A COP16 já é a maior COP de Biodiversidade da história, com cerca de 20 mil participantes, segundo estimativa do governo Colombiano e mais de 500 mil pessoas ocupando a Zona Verde, a área social e cultural e as diversas organizações participantes do evento. A chamada “Cop do povo”, batizada assim pelo próprio presidente Gustavo Petro, tem conquistado os observadores tradicionais da COP do Clima, que chegam aqui pela primeira vez ou depois de muitos anos. Para eles, essa conferência menor e mais discreta é também mais acessível, com menos controles nas salas de reunião e ministros mais disponíveis para conversas adicionais.

As preocupações com segurança foram superadas, com a chegada dos chefes de Estado, mas eles são poucos. A Colômbia não escondeu sua decepção com essas ausências, sobretudo a de Lula, que cancelou praticamente todas as suas viagens internacionais para o resto deste ano.

Representatividade

Um dos grandes destaques dessa COP16 é a participação de várias comunidades lideradas por povos indígenas e afrodescendentes, as duas populações mais vulneráveis ao modelo extrativista. Tanto na Zona Verde quanto na Zona Azul, eles fizeram suas reivindicações serem ouvidas diante da falta de financiamento que recebem para cuidar de seus territórios. Foi a própria Vice-Presidente Francia Márquez que criou uma agenda para incluir as comunidades afrodescendentes nas negociações e, assim, estabeleceu um precedente na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade.

Faz falta

A ausência dos planos nacionais para preservação da Biodiversidade, as NBSAPs, da maioria das delegações foi um dos temas mais repercutidos na primeira semana da COP16. O Carbon Brief destacou que Reino Unido e Alemanha, que tanto cobram ambição nas negociações ambientais, perderam o prazo, enquanto o Guardian lembrou que a Cop16 tem a missão de reverter o retrospecto de metas não cumpridas da CBD. Al Jazeera, Mongabay e Capital Reset também abordaram o calote generalizado de metas. A anfitriã Colômbia submeteu sua NBSAP na abertura da COP, e o Brasil chegou a antecipar alguns detalhes de como está construindo seu compromisso. Nas salas de reunião o país está chamando a atenção para algo mais que está faltando: dinheiro.

Proporcional

O experiente time de negociadores do Brasil tem argumentado que a ampla falta de entrega da NBSAP não pode ser olhada de forma isolada. Metas de proteção da natureza realmente ambiciosas exigem financiamento compatível, principalmente porque a biodiversidade está concentrada nos países em desenvolvimento.

Sem fundo

A Convenção da Biodiversidade não possui um mecanismo próprio para alocação de fundos, e o GEF foi acionado em 2022 para uma solução provisória. Assim, o Fundo GBFF foi criado dentro do GEF para implementar o Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, com validade até 2030. No que depender do Brasil, esse arranjo precisa mudar já.

Entre 2015 e 2022, o mundo estava cumprindo o equivalente a apenas 23% da meta de financiamento de US$ 20 bilhões por ano estabelecida pelo Marco Global, segundo a OCDE. Após 15 meses de funcionamento, o fundo GBFF não parece estar avançando na meta. O Brasil apresentou três propostas ao GBFF, das quais duas foram aprovadas e a terceira recusada por simples falta de recursos. O país defende a criação de um novo fundo até 2030, com uma estrutura de governança mais inovadora que possa atrair mais recursos e mobilizar uma alocação mais eficaz.

Mesmo enredo

O recado da COP16 para a COP29 é direto: aqui como lá, os países em desenvolvimento esperam que os países desenvolvidos paguem o que devem para proteger o planeta, viabilizando metas de preservação mais ambiciosas de todos os países. A Reuters destacou a falta de confiança entre as partes da Cop16. Neste momento, a lacuna de financiamento necessário para proteger a biodiversidade que já é de US$ 700 bilhões e está aumentando. Os países megadiversos estão apostando em arranjos que possam servir de exemplo para outras geografias, inclusive a Colômbia usou a segunda (28), Dia de Finanças da COP16, para apresentar seu green bond com foco em biodiversidade.

Não faz falta

Poluidores do lado de fora. A Cop16 está conseguindo o que já parece impossível para as Conferências de Clima, contaminadas pelo lobby cada vez mais orgulhoso daqueles que estão levando o planeta ao colapso. Justin Catanoso escreveu no Mongabay que a ausência das petroleiras está permitindo avançar na discussão do fim de subsídios para atividades que destroem a biodiversidade da ordem de US$ 500 bilhões; e Mariana Grilli detalhou no UOL que o grande agronegócio, habitué das negociações climáticas, não deu as caras nas discussões de biodiversidade, mas foi assunto.

Agro pop

Pequenos produtores brasileiros e de outras geografias estão participando da Cop16 para falar de agroecologia e outros sistemas de produção aliados à manutenção da biodiversidade. O argumento deles é que apesar da meta da CBD mencionar apenas a preservação de 30% das terras, o uso sustentável dos outros 70% é imprescindível para o cumprimento desse objetivo.

Guardiões da natureza

Sem lobistas drenando a atenção de negociadores, as tratativas da CBD estão conseguindo avançar em coisas complexas, como reconhecer formalmente a contribuição de povos que protegem a natureza por meio de seus estilos de vida. A citação textual de populações tradicionais afrodescendentes, como os quilombolas, é uma iniciativa de Colômbia e Brasil, que têm numerosos grupos de população negra com modos de vida tradicionais. A CBD já reconhece os povos indígenas no artigo 8j, com implicações de financiamento e de repartição de benefícios do uso da biodiversidade. Mas a resistência à inclusão dos afrodescendentes estava vindo justamente do continente africano.

Diplomacia

Na segunda-feira (28) a vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, que vem de uma comunidade negra tradicional, anunciou que a República Democrática do Congo (DRC), que estava contra a inclusão de afrodescendentes em 8j, mudou de posição. A ministra de Ambiente da DRC, Eve Bazaiba, declarou 100% de apoio ao documento. Na fala, a ministra esclarece que o entrave inicial com a proposta se deu porque os países africanos entendem que essa é uma discussão que deveria estar em um nível ainda mais alto nas Nações Unidas, não apenas na CBD.

A inclusão de afrodescendentes no artigo 8J tem grande respaldo da sociedade civil, em organizações como o Processo de Comunidades Negras (PCN), a Coalizão pelos Direitos Territoriais e Ambientais dos Povos Afrodescendentes da América Latina e do Caribe.

Dados Genéticos

O acesso aos recursos da biodiversidade deve garantir seu conhecimento, conservação e uma repartição justa dos benefícios, inclusive com as populações tradicionais que detêm o conhecimento sobre seus usos. Em 2022, a CBD criou um mecanismo global para repartir benefícios do uso de informações de sequências genéticas digitais (DSI). A COP16 precisa definir agora como essa repartição será calculada e financiada. Esta é considerada por muitos observadores a negociação mais complexa desta Cúpula, abordando biopirataria e bilhões de dólares.

Todas as discussões anteriores levaram em conta o acesso de recursos in natura. Com o sequenciamento digital, tudo muda, e isso é de extrema relevância para o Brasil, principal país megadiverso do mundo. A discussão sobre DSI tem influência direta sobre outros tratados, que abordam de segurança alimentar à riscos sanitários, mas nenhum deles menciona diretamente o sequenciamento genético. Há poucos bancos de dados de biodiversidade (no Japão, EUA e UE), e eles descumprem as poucas regras estabelecidas no tema, definidas no Protocolo de Nagoya.

A resposta

Reconhecidos como populações importantes para o cumprimento da meta 30×30, de preservar 30% das terras e oceanos do mundo até 2030, os povos indígenas representados na Cop16 pedem o fim dos combustíveis fósseis. O G9, coalizão de organizações indígenas dos nove países amazônicos, trouxe esta como uma pauta central no momento de seu lançamento na Cop16, reporta o Valor; enquanto indígenas da amazônia brasileira exigem o fim da exploração de combustíveis fósseis em seus territórios.

“Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a Natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto predatório que ameaça a vida no planeta”, diz o Manifesto da Coiab, que cobra cop-presidência da COP30 e demarcações.

Energia

A transição energética justa é tão necessária para preservar o clima quanto para frear a perda de biodiversidade. Um grupo de organizações da América Latina entende que esta agenda depende de um protagonismo da região, que pode, em troca, encontrar sua rota de desenvolvimento sustentável. A Exame destacou esse movimento, que culminou na criação da Aliança Potência Energética (APEL) em 2024, unindo instituições que trabalham com comunidades locais, organizações de base, governos, cientistas, artistas e educadores.

Com informações do Climainfo