Por Thiago Galdino

A escalação de Cynthia Erivo para o elenco de ‘Wicked’, um dos musicais mais célebres da Broadway, agora adaptado para o cinema, marca um momento significativo para a representatividade negra em Hollywood. O filme, que recebeu 10 indicações ao Oscar 2025, conta a história das bruxas de Oz, e possui direção de Jon M. Chu. Erivo, que dá vida a Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, rompe com um padrão historicamente branco nos musicais e desafia as normas estéticas e raciais de um dos gêneros mais elitizados do entretenimento.

Os musicais sempre foram um espaço onde artistas brancos conquistavam os papéis principais, enquanto artistas negros eram relegados a coadjuvantes (quando não excluídos completamente). Até grandes estrelas, como Lena Horne e Dorothy Dandridge, enfrentaram obstáculos ao tentar conquistar posições destacadas em um gênero que celebrava a branquitude. Ademais, eram comuns práticas como ‘Blackface’, em que artistas brancos coloriam os seus rostos para representar personagens negros de maneira exagerada e ofensiva, reforçando estereótipos raciais e marginalizando os artistas negros, negando-lhes o protagonismo em produções relevantes.

Richard Dyer, em artigo intitulado ‘A cor do Entretenimento’, reforça que personagens brancos, em interpretações, geralmente “têm vidas, especialmente vidas amorosas, bem como carreiras, parentes vexatórios, problemas pessoais de um tipo ou de outro. Nenhuma vida tão ampla é dada a personagens negros (se é que podemos realmente chamá-los de personagens), privando suas aparições das ressonâncias emocionais que a narrativa e a caracterização ao redor fornecem aos números nos musicais”, e continua dizendo que a “negritude é contida no musical, guetificada, estereotipada, aprisionada na categoria de ‘apenas entretenimento’ […]”.

A seleção de Erivo como Elphaba simboliza uma ruptura com esse paradigma. Até os dias atuais, o papel da Bruxa Má do Oeste foi interpretado, em tempo integral, uma única vez por mulher negra: Alexia Khadime, no elenco do West End de Londres. Nos Estados Unidos, estupefatamente, desde a sua estreia em 2003, Elphaba jamais foi interpretada por uma mulher negra em tempo integral. A decisão da produção em escalar uma atriz negra para a adaptação cinematográfica enfatiza a necessidade de expansão das possibilidades de quem pode protagonizar histórias grandiosas.

Aqui, cabe destacar: Cynthia Erivo não é apenas uma atriz talentosa, mas uma artista plural, cujo prestígio já lhe rendeu um Emmy, um Grammy e um Tony, além de indicações anteriores ao Oscar. Sua trajetória é modelo de resiliência para artistas negros que, mesmo diante de limitações impostas pela indústria, conquistam espaços que, tradicionalmente, não lhes eram permitidos.

A visibilidade de Erivo em ‘Wicked’ também se torna importante ao recordarmos que Elphaba é uma personagem rejeitada e discriminada por sua aparência e cor de pele verde. A metáfora da marginalização da protagonista se conecta, de forma direta, com as experiências dos povos negros na sociedade e no show business.

Apesar dos avanços, o mercado cinematográfico ainda enfrenta críticas relacionadas à representação racial. ‘Em um Bairro de Nova York’, de Lin-Manuel Miranda, por exemplo, levantou debates sobre colorismo e a ausência de pessoas negras de pele mais escura em papéis de protagonismo, evidenciando que a questão da diversidade abrange não somente as minorias, mas a variedade de tons de pele.

O sucesso de ‘Wicked’ e a recepção à atuação de Cynthia Erivo servirão como uma espécie de termômetro com o objetivo de medir o verdadeiro comprometimento da indústria com a inclusão. Não basta meramente convocar artistas negros; é necessário garantir que eles tenham igual reconhecimento e oportunidades de seus colegas brancos. 

A presença de Erivo no filme não é simplesmente uma escolha de elenco, mas um ato político e simbólico. Sua Elphaba não só brilha nos encantos de Oz, mas abre portas para as novas gerações de artistas negros que almejam o resplendor dos musicais de Hollywood.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.