Por Mariana Costa

Maria Auxiliadora. Foto: Divulgação/Masp

Mulher negra, periférica, mineira e artista brasileira autodidata. Maria Auxiliadora da Silva, ou apenas Maria Auxiliadora, é uma figura marcante para a arte brasileira. Ela nasceu em Campo Belo, Minas Gerais, em 15 de Maio de 1938, mas se mudou para São Paulo ainda criança. Maria Auxiliadora cresceu em uma família de trabalhadores e artistas autodidatas, militantes do movimento negro — sua avó fora escrava, sua mãe embora não seja artista, incentiva os filhos a criarem. Alguns de seus irmãos também eram artistas, como João Candido da Silva e tal imersão desde cedo em um ambiente criativo impulsionou suas experimentações.

Ainda criança aprendeu a bordar com a mãe e desenhar com carvão, guache e tinta a óleo, mas aos 12 anos parou de estudar para ajudar a família e começou a trabalhar como bordadeira. Atuou como empregada doméstica durante um longo período de sua vida, mas sem nunca deixar sua paixão, pintava nas horas vagas e apresentava suas obras em locais públicos, como nas feiras de Embu das Artes e nos circuitos artísticos, que aconteciam na Praça da República, em São Paulo. No entanto, apenas aos 32 anos ela conseguiu se dedicar exclusivamente ao seu maior dom, a pintura.

A artista mineira contrariava todas as expectativas sobre o papel de uma mulher negra na época, reinventando o conceito de arte se descolando dos preceitos acadêmicos e modernistas. Suas obras eram autênticas, populares e vibrantes. Maria Auxiliadora pintava como se bordasse tecido. Utilizava-se de muita textura e é o marcante uso de cores brilhantes e relevos sobre a tela. Ela criou suas obras a partir de uma técnica própria que desenhou, que se tornou sua assinatura: uma mistura de tinta a óleo, massa plástica e mechas do seu cabelo para construir relevos na tela. Alecsandra Matias de Oliveira, Doutora em Artes Visuais e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP comentou sobre a expressão única da pintora mineira. “Alguns críticos de arte a classificam como figura relevante, sendo intitulada como artista marginal, primitivista, naif, por produzir de maneira autodidata. Contudo, ela fez uma revolução silenciosa ao assimilar valores culturais próprios à sua condição de mulher, negra e brasileira.”

Legenda: Sem título (Candomblé), 1968 Foto: Divulgação Masp

Revolucionária, as histórias dos fluxos entre a África e as Américas através do Atlântico ganham o olhar de uma mulher afro-brasileira. Como pintora, produziu obras singulares, avessas ao convencional. Sua arte era atravessada pelo protagonismo dos corpos negros e das tradições culturais e religiosas de matriz africanas, em plena ditadura militar. Enquanto a cena cultural e artística brasileira sofreu grande impacto pela censura instituída e era limitada às considerações conservadoras, a arte de Maria Auxiliadora não seguia as ideias de cultura normatizadora e apolítica. “Ainda que em suas obras não sejam percebidas diretas relações com reivindicações políticas por direitos de pessoas negras, por exemplo, Auxiliadora carrega em suas obras visualidades únicas”, contou Alecsandra Matias.

O prestígio de Maria Auxiliadora cresceu e suas obras passaram a ser disputadas por colecionadores estrangeiros e a figurar em exposições no Brasil e no exterior. Em 1973, ela participou da Exposição afro-brasileira de artes plásticas, no MASP. Pietro Maria Bardi, importante diretor do museu paulistano, publicou um livro sobre ela em quatro idiomas. Em seus dois últimos anos de vida, Maria Auxiliadora enfrentou um câncer. A mineira, a partir de então, aderiu a tópicos como a morte e os anjos na sua arte e momentos tristes mantiveram o característico tom colorido pelas mãos da artista, que morreu no dia 20 de agosto de 1974.

50 anos após sua morte, suas obras seguem admiradas por sua originalidade e pela maneira como capturam e valorizam a cultura brasileira. Alecsandra Matias apontou a importância da Maria Auxiliadora para a arte brasileira, mas também em um cenário amplo onde ela é uma referência para o povo afro-brasileiro. “A vida e arte dela comprovam a possibilidade de se pensar outras possibilidades de futuro e presente que contemplem mulheres, negros, indígenas e outros modos de ser e estar no mundo.”

O movimento de resgatar figuras femininas históricas tem ganhado força nos últimos anos. Na edição de 2024 do Festival Literário das Periferias (FLUP), a historiadora e poetisa Beatriz Nascimento foi homenageada, destacando sua contribuição para o desenvolvimento do pensamento antirracista e decolonial brasileiro. Além disso, o resgate da memória e das obras de Maria Auxiliadora é uma resposta direta às questões contemporâneas, impactando profundamente a vida cotidiana dos brasileiros. “Novos reexames revigoram e resgatam poéticas, presenças, memórias e histórias que hoje podem nos ensinar muita coisa”, concluiu, por fim, Matias, professora da USP.