Conheça Maria Mire, a diretora por trás do documentário ‘Clandestina’
Diretora e artista plástica, Maria faz um retrato poético e profundo da vida de Margarida Tengarrinha, revolucionária antifascista
Por Laura Süssekind
Maria Mire é uma artista e cineasta que vive e trabalha em Lisboa. Seu trabalho é focado na exploração da imagem em movimento, tanto no cinema quanto no campo das artes plásticas. Doutorada em Arte e Design pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) em 2016, Maria Mire defendeu a tese intitulada Fantasmagorias: a imagem em movimento no campo das Artes Plásticas, pesquisa que reflete seu interesse pela percepção da imagem em movimento e sua relação com as artes visuais.
Atualmente, é professora e co-responsável pelo Departamento de Cinema/Imagem em Movimento do Ar.Co., em Lisboa. Ademais, leciona no PhD em Arte dos Media e Comunicação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) e no Mestrado de Artes do Som e da Imagem da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha (ESAD.CR). Além disso, Mire já havia lecionado no Departamento de Multimédia da Faculdade de Belas Artes do Porto e no Curso de Comunicação Audiovisual e Multimédia da Universidade Lusófona do Porto.
Além de seu trabalho individual, Maria é reconhecida por suas colaborações com outros artistas e cineastas. Ela integrou diversos projetos colaborativos, como o Coletivo Embankment, a Plataforma Ma, e Patê Filmes, que formaram exposições importantes.
O trabalho de Maria Mire no cinema ganhou destaque com seu filme “Parto sem dor” (2020), uma conversa imaginada com a médica Cesina Bermudes, pioneira em obstetrícia e defensora do parto humanizado. O filme foi selecionado para importantes festivais, como o IndieLisboa e o Festival Caminhos do Cinema Português, além de ter recebido o prêmio de Melhor Documentário na Competição Nacional do Porto Femme – International Film Festival.
Seu mais recente longa-metragem, “Clandestina” (2023), exibido no 26º Festival do Rio, explora a vida de Margarida Tengarrinha, uma artista, escritora e militante do Partido Comunista Português, que atuou durante o regime fascista de Salazar. O filme retrata sua vida na clandestinidade, falsificando documentos como forma de resistência política. Além de tratar da história antifascista de Portugal, “Clandestina” também dialoga com as tensões políticas atuais, refletindo sobre os riscos de repetição de regimes totalitários.
O filme foi lançado pouco antes do falecimento de Margarida, que, segundo Maria Mire, foi uma figura fundamental no processo criativo, pois fazia questão que ela se sentisse representada e se enxergasse na narrativa. Destacou a importância da participação dela nas decisões criativas e a conexão entre ambas, tanto como artistas plásticas quanto como colaboradoras na construção imagética do filme, já que as duas valorizaram muito a dimensão poética e estética do longa.
Ao colocar em pauta questões de tecnologia e tempo no filme, Maria explica que, ao imaginar o filme, não pensava em um tempo específico, mas sim em algo que estaria por chegar, e quis garantir que o filme capturasse tanto a realidade quanto uma dimensão imaginativa: “Eu não penso um filme para o atual, penso um filme que possa comunicar com agora, mas penso um filme que não tivesse um tempo e que, se tivéssemos que defini-lo, seria um tempo por vir”. De forma quase premonitória, o filme estreou em um contexto eleitoral em que a extrema-direita alcançou um impacto significativo nas eleições legislativas. “Eu pensei num tempo por vir, mas parece que chegou depressa demais”, comentou a diretora, refletindo sobre como sua visão se tornou ainda mais pertinente do imaginava.
Para Maria, a maternidade na clandestinidade era um aspecto crucial a ser explorado no filme, algo que também conectava “Clandestina” com seu trabalho anterior. A vida da mulher se transforma completamente no contexto da clandestinidade, onde profissionais e trabalhadoras acabavam confinadas ao espaço doméstico, cuidando das crianças, vigilantes de tudo que se podia fazer dentro de casa em prol da causa e não podiam estabelecer relações com ninguém além de poucos vizinhos.
Outro aspecto importante para Maria foi a acessibilidade do filme a falantes de língua portuguesa de diferentes regiões. A colaboração com a atriz carioca Joana Levi foi importante e combinaram que a narração tivesse um português mais “neutro”, buscando incluir o máximo de espectadores.
Com uma carreira multifacetada que abrange cinema, artes visuais e ensino, Maria Mire continua a explorar e expandir as possibilidades da percepção da imagem em movimento. Sua obra traz novas maneiras de pensar a resistência, a história, o tempo e a memória, mantendo-se profundamente relevante no contexto contemporâneo.