Por Laura Süssekind

No Dia Nacional do Documentário, é essencial trazer um pouco da trajetória de Lúcia Murat, figura tão impactante do cinema brasileiro. Durante toda a sua carreira, a cineasta trouxe suas experiências pessoais e políticas, entrelaçadas a ficção e fatos históricos, para criar filmes que destacam, sobretudo, as cicatrizes deixadas pela ditadura militar no Brasil. 

Lúcia Maria Murat Vasconcellos nasceu em 1948, no Rio de Janeiro e em 1967, iniciou seu estudo de economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde rapidamente se envolveu no movimento estudantil. Em 1968, foi presa pela primeira vez no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em São Paulo. Após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, Lúcia foi expulsa da universidade e se juntou ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Em 1971, foi presa e levada ao DOI-Codi, no Rio de Janeiro, onde sofreu intensas torturas, incluindo pau de arara, eletrochoques e espancamentos, liberta somente após três anos e meio de prisão.

Em seguida, Lúcia retomou os estudos e se formou em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), embora não tenha exercido a profissão. Ao invés disso, começou a trabalhar como articulista e documentarista. Na década de 1980, com sua dedicação voltada ao cinema, dirigiu diversos filmes e fez documentários para a TV Educativa e a Bandeirantes. Vários de seus trabalhos de maior destaque têm a ditadura como foco e tudo que ela sofreu na luta durante esses anos, não só tratando dos fatos históricos, mas de sua memória e das marcas deixadas pelo passado no presente. 

Em “Que Bom Te Ver Viva” (1989), Lúcia mostra depoimentos reais de ex-presas políticas torturadas intercalados com comentários ficcionais de uma personagem anônima, criando um retrato poderoso e emotivo das experiências traumáticas vividas durante a ditadura. O filme conquistou o Troféu Candango de melhor filme no Festival de Brasília, marcando o início de seu reconhecimento no cenário cinematográfico, que ela mesma já destacou como inesquecível.

Durante a década de 1990, Lúcia produziu vários documentários em curta e média metragens levantando temas de problemas relevantes do país. Além disso, dirigiu o longa de ficção “Doces Poderes” (1996), sobre uma jornalista que comanda um canal de televisão e precisa lidar com questões ideológicas e éticas durante o período eleitoral.

Em seguida, teve trabalhos como “Brava Gente Brasileira” (2000), que retrata a relação conflituosa entre portugueses e indígenas no século XVIII, “Quase Dois Irmãos” (2004) e “Uma Longa Viagem” (2011).

“Quase Dois Irmãos,” que venceu o troféu de melhor título ibero-americano no Festival de Mar del Plata, retrata a amizade entre as famílias de Jorginho, negro e morador da favela, e Miguel, branco de classe média, no Rio de Janeiro durante a ditadura. A trama chama a atenção para valores que separam a luta da esquerda das classes mais pobres e discute temas sociais e ideológicos durante essa época para diferentes realidades sociais.

Já “Uma Longa Viagem” foi vencedor do Kikito de melhor filme no Festival de Gramado. É um documentário que narra algumas jornadas, a relação de Lúcia com seus irmãos e as viagens de um deles pelo mundo. O filme aborda a ditadura militar e as relações de classe, sempre com um olhar profundo sobre afeto e as relações familiares.

Em 2013, Lúcia lançou “A Memória que me Contam”, também sobre os Anos de Chumbo. O filme gira em torno da ex-guerrilheira, Ana, e sua iminente morte, sendo o último elo entre um grupo de amigos que resistiu à ditadura militar no Brasil, e o reencontro deles na sala de espera do hospital.

Seu projeto mais recente, produzido em 2020, tem data de estreia nos cinemas brasileiros dia 15 de agosto. “O Mensageiro” teve sua première mundial no Festival de Lima, em 2023, e levou oito prêmios no 1º Festival Internacional de Cinema de Paraty, em agosto de 2024. O longa também participou da 47ª Mostra de Cinema de São Paulo e do Festival do Rio. Ambientado durante a ditadura militar no Brasil, em 1969, o filme fala sobre Vera, presa política, e o soldado Armando, que aceita levar uma mensagem dela para sua família e acaba formando uma relação afetiva com a mãe dela, Maria.

Durante os bastidores da obra, para coluna do portal “Metrópoles”, a diretora comentou que, durante o governo Bolsonaro, houve tentativas de apagar a memória da ditadura militar. Por esse motivo, decidiu retratar esse período para a “nova geração”. Afirmou: “Negava-se a memória e a existência da ditadura. É importante a gente mostrar, de novo, que essa ditadura existiu, que foi um horror e que foi a ditadura mais longeva da América Latina”

Lúcia Murat é conhecida por abordar temas autobiográficos, sociais e políticos, relacionando sua trajetória pessoal com os eventos históricos do Brasil nos terríveis anos da ditadura militar. A importância do seu trabalho no cinema é inegável. Seus filmes não só documentam períodos cruciais da história do país, mas também refletem a memória, justiça e resistência deles. No Dia Nacional do Documentário, celebramos sua contribuição para o cinema e sua coragem nessa arte que educa, inspira e, sobretudo, relembra, de forma tão essencial, esse pedaço da história do nosso país que jamais podemos esquecer.