Conheça Luiz Escañuela, “Em Carne Viva”
Confira os trabalhos e processo artístico de Luiz Escañuela, o #ArtistaFODA desta semana
Por Amanda Olbel
Hiper-realismo é um gênero de pintura que surge nos Estados Unidos a partir dos anos 60, com características fotográficas. São trabalhos extremamente minuciosos, que carregam uma imensidão de mínimos detalhes com poros e pelos, marcas de rugas e expressão – de forma quase fissurada. Luiz Escañuela é um artista plástico de São Paulo, e aos 28 anos é um dos nomes em cena, representando essa vertente no Brasil. Seu conteúdo poético busca fazer conexões com ideias de empatia, humanidade e os efeitos da passagem do tempo em nosso corpo, utilizando imagens que criem uma ilusão de presença, a partir de uma virtualidade da matéria.
Já tendo sido citado na Forbes Under 30, Escañuela, Bacharel em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, com histórico em Design Gráfico, vem nos últimos anos realizando obras mais politizadas, e diz ter prazer em estudar sobre as Ciências Sociais de maneira independente. Conta que sempre teve desejo de introduzir esse conteúdo em seu trabalho de forma que eu não fosse clichê ou vago, nem sequer, se apossando de questões densas que demandam estudo para poder falar e discursar sobre.
“Agora mais no início da pandemia comecei a me sentir mais confortável fazer analogias dentro da minha prática de hiper-realismo. Trazer questões do corpo e natureza; de identidade e política – falar sobre um Brasil diferente. Fazer essa conexão do figurativismo com a ideia de criar imagens que dialoguem com a nossa história: com a nossa iconografia, com os nossos signos. Mas também de alguma forma os deturpe, fazendo esse vínculo com corpo humano”
O artista nesses tempos se percebe em um movimento de separar imagens iconográficas, sobre as quais distribui veias, trazendo uma abordagem mais sangnolenta para a história dos corpos que retrata. Consequentemente, (mesmo que de maneira inconsciente) discursa também acerca das questões de violência do Estado sobre as muitas individualidades, as quais são negligenciadas, ignoradas, torturadas ou assassinadas pelos governos ao redor do país. Se faz claro para nós, um paralelo com as obras dos artistas Lucio Fontana e Adriana Varejão, com os elementos dos cortes, azulejos e das “feridas abertas da América Latina”, como em suas pinturas “CHAGAS” e “COPACABANA”. Parece de fato, existir um desejo de ressaltar essas entranhas, essa tragédia, essa violência por detrás dos rostos e das vivências de Brasil, de maneira bem íntima e sinestésica. A presença do toque, quase palpável, é inegável em seu trabalho, e faz com que o espectador usufrua de um momento único de catarse escoriada.
“A pesquisa para eu entrar dentro desses questionamentos políticos, vem não só de leituras, – de livros que tratam sobre a história e icnografia brasileira -, mas também, de um copilado de imagens que eu devo fazer há uns 5 anos, que seleciono de catálogos, museus, viagens… São basicamente imagens que me interessei e guardei, simples assim.”
Além disso, com possibilidade de captação de imagens de maneira mais trabalhada, que é quando ele próprio, ou um fotografo profissional, montam uma cena “artificialmente”, com a presença de modelos. Revela ter contratado para uma de suas obras, “PAX SUDAMERICANA” uma companhia e dança, juntamente de uma coreógrafa para produzir a composição da imagem. “Ficamos brincando e trabalhando com luzes, jogos de corpos, e como eles se relacionavam naquela situação”.
Diz também usar o site Brasiliana Iconográfica, para buscar referências. Serve como um catálogo de obras do Brasil Império Colonial, com pinturas, gravuras, desenhos, capas de livros, ilustrações enciclopédicas, etc. Já tendo ficado 8h seguidas tirando prints e guardando, descobrindo o que eram, mergulhado no banco de imagens.
“Essa ideia de pesquisa de referência está muito ligada ao meu cotidiano, com a minha vida. São coisas que eu não paro de buscar. As vezes uma rachadura no chão indo pro ateliê, é uma coisa que interessa, daí eu paro e fotografo. Acho que essa ideia de copilado é importantíssima, apesar de alguns momentos poder ser perigosa. Se você tem muita referência precisa ter uma ideia de gargalo um pouco mais inteligente de como vai afunilar elas pra construir um trabalho que seja coerente. Referencias demais fazem a gente acabar explodindo pra vários lados, narrativas e poéticas diferentes”.
Na sequência do processo monta uma colagem computadorizada com as tais fotos e imagens que coleciona, e diversos outros elementos, como símbolos e signos, que julga pertinentes para o contexto da obra. Quando o tratamento é mais hiper-realista faz também uma divisão da tela em pequenos quadrantes (quadrados) e realiza a pintura quadradinho por quadradinho, tentando capturar cada poro, cada detalhe, para ter o tratamento e textura desejados, como se fossem uma pequena tela individual. E dentro dessa ideia de pré-projeto gosto de pensar e escrever, tanto sobre a própria tela, quanto algumas palavras chaves sobre o que está querendo representar naquele momento.
“Sempre gostei dessa ideia de contraponto: de coisas que são bonitas, mas ao mesmo tempo possuem algum tipo de violência e de agressividade; coisas que nos emocionam e ao mesmo tempo nos trazem algum tipo de tristeza. Acho que isso tem um certo tipo de espírito do homem latino americano. E isso vem muito de algumas leituras minhas, com o próprio Gabriel Garcia Marques, com “100 anos de solidão”, que é essa construção de uma experiência latina que é muito solitária e possui uma beleza muito particular, mas ao mesmo tempo uma agressividade, uma fúria, muito potentes. Acho que estou sempre trabalhando com esses conceitos na hora de pensar em imagens que sejam monumentais e que possuam um certo de tipo de agressividade, tristeza, ou singeleza nos detalhes. ”
Em função do tempo de trabalho, artista nos conta que há telas, que só pela ideia do projeto, inicia sabendo que irão durar 6 meses para serem totalmente realizadas, pelo fato de demandarem uma atenção extremamente demorada e detalhada, que o fazem entrar em uma situação de transe meditativo. E assim, experimentando e esculpindo a tela com esses segundos, minutos e horas com as quais vai se dedicar. Ao mesmo tempo que há telas onde a proposta é ter detalhes, porém rápidos, permitindo a presença mais expressiva e espontânea de gestos, movimentos e experimentações.
Luiz compartilha que está sendo um processo divertido, apesar de um tanto doloroso, principalmente no início da pandemia. Se percebe em um outro momento de sua produção artística, contudo, diz ter se sentido perdido, e de certa forma um tanto saturado do que estava produzindo até então. Sua paixão pelo hiper-realismo é grande, e não pretende abandonar a prática, porém afirma ter sentido necessidade de uma espontaneidade que fosse um pouco além da representação de mimese perfeita. De qualquer forma, revela ter sido um processo difícil compreender de que maneira poderia somar e acrescentar ao trabalho, com uma pintura mais aberta.
“Sempre costumo dizer que pintar pra mim não é só pincel, tinta e tela. Tem vezes que estou mexendo no computador, mas mentalmente eu estou pintando. Ou quando estou vendo televisão e faço uma pausa na cena, e sinto que ali começou um tipo de pintura. Por que é uma ideia de trabalho mais mental do que físico. Obviamente a gestualidade e a materialidade são realmente importantes. Mas o pensamento da pintura vem antes. Tanto as questões plásticas, quanto conceituais – se o tema me é caro, se me incomoda, se me faz sentir amor ou nojo… e isso também é pintar. São nesses momentos em que decido me conectar com as cores que vou utilizar para passar esse tipo de sentimento.“
Escañuela acredita sempre ter sido uma pessoa ambiciosa, entretanto tem aprendido, e se acostumado, com a ideia de focar e cuidar mais do caminhar do processo. E claro, como artista, ainda gostaria de fazer grandes instalações públicas, fazer parte do acervo de museus, ou trocar ideia com pessoas que são suas inspirações. Mas deduz sua maior ambição hoje ser a possibilidade de troca com pessoas desse nosso tempo, e com pessoas que estejam fazendo o mesmo que ele dentro do cenário artístico e da sociedade.
Em contrapartida parece orgulhoso em contar os passos do pequeno Luiz, que aos 6 anos, desenhava incansavelmente seus desenhos animados favoritos, e é grato pela sorte de pais atenciosos e cuidadosos, que o incentivaram a estar aqui hoje. Mais recentemente, por um parceiro que lhe atende como primeiro crítico e público de seus projetos. Todavia, as possibilidades de traçar novas rotas e riscar outras veias, alimentando raízes e criando rizomas, se apresenta como um mapa cada vez mais amplo de possibilidades potentes e viscerais, para o artista tremendamente extraordinário e deslumbrante.
Inclusive, agora, na segunda semana de Setembro, do dia 08 ao dia 12, estará com uma obra inédita, de 4 metros de comprimento, fazendo parte da feira Arte Rio 2021, que ocorre na Marina da Glória, no Rio de Janeiro.
Luiz Escañuela participou de diversas exposições coletivas em São Paulo, pela Galeria Luis Maluf, Brasil 2020. SP-ARTE 2020, Pavilhão da Bienal – Parque do Ibirapuera, Centro Brasileiro Britânico, Museu Belas Artes de São Paulo, assim como internacionais no Palm Beach County Convention Center- Flórida, e workshops na Galeria Benjamin-Eck – Alemanha.
O artista compartilha fotos de suas obras e seus processos nas redes sociais, através de seu perfil verificado @luizescanuela no Instagram. Para ficar por dentro dos próximos #ArtistasFOdA’s, e dos anteriores, basta nos seguir pela página @planetafoda, frente de mobilização LGBTQIAP+ da Mídia NINJA.