Crítica: Documentário “Bem-vindos de novo” traz drama real sobre laços de sangue em família de imigrantes
A crueza estética adotada pelo diretor colabora para a força e o impacto dos acontecimentos, potencializados pela genuinidade dos depoimentos
Por Lilianna Bernartt
Os laços de sangue são, por si só, suficientes para garantir os laços afetivos?
Essa é a provocação sugerida em primeiro plano pelo diretor Marcos Yoshi em seu documentário “Bem-vindos de novo”.
Descendente de família japonesa, seus pais optaram por deixar os filhos – o diretor e suas duas irmãs – ainda menores, no Brasil e se mudar para o Japão em busca de melhores oportunidades de trabalho.
Depois de 13 anos fora, seus pais decidem voltar ao Brasil e retomar a vida junto à família e ao seu país. Passamos a acompanhar então o lidar de todas as personagens envolvidas, com o choque fatídico das consequências do afastamento.
O documentário acompanha o esforço, as vontades e as dificuldades que permeiam essa reintegração de laços, discutindo, de forma extremamente crua e direta, as reais camadas de tal reconexão.
A reintegração se bifurca entre família e país, já que a análise da conexão entre Brasil e Japão também se presentifica.
A relação migratória entre os países é antiga e histórica, marcada inclusive pelo incentivo governamental de ambos os países durante anos. O fluxo migratório foi subsidiado por ambos os Governos, tendo em vista as oscilações econômicas e de mão de obra, que é justamente o que move a ida dos pais do diretor ao Japão.
No que diz respeito à imigração, o diretor relaciona ao sacrifício e à responsabilidade da garantia do proveito econômico.
A sensação do não pertencimento é uma constante. O não pertencimento imigratório reverbera continuamente no não pertencimento familiar.
As diferenças culturais entre os países têm papel fundamental nas expectativas sentimentais de todos os envolvidos.
Tudo é mostrado da forma mais simples e real possível, sem qualquer formalismo ou didatismo documental.
Os pais do diretor se esforçam, mas não ignoram a equipe; inclusive interrompem – tanto a equipe quanto o próprio diretor – com questionamentos diretos e até mesmo na determinação de funções práticas, como pegar a senha da fila do açougue para poupar tempo.
Essas quebras não permitem espaços para romantização da rotina diária, da realidade de quem acorda às 5h para a labuta. Por outro lado, estamos falando de laços de família, do amor que se constrói e é cultivado através da convivência. Neste sentido, temos a rigidez da realidade versus a elasticidade do amor – exatamente o contraponto que torna o documentário extremamente instigante.
A crueza estética adotada pelo diretor colabora para a força e o impacto dos acontecimentos, potencializados pela genuinidade dos depoimentos.
Assistir um pai constatar que seu conhecimento acerca de seus filhos se limita a relação consanguínea nos deixa em total posição de fragilidade e desconcerto diante da concretude prática e real dos fatos.
Aliás, praticidade é a guia constante da narrativa e ao que todos se atém em uma falha tentativa de controle sobre o incontrolável. E é justamente quando o incontrolável se estabelece, que a humanidade sobressai, assume o primeiro plano e os sentimentos entram em erupção.
Esse mix contraditório e potente é o responsável pelas curvas dramáticas decorrentes do ônus e bônus que a só a vida pode proporcionar.