Por Maria Antônia Diniz

Outro ano se inicia, outra temporada de premiações vai se encerrando e, novamente, a única indicada ao Oscar de Melhor Direção é uma mulher francesa. Coincidência ou não, Coralie Fargeat, diretora e roteirista de ‘The Substance’ — um dos filmes mais debatidos de 2024 —  se consagra como a nona mulher da história a ser indicada ao Oscar de Melhor Direção. Num cenário semelhante ao do ano passado, ela é a única mulher entre os cinco candidatos ao prêmio e, caso vença, será apenas a quarta a ser reconhecida na categoria em quase 100 anos de Oscar.

Nascida e criada em Paris, Fargeat decidiu ser cineasta quando tinha entre 16 e 17 anos, após ser fortemente influenciada pelo avô: um cinéfilo de espírito livre que a encorajava a gravar curtas amadores com a filmadora da família.

Em entrevista ao portal Esquire, ela revela que mesmo não tendo reconhecimento nos primeiros concursos dos quais participou, ficou imediatamente viciada na experiência de fazer filmes e na ideia de ser diretora: “[…] Eu me senti superpoderosa, como se ninguém pudesse me parar.” 

Formada em Comunicação pela Sciences Po e especializada em roteiro pela La Fémis, uma prestigiosa escola de cinema de Paris, Fargeat inicia sua carreira profissional no cinema em 2003 com o lançamento do curta-metragem ‘Le télégramme’. O filme trata de duas mulheres aguardando a entrega de um carteiro durante a Segunda Guerra Mundial. O filme ganhou 13 prêmios em vários festivais de cinema.

Em 2007, após ter trabalhado como assistente de realização em sets de filmagem, ela co-criou ‘Les Fées cloches’ com Anne-Elisabeth Blateau, uma minissérie de comédia que ela também dirigiu. Sete anos depois, lança o curta-metragem ‘Reality+’, um conto de ficção científica no estilo ‘Black Mirror’ com uma sociedade de pessoas perturbadoramente bonitas obcecadas por imagens.

O primeiro longa-metragem de Coralie Fargeat foi ‘Revenge’ (2017), um thriller feminista de vingança sobre uma jovem que é violentada e deixada para morrer. Lançado com aclamação da crítica, o longa causou um rebuliço no circuito de festivais em meio a relatos e rumores de que os frequentadores do festival desmaiaram durante as exibições. Inspirada por filmes de vingança como ‘Kill Bill’, ‘Rambo’ e ‘Mad Max’, Fargeat estava interessada na transformação da protagonista que passa de Barbie a uma mulher implacável com um estilo perigoso e delirante.

Foto: London Live

O sucesso de ‘Revenge’ também serviu para Fargeat discutir suas preocupações em torno dos maus-tratos e da exclusão de mulheres tanto dentro do estabelecimento cinematográfico quanto em outros lugares. Na época, a Vogue rotulou o longa como “um filme de meia-noite para a era #MeToo”, uma vez que o longa apelava para a exposição e erradicação do abuso de forma muito enfática com o uso de violência e evidente desconforto visual. 

Em 2022, Fargeat dirigiu um episódio da série ‘The Sandman’ da Netflix, tornando-se mais conhecida no meio audiovisual estadunidense. E finalmente, dois anos depois, a cineasta francesa lançou seu segundo longa-metragem: ‘The Substance’. Trata-se de um filme de terror corporal feminista estrelado por Demi Moore, Margaret Qualley e Dennis Quaid que mistura humor ácido e choque grosseiro, com elementos de Kubrick e Cronenberg. 

O longa estreou em competição no Festival de Cinema de Cannes de 2024 com uma forte recepção crítica. Fargeat ganhou o prêmio de Melhor Roteiro do festival e, pouco tempo depois, Demi Moore levou o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical, o que aumentou ainda mais o sucesso da produção nos meses seguintes e contribuiu para a indicação de Fargeat ao Oscar.

Foto: Divulgação

Em ‘The Substance’, Demi Moore interpreta uma atriz envelhecida chamada Elisabeth Sparkle que, de repente, se vê deixada de lado. Sentindo-se ferida e insegura, ela decide tentar um tratamento clandestino que promete entregar uma versão mais jovem, mais perfeita e mais bonita dela. Mas, é claro, isso vem com uma pegadinha e consequências extremas.

A cineasta de 48 anos já declarou publicamente que escreveu o filme para desafiar a maneira como a sociedade continua a julgar as mulheres por sua aparência física e os danos que isso causa, partindo da exploração da sua própria experiência vivida como uma mulher no processo contínuo de envelhecimento.

Foto: Divulgação – Universal Pictures

Inegavelmente feminista, Fargeat é membro e uma das signatárias fundadoras do Collectif 50/50, um grupo criado com o propósito de trabalhar pela igualdade de género na indústria cinematográfica — da qual Justine Triet, última indicada ao Oscar de Melhor Direção, também faz parte. O talento de Fargeat para o macabro se estende por toda a sua carreira e cada um de seus filmes demonstram a sua intenção de articular e desafiar desigualdades institucionais, abusos e a exclusão de mulheres dentro do sistema patriarcal.

Foto: Gtres

Ao explorar a violência e o trauma vívido por personagens sob os impactos da guerra, do capitalismo, do consumismo, do abuso sexual e da objetificação, Fargeat utiliza seu lugar de privilégio branco e europeu para manifestar uma raiva palpável contra os sistemas que oprimem a maioria das vidas e corpos.

Depois de tantas denúncias audiovisuais, a curiosidade sobre até onde vai a criatividade de Coralie Fargeat só aumenta. Com toda certeza é um nome a se prestar atenção daqui para frente.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.