Raul Mareco, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30

Adentram à Blue Zone como quem abre a geladeira do fim do mundo: ar condicionado no talo, luz branca de consultório e um altar de acrílico expondo o novo IPCC da gastronomia apocalíptica. A etiqueta reluz: coxinha R$ 45, pão de queijo R$ 30, refrigerante R$ 25, água R$ 25. 

A inflação climática chegou primeiro no salgado. Um repórter lustra o crachá, outro ajusta a gravata, e todos se alinham para a coletiva de imprensa do cardápio. 

A manchete já está pronta antes do primeiro gole de água: “Blue Zone mercenária cobra o preço da seca em cada mordida”.

Belém ferve lá fora, açaí com peixe e fumaça de promessa, mas aqui dentro a pauta virou gastro-militância. Vejo um produtor da CNN com o celular em 4K filmando a coxinha como se fosse um meteorito. 

O breaking news não é sobre povos indígenas expulsos por garimpo, nem sobre o ponto de não-retorno da floresta; é sobre o ponto de fritura da coxinha. 

Um âncora aplica cálculo de CPI no pão de queijo e conclui que a sustentabilidade do estômago foi privatizada. 

A fila para o refrigerante parece COP dentro da COP: muitos credenciados, pouca substância, nenhuma transparência.

À esquerda, um painel sobre perdas e danos tenta existir. O Sul Global pede reparação com a urgência de quem respira fumaça. 

À direita, técnicos dissecam as engrenagens opacas do financiamento climático, enquanto uma horda de microfones corre, mas não para lá: corre para o balcão, onde um atendente vira ator de denúncia social. “Confirma: R$ 25 a água?” Confirma. 

É o dia histórico em que a crise climática virou reportagem de consumo. A floresta que espere: temos um choque de preços para cobrir.

No lounge, um editor filosofa como se fosse citação de rodapé: “Complexidade não dá clique, mas coxinha dá.” 

E assim seguimos, transformando catástrofe em snackable content. 

O planeta em 1,5 °C acima; a cobertura, em 30 segundos de indignação performativa. É o jornalismo do conforto térmico, o real-time da irrelevância. 

O que é “blended finance” perante um pão de queijo de R$ 30? 

O que são décadas de captura regulatória perto da prova viva, dourada e empanada do neoliberalismo gourmet?

Enquanto isso, do outro lado do corredor, quilombolas mostram projetos de bioeconomia que custam menos que um estúdio de TV portátil. 

Cientistas apresentam mapas e recebem feedbacks mirando o relógio sem ponteiro da Amazônia. 

Mas a coletiva mais disputada continua sendo a do cardápio. 

A hashtag está na ponta da língua, o b-roll já está no ar, e a audiência, saciada de números mastigáveis, pede sobremesa: mais um reels indignado sobre a água a R$ 25, por favor.

Eis a pergunta que ninguém quer mastigar: o que viemos fazer aqui? Auditar cardápio ou abrir caixa-preta? Fotografar etiqueta de preço ou interrogar ministro, CEO e negociador que se escondem atrás de siglas e promessas elásticas? 

O crachá pesa menos que um guardanapo, mas a consciência pesa mais que uma pauta vazia. 

Se a Blue Zone é vitrine do espetáculo, o papel do jornalista é quebrar o vidro — não contar quantas formas de açúcar cabem na vitrine.

A grande mídia, esse paquiderme ansioso por engajamento, descobriu que a indignação calórica é um atalho: não fere patrocinador, não exige estudo, não conflita com briefing. 

É o jornalismo que entra macio e sai sem rastro: fast-news para uma era que abomina mastigar. 

Só que, lá fora, a conta chega com juros compostos: roças engolidas por enchentes, cidades sufocadas por calor letal, territórios rasgados por projetos que chamam de progresso. 

O prato principal que ninguém serve é a verdade simples — a crise climática não é cara, é fatal.

No fim do dia, a Blue Zone fecha as portas, o gelo derrete no copo de plástico e a pauta volta para o hotel num Uber com wi-fi. 

A coxinha a R$ 45 viraliza, rende thread, rende corte, rende pauta no dia seguinte. 

Já a Amazônia morre no escuro, sem ar-condicionado, sem buffet, sem press kit. 

Se é para fazer provocação, façamos direito: vocês vieram a Belém cobrir o preço do salgado ou o custo político da omissão? 

Vieram medir a temperatura do óleo ou a febre do planeta?

Se a resposta demora mais que a fila do refrigerante, você já sabe a verdade.