Conheça Anna Muylaert, aclamada cineasta brasileira homenageada na 18ª edição da CineBH
Além da homenagem, Anna realizou a pré-estreia de “O Clube das Mulheres de Negócios”, seu novo longa, além de ganhar uma mostra que revisita sua obra
Por Laura Süssekind
Anna Muylaert é uma renomada cineasta brasileira, considerada uma das mais marcantes vozes do cinema nacional contemporâneo, que dirigiu filmes como “Que horas ela volta?”, “Mãe Só Há Uma” e o documentário “Alvorada”. Ela recebeu, nesta semana, uma homenagem da 18ª edição da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, que ocorre de 24 a 29 de setembro.
Muylaert estudou cinema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e começou a trabalhar nos anos 80, quando fez alguns curtas-metragens e publicou críticas de cinema.
Em 1988, roteirizou e dirigiu o curta “Rock Paulista” e já no ano seguinte integrou o grupo de criação de programas infantis na TV Cultura, como “Mundo da Lua” e o famoso “Castelo Rá-tim-bum”. Em 1997, ela criou o Disney Club brasileiro no SBT junto de Cao Hamburger, chamado TV CRUJ. Dentro da temática infantil, ela fez ainda “Um Menino muito Maluquinho” pela TVE Brasil, em 2006, além de ter escrito o episódio do “Open a Door: O menino, a favela e as tampas de panela”.
Anna já foi co-roteirista da série “Filhos do Carnaval”, da HBO, e fez o último tratamento do roteiro do filme “O ano em que meus pais saíram de férias”, ambos dirigidos por Cao Hamburger. Ademais, colaborou nos roteiros da série “Alice”, dirigida por Karim Ainouz e produzida pela Gullane Filmes.
Ela já dirigiu alguns curtas como “A Origem dos Bebês segundo Kiki Cavalcanti”, de 1996, e longas-metragens como “Durval Discos” (2002), que venceu prêmio de Melhor Filme e Melhor Diretor no 30º Festival de Cinema de Gramado, além de “É Proibido Fumar” (2009), com Glória Pires e Paulo Miklos.
Em 2015, Anna dirigiu o icônico longa “Que Horas Ela Volta?”, premiado no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, e no Festival de Berlim, na Alemanha, além do Troféu APCA, o Abraccine e o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, no Brasil, dentre outros. A diretora também ganhou o troféu Grande Otelo no 15º Prêmio do Cinema Brasileiro em direção por esse filme. Foi um total de sete estatuetas, entre elas a de melhor longa-metragem de ficção.
Já seu filme “Mãe Só Há Uma”, foi exibido em fevereiro de 2016 no Festival de Berlim e venceu o prêmio de Melhor Filme pelo júri de leitores da revista alemã “Männer”.
O documentário “Alvorada” foi roteirizado e dirigido por ela ao lado de Lô Politi, e mostra o dia-a-dia da presidente Dilma Rousseff durante o processo do golpe e seu afastamento em 2016. O documentário foi indicado no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro nas categorias de Melhor Longa-metragem Documentário, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem Documentário.
Em 2022, Anna iniciou a produção do longa de ficção “O Clube das Mulheres de Negócios”, onde traz a crise do patriarcado, num mundo imaginário onde os estereótipos de gênero são invertidos. O filme foi exibido no Festival de Gramado deste ano, e foi o filme de abertura da 18ª CineBH. Conta com um elenco de peso, com nomes como Louise Cardoso, Irene Ravache, Cristina Pereira, Luís Cardoso, Ítala Nandi, Katiuscia Canoro, Maria Bopp, Grace Gianoukas, Polly Marinho, Helena Albergaria e Shirley Cruz. O ator Rafael Vitti, também parte dessa lista, conta que “É um filme que bate em muitos lugares, é ousado, causa desconforto, faz a gente rir de nervoso. Bem a cara da Anna.”
Além deste seu trabalho mais recente, outros diversos filmes anteriores de Muylaert serão exibidos ao longo da Mostra em Belo Horizonte.
Até o final de 2024, Anna terá três filmes rodando em três anos: “O Clube das Mulheres de Negócios”, “A Melhor Mãe do Mundo” – cujas gravações terminaram em Dezembro de 2023 – e “Geni e o Zepelim”, baseado na canção de Chico Buarque, que se prepara para rodar no Acre. Ela quer traçar um paralelo entre o corpo da protagonista, que será uma mulher trans, com o “corpo” da floresta amazônica, ambos vítimas de violações.
É evidente que o tema da maternidade é recorrente nos filmes de Anna. Desde seu longa de estreia, “Durval Discos”, até o mais conhecido, “Que Horas Ela Volta?”. Sobre “A Melhor Mãe do Mundo”, ela conta que a ideia veio de uma série que ela chegou a roteirizar sobre histórias de mães ao redor do Brasil que nunca foi para a frente. Uma dessas histórias chamou a atenção da Galeria Distribuidora e daí o filme nasceu.
“É o filme mais difícil que eu já fiz. Porque é a história de uma mãe carroceira que sofre abuso do marido. Ela, então, decide largá-lo e ir com os filhos para a casa de uma prima. Sai do Glicério [na região central de São Paulo] e vai para Itaquera [no extremo leste da cidade]. Então é um filme de rua. É um road movie de carroça”, contou à Folha de São Paulo. “Agora, voltei a esse mundo onde nunca vivi, mas onde consegui me permear. E fui levando minha equipe inteira para conhecer também. Cada um que eu levava, avisava: ‘Se prepara’. Porque as pessoas têm uma expectativa do que vão ver na ‘economia do lixo’, e o que elas encontram lá é o contrário: uma força humana de superação. Todo mundo sai com a sensação de que conheceu rainhas”.
Anna, que também é mãe de dois filhos adultos, afirmou: “A mãe é uma força da natureza. E quando você fala de mãe, já está falando de alguém mais alguém. É um personagem mais uma relação.”
Muylaert sempre lutou pelo reconhecimento da mulher no cenário do audiovisual brasileiro. Em entrevista para o programa BdF Entrevista, em 2020, afirmou: “A mulher e o cinema é igual a mulher e qualquer outra coisa. Não é fácil. Nós vivemos em um sistema que valoriza o homem muito mais do que valoriza a mulher. A Ancine fez um estudo e tem números para dizer. As mulheres dirigem cerca de 17% das produções”.
Sobre este tema, em entrevista à Folha, em 2024, desenvolveu também a pressão que sentiu quando seu filme “Que horas ela volta?” foi escolhido para representar o Brasil no Oscar: “Senti muita pressão por ser mulher, por estar em um papel de relevância sendo mulher. (…) Quando uma mulher se torna protagonista, fica mais passível de violência do que se ficasse em seu cantinho cozinhando. É uma lógica que só entendi quando aconteceu comigo. Quando um homem faz sucesso, muitas portas se abrem. Mas uma mulher, se faz sucesso, muitas portas se fecham”.
Vida longa à Anna Muylaert, que venham muitas novas histórias maravilhosas para enriquecer o cinema nacional.