Por: Lucia Ixchiu / Fotos. Cobertura Colaborativa Yaku Mama

A única sensação que tenho é a de flutuar na água. Depois de um tempo, o corpo se acostuma, e essa sensação deixa de ser estranha ou distante. “A bússola se acostuma a estar na água”, diz meu companheiro nesta jornada.
Já percorremos quase 3.000 quilômetros desde a avó Glaciar Cayambe até Belém, no Brasil, rio adentro. Estamos no último barco que nos levará ao destino final. Depois de mais de 15 embarcações e uma viagem de mais de 25 dias, enfim, estamos nas últimas horas desse percurso sobre a mãe das águas, a Yakumama.

A viagem foi acompanhada, em diferentes trechos, por insetos, plantas, selva e botos cor-de-rosa, seres com espírito, que nos deram força para seguir.
Presenciamos tudo. Não houve tempo para pensar, apenas para respirar e sentir. A digestão de tudo o que vivemos será um processo que levará tempo. O rio Solimões nos recebeu com o encontro das águas, com comida de pirarucu, açaí. Tivemos festa, cantos, cinema, silêncio e solidão. A floresta nos abraçou e nos fundimos nesse abraço. O verde corre agora em nossas veias, que são também os rios que nos conectam à selva, às florestas e a cada um dos biomas de onde viemos.

Essa viagem nos tirou o fôlego, mas nos deixou com esperança e a clareza de que o futuro está nos territórios. A resposta já existe há mais de 10.000 anos: é a terra que nos salva. Os povos estão vivos, nossas formas de existir continuam apesar do extermínio. Podemos contar, filmar, escrever nossa própria história. Não há nada que não possamos fazer.

A solidariedade e a articulação entre os povos são urgentes. A Amazônia é uma só, as vozes são múltiplas e diversas, e o silêncio também é uma resposta.
Confesso que essa viagem não foi fácil. Foi um desafio multidimensional e me fez repensar o que entendo por território. Sinto que sou mais eu agora.

Depois de anos longe de casa, pude voltar a ser eu mesma e exercer o trabalho de servir aos territórios por meio da comunicação, esses territórios que nos formam. Não vou mentir: houve vezes em que me senti sozinha estando fora de casa. Mas, depois dessa jornada, acho que nunca mais será igual.
Nossas vidas já não são as mesmas. No fundo da terra, sempre se lembra de onde se vem. Estar e caminhar desde os territórios sempre é necessário.

As contradições e incoerências também fizeram parte do caminho, porque nesta viagem houve de tudo, como na própria existência humana.
Medo de deixar esta jornada à qual já estou tão acostumada. Medo de odiar tudo, e ao mesmo tempo de sentir saudade.
Quem contou essa história ainda não acredita que finalmente estamos chegando, que terminou.

Anteontem, a lua cheia nos despediu com um espetáculo de luz vermelha. Ontem, o pôr do sol nos assegurou que jamais estaríamos de novo naquele mesmo lugar e espaço. Fizemos história. Agora somos parte da selva. As texturas da água são parte do nosso olhar.

A dor pela destruição da floresta amazônica e o ecocídio cometido nela nos mostram, sem dúvida, que agir é urgente , a partir do cotidiano e do comum.

Esta jornada não termina hoje com o fim da Yakumama. Essa viagem começou há muitos anos, e este é apenas um novo começo nas formas de contar nossa própria história.