Coronavírus em Roraima: pressão do comércio, falta de testes e desinformação
Governador do estado segue a linha de Bolsonaro e não garante isolamento social.
Por Kezia Lima, historiadora, mestre em Sociedade e Fronteiras pela UFRR, filiada ao PSOL.
Para entendermos a situação conjuntural da pandemia em Roraima é preciso definir quem é o governador de Roraima, Antônio Denarium (atualmente sem partido) e qual setor da sociedade ele representa. Até iniciar os debates políticos para eleição a governador em 2018 pairava no ar a curiosidade sobre a decisão do PSL em lançar a candidatura a governador de uma pessoa que não tinha trajetória política alguma e que se apresentava com um curioso nome que Denarium (nome que em latim remete a dinheiro).
Na época, a governadora e candidata a reeleição, Suely Campos (PP) foi questionada sobre corrupção pelo candidato Denarium no debate político e recebeu uma resposta que nos dá pistas sobre a trajetória do então governador do estado de Roraima: “Eu acho que você é a última pessoa que deve falar em corrupção. O que é corrupção pra você, Denarium? O quê que é, se você é a pessoa que sangra as pessoas emprestando dinheiro, tomando as casas, tomando os imóveis, tomando os bens das pessoas, emprestando a essas pessoas, você é um agiota […]”. Mesmo com esse histórico, ao menos no âmbito especulativo, esse foi o candidato eleito a governador de Roraima.
Após os primeiros pronunciamentos do presidente Bolsonaro se declarando contrário ao isolamento social e numa postura negacionista das orientações da OMS, o governador de Roraima sinalizou que seguiria a mesma linha do presidente e flexibilizou o funcionamento do setor do comércio. No dia seguinte, Denarium foi o único governador do país a receber medalha de Ordem do Mérito Militar. Vale lembrar que Denarium foi um dos únicos governadores que não assinaram a carta dos governadores condenando o ato, apoiado pelo Presidente, que pedia golpe militar e o fechamento do congresso e do STF.
Não nos causa espanto algum a flexibilização do governador ao setor do comércio, afinal, foi o setor que declarou apoio abertamente nas eleições de 2018 ao Bolsonaro e Antonio Denarium que, na época, eram do mesmo partido (PSL). Basta lembrarmos a apuração que o Intercept fez nos autos dos processos que envolveram empresários locais, que seus comércios anunciavam em seus panfletos promocionais os preços sempre com “17” no final: “Eu entrei na onda do 17, pela mudança, pelo presidente Bolsonaro. E, automaticamente, também, ao Antonio”, declarou o dono de uma das redes de supermercado envolvidas.
Há uma forte pressão desse setor para acabar com o isolamento social. O governador só recuou dessa decisão quando tivemos o primeiro óbito causado pela covid-19 (atualmente, os boletins oficiais nos informam que temos 7 óbitos e 602 casos confirmados). Nas primeiras semanas, tivemos uma passeata dos empresários pedindo o fim da medida de prevenção e reabertura do comércio.
Nas redes sociais do governo do estado circulam um vídeo intitulado “Fiéis fazem oração para o estado de Roraima e pelo Brasil”. O fato aconteceu em plena campanha pelo isolamento social, pessoas tomaram ruas e a frente do Palácio do Governo no centro da cidade, numa corrente de oração em que o próprio governador aparece para agradecer, apoiar e participar de preces .
A questão da saúde indígena é latente. Tivemos o óbito de um jovem Yanomami que vivia na comunidade macuxi Boqueirão, município de Alto Alegre, depois de ter sido internado e diagnosticado com outra doença. O jovem passou por 3 internações entre 18 de março e 07 de abril, recebendo altas, até chegar a óbito no dia 09 de abril. Nesse período, entre essas internações, teve contato com seus familiares e parentes antes de voltar ao Hospital Geral e ser internado novamente, diagnosticado com covid-19 e diretamente na UTI. Após seu óbito, o estado noticiou que seus familiares fariam testagem para covid-19, mas não noticiaram os resultados desses exames e muito menos mostram qual a situação real das comunidades indígenas nesse contexto de pandemia (além dos problemas já enfrentados com garimpo ilegal na região). As denúncias que temos é de que há subnotificações.
O número de testagem também é muito baixo, o que é muito preocupante porque Boa Vista está entre as capitais listadas como “estado de emergência” com o crescente número de contaminados. As denúncias que vemos é de que pessoas estão procurando o serviço de saúde e sendo orientadas a retornarem para suas casas sem testagem, como no caso de uma técnica de enfermagem que foi orientada a voltar ao Hospital somente após 7 dias de sintomas.
A Operação Acolhida (que lida com os abrigos abertos aos imigrantes venezuelanos) tem registrado 86 militares contaminados pela covid-19. Militares que atuam diretamente nesses abrigos, inclusive o próprio comandante da operação, Antonio Manoel Barros. O número de imigrantes vivendo nos 13 abrigos do Estado é de 6,2 mil venezuelanos e temos notificados 5 venezuelanos contaminados. Número esse que nos leva a pensar sobre o baixo número de testagem e as subnotificações existentes. No dia 27 de abril, os 5 venezuelanos contaminados foram transferidos dos abrigos para o hospital de campanha, além de outros 76 casos suspeitos. Essas 81 pessoas receberam assistência médica e sanitária da equipe de profissionais que atuam na missão com os venezuelanos e não de uma equipe dedicada ao Hospital de Campanha porque ele ainda não funciona e nem tem data para funcionar como deveria, pois ainda não tem equipe de médicos e enfermeiros e a inauguração do Hospital já foi adiada três vezes pelo governo de Estado).
Quanto aos leitos, as informações são incertas e desencontradas. No portal do governo federal a informação do dia 24 de abril é de há 25 leitos adultos, sendo 8 desses classificados como “Leitos UTI adulto não SUS”. O estado anunciou em entrevista no dia 23 de março que estaria providenciando mais 40 leitos de UTI, o que não bate com o número mais recente do governo federal. O Hospital da Criança Santo Antônio, administrado pela prefeitura de Boa Vista, anunciou em matéria de jornal ter 10 leitos de UTI e que contratou 20 leitos de UTI no Hospital da Mulher, da rede particular. O Hospital de Campanha conta com 80 leitos, desses 3 são de UTI. Até o momento o estado tem uma situação de baixa demanda para internação em UTI, apesar do número casos notificados estar em 425. Mesmo assim, esse quadro é preocupante, já que o número de contaminados tem crescido a cada dia desde o dia 21 de março, quando foram notificados os dois primeiros casos e não sabemos ao certo quantos leitos de UTI temos disponíveis no Estado.
Além da pressão do setor empresarial para a abertura do comércio que, como mostrado anteriormente, é a base de apoio do governador, o que agrava nossas preocupações no momento é o acesso à informação. Não sabemos com exatidão os dados que são divulgados pelo Estado. No dia 09 de abril, a prefeita da capital divulgou em sua conta do Twitter problemas com acesso a informação passadas pelo Estado ao noticiar um óbito e depois ter que retificar a notícia: “Pessoal, eu me baseei na informação oficial do gov do estado para dar a informação sobre a atualização do covid-19 de hj. Está mto difícil, pois o governo não nos repassa as informações como deveria ser. Agora foi desmentido por eles mesmo, que anunciaram, a ocorrência de 1 morte” (Teresa Surita).
Para agravar o quadro de desinformação, o Estado noticiou no dia 27 de abril, que os boletins epidemiológicos contendo informações sobre número de pessoas infectadas por municípios, sexo, idade, número de recuperados, óbitos, e quantidade de teste feitos serão noticiados semanalmente, não mais diariamente como estava sendo feito. Permanecerá apenas as atualizações diárias mais superficiais com número de contaminados, internações, altas hospitalares, casos descartados, óbitos e recuperados. Além dessa alteração, jornalistas denunciam que os canais oficiais de informações se contradizem com seus números, “Na manhã desta terça-feira (28), o site mostra 15 casos em Pacaraima, ao Norte do estado, mas o boletim divulgado nesse domingo (26) apontava 18 casos na mesma região”.
Soma-se a tudo isso a baixa adesão ao isolamento social e que tende a piorar quando o Estado anuncia que passará a reduzir o acesso a informação, já tão precário. Os trabalhadores são os que mais sofrem com os descasos de um governo que tem como preocupação primordial, zelar pelo apoio dos setores que lhe promoveram. Exemplo disso é o setor da construção civil, os trabalhadores não tiveram direito ao isolamento social quando o decreto de isolamento normatizou sistema de funcionamento das lojas de material de construção (além dos próprios funcionários dessas lojas) para que as construtoras não parassem.
Isso tudo deixa claríssima a política que este governo pratica, a mesma política nefasta do Presidente Bolsonaro, uma política em que salvar o capitalismo de suas crises vale mais do que as vidas dos trabalhadores. E, quanto mais periférica, mas perversa pode ser essa política.