Conheça Josiane Lima, primeira mulher a ganhar uma medalha no remo paralímpico representando o Brasil
Josiane Lima, atleta paralímpica do Remo, conversou com a NINJA Esporte e contou sobre diversos assuntos relevantes de sua carreira, o desejo de seguir firme para chegar aos jogos de Paris, em 2024, sobre a importância do esporte na formação social do indivíduo.
Por Anna Nunes Reis para a NINJA Esporte Clube
Josiane Lima, 46 anos, atleta paralímpica do Remo, natural de Florianópolis (SC), filha de pescador, conversou com a NINJA Esporte e contou sobre diversos assuntos relevantes de sua carreira, o desejo de seguir firme para chegar aos jogos de Paris, em 2024, sobre a importância do esporte na formação social do indivíduo. E ainda, comentou sobre questões sociais presentes em nossa sociedade e lembrou das vítimas da COVID-19.
Anna Nunes Reis: O ESPORTE SEMPRE FEZ PARTE DA SUA VIDA? COMO SUA HISTÓRIA COMEÇOU NO REMO?
Josiane Lima: Eu já era professora de educação física, sou filha de pescador e acho que por isso, acabei me desempenhando bem nas águas. Eu era atleta de vôlei e judô na minha adolescência, mas o último me ajudou muito na minha resistência física para o remo.
Minha história no remo começou, quando sofri um acidente grave de moto em 2004, enquanto ia para um treinamento de futebol. Passei dois anos em tratamentos, sete cirurgias e depois disso, me percebi, realmente, como pessoa com deficiência, com a perda funcional da minha perna esquerda. E assim, comecei com natação em uma ONG aqui em Florianópolis, já deixo aqui meu agradecimento a todas as ONG’s do Brasil, que prestam trabalhos fundamentais para as pessoas praticarem alguma modalidade esportiva. Quando em março de 2006, fui convidada a conhecer o remo. E estou permanente no remo, uma carreira longeva, de quatro ciclos olímpicos, competi em Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016, uma paraolimpíada marcante para todos nós brasileiros, a primeira da história da América do Sul, e Tóquio 2020. Todos únicos e especiais, mas o destaque para Rio, por ter sido em casa e Tóquio, em meio à Pandemia.
Anna Nunes Reis: COMO FOI PARA VOCÊ A CONSQUISTA DA MEDALHA DE BRONZE EM PEQUIM? E COMO É CARREGAR ESSE PRESTÍGIO DE SER A PRIMEIRA MULHER BRASILEIRA A TER MEDALHA NA SUA MODALIDADE?
JL:Foi uma construção de trabalho feito pela Confederação Brasileira muito focado de, praticamente, oito meses. Na época, eu remava com Elton Santana da Bahia e a confederação fazia o nosso monitoramento online, treinávamos cada um na sua cidade e a cada 40 dias, passávamos cerca de duas semanas treinando em conjunto na raia olímpica da USP.
E ela simboliza muito para mim, uma conquista extraordinária para qualquer atleta, especialmente como mulher em um esporte que ainda é muito masculino, agora estamos tendo a evolução do mundo, melhorias dos direitos e a consciência da importância da inclusão das mulheres em todos os espaços, incluindo no esporte. No momento, não me caiu a ficha do quão histórico foi essa conquista, hoje eu vejo mais importância do que vi na época, que já foi deslumbrante, parecia um sonho. Ser atleta paralímpica em 2008, quando conquistei a primeira medalha paralímpica da história do remo do Brasil, é minha maior conquista na carreira.
ANR: VOCÊ ASSUMIU A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE ÉTICA DA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE REMO. QUAL A IMPORTÂNCIA DISSO PARA VOCÊ E O QUE JÁ TEM SIDO FEITO COM ESSA REPRESENTATIVIDADE?
JL: Tem sido um momento muito importante para mim. Sempre vi as questões políticas e a sua influência no esporte. E na gestão da Magali Moreira, como presidente da Confederação Brasileira, fui convidada por ela a fazer parte da Comissão de Atletas e a partir disso, fui indicada a ser membro do conselho de ética e fui eleita. Uma oportunidade de contribuir com o remo do Brasil, não só como atleta, mas, principalmente, no meio político. Me sinto honrada e muito feliz com essa responsabilidade de estar representando os atletas.
Vamos começar uma campanha de conscientização, onde desejamos que os clubes e todas as pessoas que têm posição de poder, tomem consciência dos atos, palavras, que podem ser sim uma ameaça, uma violência. Focando na prevenção contra isso, na informação. E isso será combatido com veemência, os assediadores não passarão. Faremos uma gestão forte, minha gestão vai até 2024.
Ao longo da minha carreira, vivenciei assédio moral, às vezes de técnico, de dirigente. Nesse último ciclo, sofri diversos ataques, a ponto de agredir minha imagem como mulher, ouvi comentários do meu corpo, eu que tenho 46 anos, vivi quatro ciclos olímpicos, sou mulher e pessoa com deficiência física. O assédio moral que é um delito e precisamos combate-lo, o assédio sexual nunca deve passar impune. Isso é um trabalho que já vem do Comitê Olímpico Internacional.
ANR: VOCÊ TEM QUATRO PARAOLÍMPIADAS NA BAGAGEM, MUITA EXPERIÊNCIA. MAS COMO FOI, ESPECIFICSMENTE, A ÚLTIMA DE TÓQUIO, PELA PANDEMIA?
JL: Estávamos muito preocupados se realmente iria acontecer. Desde março, estávamos nos preparando, ansiosos para o começo dos jogos, mas, logo chegou a Pandemia e veio a possibilidade de não acontecer. Tivemos que treinar em casa, ainda bem que tenho o endometro, conquistado o auxilio do estado de Santa Catarina, que foi fundamental.
Em 2021, recomeçamos os treinos presencialmente, no Centro de Treinamento Paraolímpico, foi muito marcante, difícil, sempre seguindo os protocolos de saúde. Da mesma forma, quando fomos para Tóquio, fizemos muitos testes de PCR, antes e depois de chegar lá. Passamos todo o período em quarentena, só saíamos para treinamento, seguindo também os modos de segurança. Essas coisas trouxeram um estresse a mais, mas como já vinhamos vivendo essa realidade há mais um ano, já estávamos adaptados, pela tragédia que vivemos aqui no país.
ANR: COMO É PARA VOCÊ VIVENCIAR O ÂMBITO ESPORTIVO SENDO MULHER?
JL: Tem melhorado bastante. Mas, no remo paralímpico, é um processo um pouco mais complicado, porque no remo convencional, os barcos de conjunto, são por gênero. No paralímpico, não, se juntam homens e mulheres. Então, dentro da equipe acaba existindo atrito. Eu já vivenciei isso, vários parceiros, parece que eles querem comparar ou disputar força. Quando não é isso a proposta da nossa modalidade. Não só na nossa modalidade, mas também na nossa sociedade, é homens e mulheres somando esforços para um mesmo objetivo. Eu como educadora física, tive formação em educação especial, voltada para educação infantil, consigo reconhecer muitas coisas e ter a consciência do respeito pelas diferenças, pela condição do outro e às vezes, isso não acontece na nossa sociedade.
ANR: A RESPEITO DO O CAPACITISMO QUE MUITOS ATLETAS AINDA LUTAM CONTRA O QUE VOCÊ TEM A DIZER SOBRE ISSO?
JL: Nós somos 15 % da população mundial, o movimento “we the 15”, trouxe essa consciência que somos muitos, que estamos aí, que temos capacidade de fazer muitas coisas e que a deficiência de verdade, está na escola, na estrada, nas estruturas das coisas. A deficiência está no déficit de acessibilidade para que essas pessoas possam acessar aquilo que elas quiserem. E com o advento, da internet e tecnologia, isso tem sido quebrado. Na copa do mundo de 2014, o exoesqueleto, uma pessoa paraplégica com uma máquina, deu um chute na bola.
ANR: DEIXE UM RECADO PARA AS MENINAS E MULHERES QUE SE INPIRAM NA SUA TRAJETÓRIA LONGEVA E IMPORTANTE PARA O NOSSO PAÍS.
JL: O que eu digo para as meninas é: vão em frente, não desviem do foco, mantenham o objetivo. Não deem importância para as poucas pessoas que veem denegrir, porque tem muito mais pessoas torcendo por nós.
Confie em si, não deem importância para modismo. Os esteriótipos, limites, paradigmas estão aí para serem quebrados, regras para serem mudadas. Pode ir em frente, que atrás de ti vem outros para ajudar ir melhorando este caminho, para que vocês possam se desempenhar e serem plenas para fazerem o que quiserem. E se tiverem alguma dificuldade, busquem a denúncia, enfrentem, às vezes, nem precisa brigar com o agressor, procure alguém superior, um outro poder. Não se sintam intimidadas, o mundo está melhorando.
Pais e mães, podem ter certeza que quando seus filhos estiverem nos clubes, estaremos em cima dos dirigentes e técnicos para que todos tenham consciência do que reza a carta olímpica, o respeito pelas diferenças, gêneros, respeito pelo adversário, cumprimento das regras, como fazer o jogo limpo. Tudo isso é feito pelo o amor, é ele quem faz e é ele quem junta as pessoas.
Agradecimentos ao NINJA Esporte Clube:
Josiane Lima: Quero agradecer muito ao NINJA Esporte Clube, estávamos precisando de um espaço como esse. Fiquei muito feliz com o convite, isso aqui vai além do esporte. Quero agradecer de coração. Contem comigo!