COP29 começa com um apelo ao mundo para aumentar a meta de financiamento climático
A Cimeira do Clima foi inaugurada em Baku, no Azerbaijão, até 22 de novembro, com a presença de líderes de todo o mundo. As novas metas e a transição energética entre os grandes desafios.
Dez anos após a adoção do Acordo de Paris, o mundo enfrenta uma crise climática crescente, com impactos cada vez mais frequentes e intensos, como ondas de calor, inundações e incêndios, que afetam principalmente os países em desenvolvimento e as populações mais vulneráveis, aquelas com menor responsabilidade pela origem da crise. Apesar das evidências claras do agravamento da situação, a resposta global tem sido insuficiente. Este ano, a COP29 se apresenta como um momento crucial, com o potencial de definir a trajetória da ação climática e de estabelecer uma meta de financiamento robusta para enfrentar os desafios do clima, especialmente após os acordos da COP28 e COP27, que carecem de financiamento adequado. A adaptação e o fundo para perdas e danos permanecem subfinanciados, ampliando a lacuna entre as necessidades das comunidades afetadas e os recursos disponíveis.
A Conferência de Baku tem sido chamada como “COP do financiamento” e tem como mandato principal a definição do novo objetivo de financiamento climático, a influenciar a ambição da próxima rodada de compromissos nacionais com vistas à COP30, em 2025.
A Presidência azerbaijana apresenta a COP29 como uma “conferência habilitadora” (‘enabling COP’), ao definir o volume de recursos providos pelos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento em apoio à transição rumo à economia de baixo carbono. O novo objetivo coletivo quantificado de financiamento climático (NCQG, na sigla em inglês) substituirá o compromisso dos países desenvolvidos de prover 100 bilhões de dólares anuais a países em desenvolvimento.
O sucesso da COP29 dependerá da capacidade das partes em estabelecer metas financeiras claras e eficazes para a ação climática, com foco em justiça, equidade e transparência. As finanças são essenciais para garantir que os países em desenvolvimento possam implementar ações de mitigação e adaptação, e para lidar com os impactos já inevitáveis das mudanças climáticas. Este é um momento decisivo para as partes do Acordo de Paris agirem de maneira coletiva e justa, respeitando os direitos humanos e os interesses das comunidades mais afetadas. Sem justiça climática, não há ação climática eficaz, e a falha na COP29 pode resultar em uma derrota política para a ação global contra a crise climática.
Brasil chega à COP29 focado em cobrar países ricos
A delegação brasileira, encabeçada pelo vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, chega a Baku com a maior queda nas emissões de gases de efeito estufa em 15 anos. Na noite de sexta-feira (8), o país publicou sua meta climática (NDC), considerada pouco ambiciosa, por muitos analistas, até pelo corte de emissão expressivo que o país acabou de registrar.
Apesar das críticas, o cenário é uma evolução em relação à “pedalada climática” do governo Bolsonaro em 2022, que alterou o ano de base para o cálculo das emissões, sem ajustar as metas de redução, levando a uma diminuição da ambição, o que não vale sob o Acordo de Paris.
Alckmin fica na COP29 de 11-14 de novembro; depois a delegação passa a ser chefiada pela Ministra do Ambiente, Marina Silva.
Como parte da Troika que preside a COP29 – composta pelas presidências das COP28 (EAU, 2023), COP29 (Azerbaijão, 2024) e COP30 (Brasil, 2025), o país terá funções nas negociações para um novo acordo sobre NCQG. A posição do Brasil neste tema é um alinhamento forte com os países em desenvolvimento, principalmente o Grupo G77+ China, na cobrança de recursos e responsabilidades dos países mais ricos.
Esta é uma negociação difícil, em primeiro lugar pelo seu montante – que deve obrigatoriamente ser determinado em Baku. A meta anterior, de US$ 100 bilhões ao ano, nunca foi cumprida. A Índia e o Grupo Árabe disseram na reunião intermediária de Bonn, em junho, que esse valor precisa estar acima de um US$ 1 trilhão ao ano para fazer frente às necessidades de financiamento climático atuais dos países em desenvolvimento. Os países ricos esperam convencer as nações de que não há tanto dinheiro assim para proteger o clima da Terra, enquanto gastam bem mais do que isso com mais projetos de combustíveis fósseis e guerras.
O segundo principal ponto que torna essa negociação complexa é a qualidade do financiamento. Os países em desenvolvimento entendem que os recursos devem ser concessionais, isto é, doações ou financiamento com juros muito baixos. Atualmente uma boa parte do que é classificado como financiamento climático tem origem em empréstimos, que são oferecidos aos países pobres e de renda média a juros altos. Desta forma, em vez de ajudar os países em desenvolvimento a implementar políticas climáticas, esses recursos pressionam os orçamentos públicos, dificultando ainda mais a adoção de ações pelo clima, principalmente para adaptação à nova realidade climática.
Os países ricos querem que o financiamento climático tenha origem privada, o que pode ser inviável, já que somente Estados podem se comprometer nos termos da Conferência de Clima (UNFCCC). E haveria sérias dificuldades para cobrar de empresas a implementação de acordos internacionais. Os países desenvolvidos também querem incluir novos devedores na conta, como a China, a Índia e até mesmo o Brasil. As duas coisas não são factíveis do ponto de vista negocial e são interpretadas por analistas experientes como estratégias para protelar ainda mais a negociação financeira de clima.
O Brasil não está entre os devedores nem entre os beneficiários preferenciais dos recursos negociados em NCQG, mas tem um alinhamento forte com os países em desenvolvimento, principalmente o Grupo G77+ China, na cobrança de recursos e responsabilidades dos países mais ricos. O país também estará em evidência por conta das expectativas em relação à COP30 de 2025, que pode herdar partes das negociações de NCQG de 2024.
O que a Sociedade Civil de Clima espera da COP29
A COP do Azerbaijão precisa encaminhar as orientações do Global StockTake (GST), principalmente a transição para longe dos combustíveis fósseis, já que esta é a última reunião multilateral antes do prazo final de fevereiro de 2025 para novas metas climáticas nacionais. O Observatório do Clima lembra neste documento de posição que a Troika formada por Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil foi criada exatamente para influenciar os países a terem maior ambição, mas esse processo não faz parte do processo formal das negociações.
Sobre o tema central, NCQG, em junho, em Bonn, na Alemanha, onde as negociações da COP de cada ano são iniciadas, os países não conseguiram concordar em praticamente nada. As discussões sobre essa nova meta vêm acontecendo há três anos e chegarão a um ponto crítico em Baku.
Este ano, os países estão mirando em uma meta de financiamento climático na casa dos trilhões, com países em desenvolvimento solicitando entre US$ 1 e US$ 1,3 trilhão. Fechar um acordo é crucial para apoiar os países em desenvolvimento na transição energética.
O documento de posição da CAN (Climate Action Network International), que reúne mais de mil organizações da sociedade civil de todo mundo, inclusive dos países desenvolvidos, cobra uma NCQG que garanta provisão de dinheiro público em um valor mínimo de US$ trilhão ao ano, entre outras demandas para a Cop29.
Consequências das eleições nos EUA
A vitória de Trump nas eleições dos EUA trouxe novamente à tona a questão do compromisso do país com a ação climática global. É esperado que ele tente expandir ainda mais a exploração de petróleo e gás e, possivelmente, se retirar — mais uma vez— do Acordo de Paris. Os rivais estão à espreita – um novo relatório do Net Zero Policy Lab mostra que países como Europa, China, Japão e Coreia do Sul têm a chance de ganhar dezenas de bilhões de dólares em novas oportunidades, caso os EUA recuem em sua abordagem para energia limpa.
Apesar da crescente incerteza geopolítica, muitas das políticas climáticas implementadas pela administração Biden têm grande potencial para se manterem resilientes, tanto no contexto interno, quanto no âmbito da UNFCCC. As expectativas são altas para que os EUA apresentem uma NDC (Contribuição Nacional Determinada) no Rio de Janeiro, durante o G20, para provar o compromisso de alas do partido Democrata com a ação climática global.
De novo, ano mais quente
Enquanto os negociadores chegam a Baku, eles saberão que 2024 será novamente o ano mais quente da história: assim, cada um dos últimos 10 anos está entre os 10 mais quentes já registrados. O planeta agora está mais quente do que esteve nos últimos 120.000 anos, muito antes de os seres humanos começarem a escolher locais seguros para viver e cultivar. Pela primeira vez, este ano provavelmente verá temperaturas médias mais de 1,5°C mais altas do que no Século 19, isto é, antes de os seres humanos começarem a queimar combustíveis fósseis. Embora isso ainda não signifique que o limite do Acordo de Paris já tenha sido quebrado, uma vez que este se refere a temperaturas ao longo de um período mais longo, os impactos já dão uma amostra de como o mundo se comportaria se esse patamar de aquecimento for estabelecido. Desastres como os furacões Helene e Milton, as inundações no Rio Grande do Sul, na Espanha e no Sahel, além da seca novamente recorde na Amazônia, serão destacados nos debates sobre a urgência de acelerar a redução do uso de combustíveis fósseis.
Sobre Azerbaijão
A Presidência da COP29 tem se dedicado a promover suas 14 iniciativas para a conferência, mas até agora a maior parte da atenção sobre o país se concentrou na repressão contínua aos direitos humanos contra ativistas da sociedade civil e jornalistas, além do seu próprio histórico energético fraco.
O maior exportador de petróleo e gás é classificado com uma NDC “criticamente insuficiente” e tem planos de expandir seus investimentos em petróleo e gás (espera-se que aumentem 14% até 2035). Entre suas iniciativas está o Fundo de Ação para Financiamento Climático de US$ 1 bilhão — se for lançado com sucesso, ele verá países e empresas produtoras de combustíveis fósseis contribuindo para o financiamento climático.
Descontinuação dos combustíveis fósseis
A ação mais importante para a diminuição das emissões de carbono e outros gases de efeito estufa é a transição para longe dos combustíveis fósseis, acordada em Dubai, na COP28 de 2023. O Orçamento Global de Carbono, o relatório anual padrão ouro para emissões de carbono e medição do progresso em direção às metas do Acordo de Paris, será divulgado no dia 13 de novembro, com um panorama global do ano passado, projeções para 2024 e dados por país para ajudar a entender os líderes e os retardatários.
O relatório de 2024 do Estado da Remoção de Dióxido de Carbono afirma que serão necessárias de 7 a 9 bilhões de toneladas de CO2 removidas anualmente até 2050 para alinhar com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris.
Atualmente, apenas 2 bilhões de toneladas são removidas a cada ano.
Os cientistas estão preocupados com as mudanças que estão observando no sistema climático. Todos os anos, o “Indicadores de Mudança Climática Global” divulga um “relatório de saúde” e as tendências estão indo na direção errada em todos os aspectos. A Iniciativa Internacional da Criosfera Climática nos diz que “2°C é alto demais”, acionando uma taxa inadaptável de elevação do nível do mar.
Fique atento à atualização deles neste ano, que será divulgada em Baku no dia 12 de novembro. Os pesquisadores também alertaram sobre o pouco que se entende sobre o “overshoot” (excesso de aquecimento), e reiteraram que a melhor e mais segura opção é manter as temperaturas o mais baixas possível.
Comércio
As crescentes preocupações com o impacto da transição energética sobre o comércio global reforçam a necessidade de uma cooperação multilateral construtiva e compromissos ambiciosos sobre o financiamento climático para apoiar os países em desenvolvimento. A mudança provável na postura dos EUA sobre políticas climáticas e comerciais oferece um espaço para liderança da UE e dos países do BASIC (Brasil, incluído). Mas há tensões centradas em taxas de ajuste de fronteira de carbono, e a China acaba de propor um item de agenda neste tema em nome do BASIC.
Informações via Climainfo