Da Amazônia a Cannes, conheça Isabela Catão, destaque do audiovisual amazonense
“Manaus me ajudou a construir minha carreira”, disse a atriz, que integra o elenco de Motel Destino.
Por Anna Paula Costa
Da Amazônia a Cannes, a atriz amazonense Isabela Catão ampliou ainda mais seus laços na carreira audiovisual após integrar o elenco do filme “Motel Destino”, do cineasta brasileiro Karim Aïnouz. No mais importante evento do cinema mundial, ela esteve junto à equipe do longa na busca da Palma de Ouro.
Bacharel em Teatro pela Universidade do Estado do Amazonas, Isabela concorreu com mais de 500 atores e atrizes para conquistar a vaga em “Motel Destino”. Sua experiência veio da companhia de artes cênicas Ateliê 23, de Manaus (AM), onde atuou por 5 anos, de 2014 a 2019. De lá pra cá, estrelou várias peças de teatro e também é um rosto constante em curtas-metragens amazonenses. Protagonista de “O Barco e o Rio”, do manauara Bernardo Ale Abinader, o curta conquistou nada menos que 5 kikitos no Festival de Gramado, incluindo Melhor Curta e Júri Popular. Antes de “Motel Destino”, Isabela alçou voos nacionais com participação na série “Aruanas” (Globoplay).
Isabela abre nossa “Resenha”, um quadro novo da Casa NINJA Amazônia voltado à apresentação de artistas amazônicos dos mais diversos setores. Em entrevista exclusiva, Isabela expressou seu desejo de continuar estudando e se preparando para futuros projetos, incluindo um trabalho em Belém e alguns longas-metragens previstos para o próximo ano. Ela também chamou atenção para a necessidade de maiores investimentos em políticas públicas voltadas para artistas da região, sugerindo a criação de centros culturais e cursos técnicos prolongados que possam capacitar artistas fora do âmbito universitário. “Apoiar o artista não é só abrir editais, é pensar em toda a estrutura que permita ao artista se manter e crescer em sua profissão”, afirmou.
Confira abaixo a entrevista completa:
Queríamos saber do seu trabalho nacional mais recente. Como foi o Motel Destino, e sua ida para Cannes?
Eu acho que a experiência de trabalhar com o Karim (Ainouz) foi muito especial, ele é um diretor extremamente generoso, cuidadoso e sensível. Isso foi uma coisa muito boa que aconteceu na nossa, na minha vida assim como atriz, sabe? Porque a gente costuma olhar muito pouco de fora e às vezes não se dá conta que a gente está construindo uma trajetória. Então eu acho que ter cruzado com Karim durante a minha trajetória e construção da minha carreira como atriz foi muito fundamental.
É claro que aqui em Manaus eu também admiro outros diretores. E também foi fundamental ter trabalhado com eles, mas quando eu penso em mudanças de vida, um arco de transformação de carreira é a experiência que eu tive no “Motel Destino”. E Cannes foi uma experiência realmente muito coletiva, sabe?
Eu não conseguiria chegar sozinha em Cannes, primeiro por conta da vaquinha que eu fiz e por outras mulheres que estiveram comigo que me ajudaram a chegar nesses lugares como a Júlia Magalhães, a Indiara Bessa, a Laís Neves, a Letícia Scantbelruy, Eben Santana, todas foram fundamentais, elas conheciam outras pessoas que poderiam unir parcerias comigo, seguraram na minha mão e falaram “não, você vai chegar lá!”. Além delas, o Maurício Duarte, o Caio Pimenta, Camila Henriques… essas pessoas foram fundamentais no meu preparo até chegar a Cannes. Ele é um recorte ali, é algo diferente, é uma experiência, né? E aí quando eu chego lá eu me deparo com os atores, me deparo com algumas pessoas da equipe técnica e me conecto com essas pessoas de maneira muito afetuosa. São memórias que vem de um trabalho que foi muito especial para mim. Então eu penso em Cannes como esse lugar de uma experiência coletiva, os atores e as atrizes que estavam comigo sentiam a mesma coisa. Estavam muito felizes de estar ali.
Eu acredito que a realidade dos atores cearenses é bem parecida com a realidade dos atores e atrizes da região Norte no sentido de ter poucas oportunidades e até mesmo no âmbito de conseguir permanecer sendo atores e atrizes devido às coisas externas que acabam puxando. Então a gente estava vivendo algo muito especial que é um festival de Cannes, que tem uma projeção mundial e foi bem especial estar com eles assim, e eu acredito que é isso assim, estar com Karim e viver essa experiência coletiva.
Como você sente o impacto de ter se formado como artista no Amazonas? Como você avalia sua visibilidade e projeção nesse cenário?
A gente nunca chega em lugares sozinhas, então eu acho importante pensar no que me oportunizou ser uma atriz de teatro, primeiramente. Desde a universidade, trabalhar com grandes diretores que a gente tem na cidade, me levou de certa forma a ser amparada. Acho que foi uma troca recíproca, entende? Comecei no teatro e aí depois eu fui para o cinema e aí que eu conheci o Bernardo Abinaber, que é uma figura muito importante para mim quando eu falo do cinema em Manaus. Ele me aproximou dessa linguagem do cinema e me fez entender como funcionava uma equipe no cinema. Respondendo muito na prática a sua pergunta, eu acho que construir a minha carreira como atriz em Manaus me permitiu me aproximar da minha arte mesmo, eu consigo ser atriz na minha cidade, eu consigo às vezes me manter financeiramente – não completamente, é claro.
Um amigo uma vez falou assim: “Nossa, você emenda um trabalho no outro, né? Quando eu vejo você tá sempre em outras produções.” E aí depois eu parei para refletir porque ele não falou de uma maneira positiva. Parei para pensar sobre isso quando na verdade eu trabalho porque eu amo ser atriz e porque eu preciso trabalhar. A questão não é eu estar emendando um trabalho no outro. Não é uma escolha minha. Se é para mudar isso então oportunizem outras atrizes também, queiram estar com elas porque, no fim das contas, não é uma escolha minha.
Eu tenho muita gratidão pelos diretores confiarem em mim seus projetos e eu acho que Manaus me ajudou mesmo a construir minha carreira, sou muito grata nesse sentido. Mas é importante a gente pensar que é muito difícil sobreviver a circunstâncias como artista dentro de Manaus, no Amazonas. Eu digo Manaus porque é a cidade onde eu moro. Mas quando a gente fala interior é muito mais difícil para as pessoas conseguirem permanecer sendo artistas. Às vezes as políticas públicas não chegam lá.
Manaus me ajuda a continuar, a permanecer sendo atriz, cada vez que um diretor me escolhe para contar suas histórias, para ajudar a contar as histórias de mulheres que moram aqui.
Enquanto artista multifacetada, onde que você enxerga o que você consegue se conectar melhor, se expressar melhor? Seria no teatro, audiovisual, cinema…?
Eu consigo estar onde me permita permanecer nesse lugar, independente do cinema ou do teatro. Existem lugares incríveis, que tem toda a estrutura, mas você não se sente bem nesses ambientes, sabe? Você não se sente valorizado. Você não se sente respeitado. E eu digo respeito no sentido de profissionalismo. A pessoa não precisa me amar, mas ela precisa me respeitar dentro de um ambiente. Então, independente se é no teatro ou no cinema ou na TV, eu me sinto bem onde existe um mínimo de profissionalismo e uma história coerente, é isso que me faz aceitar os trabalhos
Como você se sente agora tendo contato com grandes nomes da da arte brasileira, como é estar nesse meio para você?
Ah eu tento agir, eu tento me perceber nesses lugares, sabe? Eu tento ir conhecendo, me percebendo nesses lugares e me adaptar um pouco, não ser passiva, mas me adaptar às demandas que esse lugar, esse ambiente me traz. Hoje eu procuro observar muito bem como funciona esse ambiente e tento me adaptar.
E eu acho que eu tenho horror a fama, eu tenho horror. Eu acho muito perigoso, muito tóxico. E eu vejo que você vai perdendo aos poucos as relações verdadeiras com as pessoas e eu valorizo muito a relação, eu valorizo muito o olhar no olho. Claro que você não consegue ter isso com todo mundo, mas hoje eu prezo muito por isso, sabe? De conhecer realmente o trabalho dos artistas por quem eu sou convidada, entender se a gente tem afinidades. Claro que ainda não tenho liberdade de escolha para negar tudo que eu gostaria, porém quase sempre eu dou uma estudada. E as pessoas são muito maravilhosas, sensíveis, eu não tenho muito do que reclamar das pessoas que eu conheci quando saí de Manaus não.
Nossa profissão é de inícios e finais, de ciclos. Então você está sempre tendo que abrir e fechar ciclos, as pessoas nunca são as mesmas e as pessoas mudam, então não é bom você congelar a pessoa assim. “Ah, é isso e ela vai ser sempre isso”. Não, a pessoa é o que ela é ali e é isso assim. Eu gosto, eu hoje prefiro me conectar com as pessoas mais profissionalmente.
Essa semana eu estava ouvindo um jornal. E aí tem uma mulher que é filha da Zuzu Angel e ela é comentarista em um jornal online. Ela estava falando que a gente não precisa ter um olhar afetuoso sobre certas pessoas, mas apenas um olhar frio e estrategista de comunicar, entende? Às vezes eu acho que para a gente sobreviver em certos ambientes é preciso ter um olhar frio sobre essas pessoas e ter um jogo de cintura ali para gerenciar as comunicações. Por exemplo, “eu vou com essa pessoa até aqui”, “não ali”, “não, essa eu consigo dar conta de uma amizade mais próxima”, etc. Eu tenho muita essa habilidade, sobreviver ao sistema, sabe?
Quais são suas perspectivas de carreira para os próximos anos?
Eu tenho um trabalho, um projeto agora em Belém, é Marajó (série). Aí, eu vou fazer um curta-metragem também em Belém com Adriana de Faria, que é diretora do Cabana, um curta-metragem que inclusive está concorrendo agora ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Tem esse trabalho e depois talvez eu passe um tempo, uns quatro meses estudando, me dedicando a estudar, porque ano que vem eu tenho alguns longas para fazer e eu sou uma atriz que trabalha muito mais com muitas metragens e é um outro tempo, então o longa demanda um pouco mais né? Talvez eu tire o segundo semestre para estudar e me preparar para o ano que vem.
O que mais você acrescentaria aos nossos leitores em relação às demandas do seu trabalho na Amazônia? Uma mensagem final.
Investimentos em políticas públicas. Eu acho que é muito importante o investimento em políticas públicas. Apoiar o artista não é só abrir editais, sabe? É abrir escolas, é pensar desde o curso de teatro da UEA não ser de manhã e de tarde, pensar em tudo: contexto, cotidiano, conciliação com trabalho, família, etc, para que o artista consiga se manter fora da universidade, porque só as bolsas não dão conta.
E também valorização dos artistas. Não sei ainda como, mas penso sempre nas escolas e penso em centros culturais. Eu acho que a gente devia muito ter esses lugares, onde conseguissem amparar mais as pessoas que não têm como estar na universidade. E que sejam cursos prolongados, de, por exemplo, dois anos ou um curso técnico que não seja só o (Liceu de Ofícios) Cláudio Santoro (em Manaus). Eu gostaria de acrescentar isso, que tem muitas pessoas, artistas incríveis que gostariam de se capacitar mas não tem importância para fora de Manaus.