Por Christina Gonçalves

Renata Di Carmo é multiartista que fez história ao se tornar a primeira mulher negra a integrar uma sala de roteiro da TV Globo, ainda no final dos anos 90.

Como autora, a porta de entrada no audiovisual foi o humor. Trabalhou em algumas equipes de programas. Começou no audiovisual na segunda metade da década de noventa, fazendo alguns freelas para o SBT e depois foi contratada pela TV Globo. Colaborou em cinema, fez alguns curtas; uma das faculdades que fez foi a de cinema.

O contato com o teatro começa aos 11 anos de idade. “Me ajudou muito a desenvolver uma sensibilidade para a construção de personagens e narrativas no audiovisual, seja em que função eu estivesse”, conta.

Como diretora, a experiência inicia no palco também. No audiovisual, começou dirigindo curtas. Renata conta que ainda tem novos filmes para lançar e segue nesse processo de atuação que conversa com uma experiência de versatilidade nas artes.

“Minha prática vem daí, dessa lida diária, do exercício, do desejo de conhecer, dessa busca por formação e por uma formação ampliada, pois vou buscar no cinema, no teatro, na literatura e até na comunicação”, completa.

A roteirista revela que, para chegar a assumir as redações finais e liderar alguns processos criativos, teve uma longa estrada. E vê toda a sua trajetória como uma grande construção.

“Uma construção que, sem dúvida, me molda, me aponta caminhos e formula meus desejos de atuação no mercado. Ou seja, ela define como eu faço as coisas e minhas motivações. Pauta as atitudes artísticas e políticas que eu tomo na minha relação com esse fazer”, continua.

A multiartista diz que um dos maiores desafios na carreira foi a falta de pares, a solidão completa e a travessia por um território totalmente incomum para ela. A ausência de referências, de bases, de mentores e de apoio fez muita diferença em sua caminhada profissional. Ela ressalta que, na época em que começou, infelizmente não existiam os projetos e iniciativas que hoje estão disponíveis.

“Eu me fortaleci em muitas leituras, mas você precisa de gente, de investimento, de plano de carreira, de rede, de paridade e de tantas outras coisas que deveriam ser o básico e o trivial, mas a nossa sociedade é tão complexa e tão viciada em não querer se repensar.”

Renata diz que o que mais a atrai em um roteiro ou história é a possibilidade de contar uma boa narrativa — de falar sobre algo sensível, importante e humano. É a chance de se comunicar, de se experimentar e de se desafiar. De apresentar algo novo ou contar de outra maneira, sob outro viés ou olhar. Também a motiva poder dar voz a histórias que deveriam ser conhecidas por todos, mas que foram apagadas pelos processos históricos e pelo tempo. Ela acredita na força das histórias que nos tiram da zona de conforto e nos fazem pensar fora da caixa.

O pioneirismo no cargo de liderança em uma grande empresa traz, para Renata, experiência, conhecimento, maturidade e reflexão.

“Essa estrada define a minha prática, as escolhas que eu faço, o que eu valorizo, as investidas que assumo. Define a minha ação no mundo e o meu exercício nessa feitura”, explica.

Ela afirma também que, quando se opera no campo do simbólico, trata-se não apenas da palavra ou do imaginário, mas também da ação. É sobre as maneiras pelas quais se impacta os outros e se constrói algo a partir disso.

Para a roteirista, não tem como pensar em conteúdo nacional, problematizar cota de tela, sem pensar num Brasil absolutamente plural. Sem pensar que as narrativas pertencem a uma gama de vozes. E sem colocar em perspectiva o quanto os projetos ganham em qualidade e riqueza com essa variedade de atores realmente presentes, atuantes em todas as etapas do processo e em diferentes postos. “Somos tantos, tão variados e tão talentosos. Isso é sobre produzir bom conteúdo”, conta.

A insistência, o trabalho, a vida e a luta de gerações de artistas produziram mudanças. É notório que existe uma diversidade maior atuando nos processos criativos hoje.

“No nosso país é um jogo contínuo entre persistência, luta, resiliência e ação. É um tanto de loucura, paixão e desafio, claro. Ou não nos movemos. Estamos em processo”, continua.

Renata diz que sonha em ver todo tipo de histórias sendo contadas, que elas sejam muitas e variadas, contadas por gente talentosa, sensível e com vozes plurais em diálogo. Ela ressalta que, nesse contexto, é essencial continuar falando sobre gênero, raça, região e idade.

Foto: Divulgação/Assessoria

Projetos futuros

Dois projetos estreiam no próximo ano: a série “[in]vulneráveis”, uma produção com protagonismo feminino negro focada na enfermagem, criada em parceria com a Jabuti Filmes e Universal Plus BR. As atrizes protagonistas saíram do reality “No Jogo”, criado para o Canal E!, numa demanda por conteúdo cross do Universal. Nos dois projetos, além de estar nos bastidores, assinando a criação, Renata também está na escrita, na direção e na frente das telas — como jurada do reality, ao lado de Valéria Monã, e como atriz na série. “Um desafio, um projeto inovador mesmo”, diz.

E tem também o longa “Tá Pago”, uma comédia da Black Pen Filmes, de Jonathan Haagensen e Mariana Veil, na qual assina o roteiro. “É um filme com temas muito atuais, relevantes, que estão na ordem do dia das pessoas e que também me atravessam bastante e profundamente, tratados com leveza e humor, com uma equipe deliciosa”, completa.

Finalizando a entrevista, Renata deixou um conselho para os que estão começando no audiovisual: “Estudar, praticar como puder, exercitar a escuta e o desejo. Se manter atento e em conexão. Não se perder de vista. Cuidar da saúde. Tentar cuidar bem da cabeça, manter a cabeça e o coração no lugar”, termina.