto de vista militar, os esforços não tiveram tanto impacto, mas o objetivo foi alcançado.
A Guerra do Vietnã foi considerada a primeira “Guerra Televisiva” e estima-se que cerca de 93% dos lares americanos tinham TV. Foram justamente as cenas de combate ao redor do complexo dos EUA em Saigon, a capital do Vietnã do Sul, durante a Ofensiva do Tet, que marcaram e mudaram a opinião pública, que passou a se colocar contra o conflito ao perceber que a região não estava dominada como afirmava o seu general. A partir de então, a cobertura passa a ser desfavorável à guerra, com imagens de civis sendo mortos, mutilados e torturados. A repercussão foi tão negativa que levou à queda do presidente Johnson, que desistiu da reeleição em 1968, e de seu general Westmoreland, que comandava as operações dos EUA na região desde 1964 e foi removido do território vietnamita. Depois deste fato, o Congresso dos Estados Unidos se recusava a liberar os recursos necessários para o envio das tropas americanas ao Vietnã.
A estratégia de ação dos EUA na região muda com a chegada de Nixon à presidência. Agora, a estratégia era auxiliar o fortalecimento das tropas do Vietnã do Sul, fazendo com que seu Exército fosse capaz de resistir e avançar sobre os rebeldes e as tropas do Norte. Esse processo já havia sido defendido pelo antecessor de Lyndon Johnson, o presidente John Kennedy, que fora assassinado em 1963. Contudo, ainda que com efetivo reduzido, as ações aéreas dos EUA permaneciam destruindo grandes regiões de civis, o que só deixava a opinião pública do país mais resistente ao confronto. Finalmente, em 15 de janeiro de 1973, o presidente Richard Nixon anuncia a suspensão das atividades ofensivas de seu país no Vietnã.
A batida em retirada
Após a declaração de Nixon, há a assinatura dos Acordos de Paris, em 27 de janeiro, encerrando oficialmente a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. A partir desta data, os norte-americanos teriam até 60 dias para retirarem suas tropas do território vietnamita. Em março de 1973, os EUA retiram seus militares da região, permanecendo apenas aqueles responsáveis pela segurança de sua Embaixada.
A guerra só terminaria em 30 de abril de 1975, quando o Exército Popular do Vietnã domina Saigon e acaba com os últimos focos de resistência. Era a unificação do território e a vitória do Norte contra o Sul.
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube