Mayara Stelle tinha uma vida comum em Ponta Grossa, Paraná. Cursando direito na Universidade Estadual, ela vendia maquiagens para complementar a renda. Em 2020, assim como o mundo inteiro, ela teve sua rotina atravessada pela pandemia de Covid-19. Todos os planos que envolviam sua formação foram paralisados. Junto de seu companheiro e colega de curso, Leonardo Leal, ela acompanhou o cenário da desinformação crescer cada vez mais no Brasil e no mundo, até que ambos decidiram tomar uma atitude que mudou tudo: a de fundar o Sleeping Giants Brasil. Hoje, com apenas 25 anos, a jurista enfrenta ataques, ameaças e represálias, mas consolida cada vez mais seu trabalho contra a desinformação, o domínio das big techs e a extrema direita na internet.

Em entrevista exclusiva ao Planeta Ella, Mayara conta que foi em um dia comum que ela e Leonardo vislumbraram a possibilidade de fazer algo mais efetivo para combater o avanço da extrema direita. “Nós estávamos cada vez mais preocupados com o rumo que as coisas estavam tomando. Acho que todo mundo, né? O Leo já se interessava pelas pesquisas sobre desinformação na faculdade, eu também me interessei. Entendíamos que o Sleeping Giants já existia nos Estados Unidos, e pensamos que seria simples, de certa forma, manter um perfil na rede social e começar nossas manifestações, até então, de forma anônima”, disse.

Mas, desde a criação do perfil, nada foi muito simples. O movimento, que propõe desmonetizar conteúdos desinformativos na internet, cresceu e, acompanhado da visibilidade, vieram os ataques. “Começamos a incomodar big techs, grandes empresas, políticos e todo o ecossistema interessado em disseminar desinformação, então fomos muito atacados”, conta. Oito meses depois, o Sleeping Giants Brasil é alvo de um processo judicial que obrigou Mayara, Leonardo, e Humberto, o terceiro cofundador, a revelarem suas identidades.

Tensa, Mayara relembrou a sensação de vulnerabilidade em ter sido exposta. “Foi uma atitude muito pensada mas, ainda assim, muito difícil. Precisamos ficar longe das nossas famílias e ir até um outro lugar, juntos, para que as pessoas de nossa convivência ficassem em segurança. O nível das ameaças era muito preocupante, logo depois que nossas identidades foram reveladas, a foto da casa da minha mãe estava no Twitter, junto de todos os meus dados. Foi meio desesperador”, confessa.

Mesmo depois de um tempo, Mayara diz anda ter dificuldades de falar sobre si e lidar com a imprensa, devido a toda perseguição. Mulher, jurista e empresária, ela defende que é preciso ter força para ser intensa e constantemente questionada, ainda mais na internet. “Entre nós três, acredito que, por ser mulher, fui uma das que mais sofri e sofro com ataques e ameaças. Minha aparência, meu jeito, minha idade, tudo é alvo das pessoas que querem desencorajar nosso trabalho. Por muito tempo, tive muitas inseguranças, não gostava de aparecer, mas tive que aprender a ver meu nome, telefone, e-mail e outros dados expostos. Por isso, ter uma rede de apoio é fundamental. Meus amigos, minha mãe, meu companheiro, pessoas que me conhecem de fato, me ajudaram a perceber que a internet é a internet, e a vida real é outra coisa”, desabafa.

Ainda que tomada por conspirações e cenários negativos, as ações do Sleeping Giants Brasil só aumentaram. O movimento, que acaba de completar quatro anos de luta contra a desinformação online, já emitiu mais de 1.600 alertas a empresas renomadas como Uber, Bradesco, Adidas e Fiat foram instadas a se manifestar sobre a veiculação de seus anúncios em sites desinformativos. “Ter saído do anonimato, por mais difícil que tenha sido, só nos fortaleceu”, declara Mayara, que entende a importâcia de hoje, terem as identidades reveladas. “Foi por esse e outros motivos que conseguimos ampliar nosso debate com a sociedade civil, jornalistas, e outras empresas”, diz.

Espaços existem para serem ocupados

Recentemente, veio a público a constatação de que a chamada ‘Abin Paralela’ realizou ações clandestinas de espionagem contra o coletivo Sleeping Giants Brasil. Questionada sobre as dificuldades em seguir trabalhando mediante as constantes ameaças, e, principalmente, seu estado após receber a notícia de que eram de fato alvos do governo de Jair Bolsonaro, Mayara defende a ideia de que ceder não é uma opção.

“Espaços existem e precisam ser ocupados. A extrema direita avança e ocupa espaços diversos de maneira avassaladora, por isso precisamos fazer nossa parte. Ocupar, articular, contar com cada vez mais pessoas e comunidades. A força dos seguidores, colaboradores e das pessoas que impulsionam nossa voz também é importante”, aponta.

Quanto às mulheres e à luta feminina, sua percepção é ainda mais clara: “como mulher, sei da importância de representar, amplicar e fortalecer vozes femininas em espaços de decisão. É difícil ocupar esses lugares, mas precisamos nos fortalecer, nos cuidar, manter e ampliar todo esse nosso impacto, nossa força. Para mim, tendo sofrido todos os ataques que sofri, é difícil, mas não podemos desistir, por que é assim que lutamos pra que as ameaças e os discursos de ódio diminuam, desapareçam, dos espaços digitais e da sociedade como um todo”, defende.

Os quatro anos do coletivo

Para o aniversário do Sleeping Giants Brasil, Mayara conta que uma das campanhas principais é e continuará sendo a regulamentação das plataformas: “para que o ambiente digital seja cada vez mais saudável, precisamos regulamentar as plataformas. Ainda estamos no começo do assunto, entendendo como isso vai acontecer, mas é algo que precisa ser debatido. É preciso regulação, responsabilidade e transparência, afinal, as plataformas sabem que estão aceitando sites duvidosos e ainda os certificam como seguros e os impulsionam com anúncios e boas colocações nas buscas”.