Crise climática na Amazônia não comove nas redes sociais e nem na grande mídia, dizem ambientalistas
A injustiça climática e o racismo ambiental são formas de desigualdade que afetam principalmente as comunidades marginalizadas, como pessoas negras e indígenas, além de pessoas pobres e mulheres
Não é raro ouvirmos, quando falamos sobre aquecimento global e crise climática, que todo mundo irá sofrer com as consequências caso nosso modo de vida não mude.
Apesar de não ser uma mentira, podemos afirmar que as consequências, mesmo sendo sentidas por todas as pessoas, definitivamente irão afetar cada grupo social de uma maneira diferente. É o que chamamos de injustiça climática e racismo ambiental.
A injustiça climática e o racismo ambiental são formas de desigualdade que afetam principalmente as comunidades marginalizadas, como pessoas negras e indígenas, além de pessoas pobres e mulheres.
Esses tipos de desigualdades manifestam-se de várias formas, desde a precarização urbana em bairros periféricos, onde quem mora distante do centro sofre com a dificuldade de acesso a serviços básicos, até a degradação ambiental na Amazônia, onde a maioria dos habitantes e populações locais que dependem dos recursos da natureza e de seus territórios, são diretamente afetados pela exploração desenfreada.
Não estamos no mesmo barco
De acordo com o relatório Interconnected Disaster Risks, estima-se que, entre 2021 e 2022, os desastres ambientais causaram a morte de 10 mil pessoas e custaram mais de 280 bilhões de dólares.
Outro relatório, desenvolvido pela Oxfam e chamado “Extreme Carbon Inequality”, fala que a metade mais pobre da população global (cerca de 3,5 bilhões de pessoas) é responsável por cerca de apenas 10% do total das emissões globais atribuídas ao consumo individual, mas vive predominantemente nos países mais vulneráveis às mudanças climáticas.
Ou seja, as populações que menos contribuíram para a mudança do clima são as que estão sofrendo de forma desproporcional o seu impacto negativo.
Pensar as comunidades que vivem na Amazônia, é pensar na proteção da floresta
No Brasil, o Art. 225 da constituição garante que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Contudo, a realidade se mostra bem diferente disso.
Em entrevista para a Mídia NINJA, a engenheira sanitarista, ativista climática e articuladora ambiental na Rede Jandyras, de Belém no Pará, Waleska Queiroz, explica que as populações da Amazônia já vêm enfrentando as consequências da crise climática: “essas comunidades frequentemente sofrem com a perda de suas terras e dos recursos naturais essenciais de que dependem. Além disso, elas enfrentam obstáculos significativos ao acesso a serviços básicos, como saneamento, saúde, educação e justiça climática – tema muito pautado no contexto climático “, explica.
Waleska fala ainda que as pessoas mais afetadas com tudo isso são as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e periféricas, já que estas já se encontram em situação de vulnerabilidade, o que torna mais suscetível a sofrer os impactos da crise do clima “uma vez que têm menos acesso a recursos e apoio para se adaptar ou se recuperar”.
Isso o jornalismo não mostra
Também da Amazônia, do estado do Amapá, Yuri Silva, que é biólogo, mestre em Biodiversidade Tropical e Diretor Técnico do Instituto Mapinguari, falou sobre como o racismo ambiental e a injustiça climática estão presentes também na visibilidade que a mídia dá para a região.
Para ele: “esses eventos climáticos extremos acontecem também em outras regiões do Brasil e na Amazônia também. E quando acontece na Amazônia, a gente não tem a mesma cobertura, a gente não tem o mesmo olhar da grande mídia quando comparado com outras” desabafa.
Margem do Rio, que é o fotógrafo, diretor criativo e ativista climático no Puxirum do Bem Viver Manaus, conversou com a Mídia NINJA sobre a situação do Amazonas nesse momento. Para ele, a falta de reação rápida para reduzir os impactos climáticos que a seca vêm causando é fruto do racismo ambiental: “não tem uma prioridade do governo, seja de direita ou de esquerda, na Amazônia”, conta.
“O governo do estado mapeou X comunidades que vão receber auxílio mas que não é nem a metade do real número de comunidades que existem, então você já vê aí que uma galera vai ser deixada de lado, que é uma galera que tem cor, que tem raça, que tem gênero, então a gente já sabe quem vai sofrer os impactos de uma maneira mais rápida e mais violenta até”, complementou.
O ativista Margem do Rio falou também sobre a invisibilidade da pauta na grande mídia e a falta de comoção nas redes sociais “a gente foi totalmente camuflado com essa noticia da guerra em Israel e isso virou uma prioridade jornalística do país, nas pautas e até nas redes sociais há uma comoção. Enquanto isso, a gente tá vivendo a maior seca da história da Amazônia”.
A floresta vista como salvação, agora pede socorro
Cerca de 633 mil pessoas foram afetadas pela seca na Amazônia até agora, e esse número pode dobrar até o fim do ano, segundo a Defesa Civil. Os animais estão morrendo por conta das altas temperaturas e, só no Amazonas, 59 dos 62 municípios decretaram estado de emergência.
As comunidades que dependem dos cursos de água da floresta amazônica estão isoladas sem abastecimento de combustível, alimentos ou água filtrada. Crianças estão sem conseguir ir para a escola.
Uma onda de fumaça encobriu Manaus e colocou a cidade como uma das piores qualidades de ar do mundo. Nas últimas semanas, o rio Madeira atingiu níveis mínimos históricos devido à seca que afetou toda a região Norte do país. A extensão de água deu lugar a enormes bancos de areia e “montanhas” de pedras no leito do rio.
O Rio Negro bateu recorde de maior seca de sua história, durante os 102 anos de medição de seus níveis.
No Acre, o governador Gladson Cameli decretou situação de emergência alegando “extrema seca”, e pediu ajuda do governo federal. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o Acre já registrou, somente esse mês, 1.400 focos de queimadas.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) decidiu acionar as usinas termelétricas Termonorte I e Termonorte II para garantir o suprimento de energia em Rondônia e no Acre nesse período de escassez.
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o nível do rio na capital de Rondônia, Porto Velho, está “inferior à cota mínima observada no histórico de 56 anos de medições”.
No Pará, a região do Tapajós vêm sendo a mais afetada. Segundo dados da Defesa Civil de Santarém, o nível do rio Tapajós chegou a 94 cm no dia 08 de outubro, ou seja, 38 cm abaixo da seca histórica registrada em 2010.
A seca dos rios está dificultando, dentre outras coisas, o atendimento médico da população. Um caso que chama atenção e preocupa são as consultas e cirurgias oferecidas pelo Barco Hospital Papa Francisco, que tiveram que ser suspensas.
Um grande vazio
Mesmo diante da calamidade que enfrenta boa parte da população do país, o que vemos na grande mídia são longos minutos de cobertura de conflitos internacionais, problemas de outras partes do país e comoção nas redes sociais sobre guerras do outro lado do planeta.
“Quando a gente tem esse olhar, que a Amazônia é um grande vazio, a gente normaliza, por exemplo, o fato de não haver energia nas comunidades, de não haver acesso à internet, ou principalmente de não haver serviços públicos básicos para que a população possa acessar. E aí, na ausência desses serviços públicos, quando acontece uma emergência, uma calamidade, como a gente está vendo acontecendo nos nossos territórios, a gente acaba sentindo, a gente acaba observando de forma mais escancarada”, explica.
A Amazônia, apesar de ser pautada constantemente a nível mundial, não vem sendo, de fato, enxergada como uma região viva, com pessoas que a habitam, que possuem culturas próprias, necessitam de assistência e são os principais protetores dessa floresta. “Se a gente tem um território tão monitorado quanto a Amazônia, como é que a gente não conseguiu se antecipar a esse estado de calamidade, pensando estratégias para que as pessoas tivessem acesso ao alimento, tivessem acesso à comida?”, questiona Yuri.
Para os próximos meses, a projeção não é otimista, pois espera-se que as temperaturas continuem elevadas até janeiro de 2024, com as chuvas retornando para essas áreas no decorrer do fim de ano. Porém, o volume ficará abaixo da média climatológica.