
Conheça Kamikia Kisêdjê, o olhar indígena que transforma resistência em imagem
Fotógrafo e cineasta do povo Kisêdjê, Kamikia documenta a luta pela preservação cultural e ambiental da Terra Indígena Wawi
Por Christina Gonçalves
Kamikia, do povo Kisêdjê, é da Terra Indígena Wawi, localizada em Querência, no estado do Mato Grosso. Formado pelo Projeto Vídeo nas Aldeias, iniciou sua trajetória no audiovisual ainda jovem, quando passou a acompanhar as lideranças indígenas em manifestações.
Enfrentando uma realidade familiar com poucos recursos, o fotógrafo trabalhou por anos com equipamentos improvisados ou emprestados. A virada aconteceu em 2000, quando conseguiu comprar sua primeira câmera.
Ele ressalta a importância do projeto e de seu idealizador, Vincent Carelli: “Ele é meu grande professor, com quem aprendi muito e que me levou até onde estou. Ele valoriza profundamente o trabalho dos cineastas e fotógrafos indígenas. Levou a oficina até nós e também doou equipamentos, como câmeras e computadores, para a aldeia.”
O comunicador lembra que, no início, havia poucos comunicadores indígenas e afirma sentir-se feliz ao ver esse cenário mudar: “Eu, do Mato Grosso, e uma pessoa lá de Roraima fazíamos essa cobertura. E hoje, com muito orgulho, recebemos mais de 300 comunicadores indígenas vindos de várias regiões do país.”
Atualmente, Kamikia também atua como formador, levando o conhecimento adquirido à sua e a outras comunidades indígenas: “Dou oficinas de vídeo e foto para multiplicar esse conhecimento que tenho para outros povos indígenas. Aqui na minha aldeia temos mais de 20 comunicadores que chegaram com esse interesse, e eles realizam um trabalho incrível, de forma voluntária.”
O fotógrafo relembra sua viagem a Paris, em 2015, para acompanhar o cacique Raoni durante a Cúpula do Clima (COP-21). O encontro entre o líder indígena e o presidente da França ficou eternizado na fotografia registrada por Kamikia Kisêdjê, que teve grande repercussão internacional à época.
“Eu tenho feito bastante esse trabalho com a intenção de ajudar na preservação do meio ambiente e na valorização cultural”, conta.
Ele afirma que seu trabalho tem como principal objetivo a preservação ambiental e a divulgação de informações para aqueles que nunca estiveram na floresta: “A gente consegue levar essa nossa mensagem até as pessoas que não gostam de nós, povos indígenas”, diz Kamikia. Ele destaca, no entanto, que a principal dificuldade é a falta de recursos, tanto para equipamentos quanto para viagens a festivais de cinema, onde essas produções podem ganhar visibilidade e reconhecimento.
Terra Doente, seu mais recente trabalho, dirigido em parceria com Fred Rahal, estará na abertura do 14º Filmambiente. O filme denuncia o avanço do agronegócio que cerca o povo Kisêdjê, no Território Indígena Wawi (MT), que enfrenta a ameaça invisível dos agrotóxicos.
Kamikia conta os bastidores do documentário, que levou mais de uma década para ser produzido: “Todo dia a gente ouvia o barulho do avião jogando veneno, e com isso veio uma grande preocupação. Começamos a pedir pesquisas com nossos peixes, caças, até o solo. E passamos a acompanhar e a filmar”, relata o cineasta.
As filmagens começaram em 2007. Houve uma pausa durante a pandemia, mas depois os trabalhos foram retomados. O filme foi lançado em abril de 2025, no Festival É Tudo Verdade, onde foi premiado.
Para finalizar, o fotógrafo deixa uma mensagem aos mais jovens: “Quero falar para os mais jovens que estão atuando nessa área: acho que o único segredo é não desistir do sonho. Eu levei anos para estar no nível em que estou. (…) Peço para todos que não desistam e que sigam em frente.”